Decretos retomam políticas públicas e promovem uma reestruturação do Executivo, com a criação de novos ministérios e redistribuição de competências
Nas primeiras horas após tomar posse, no dia 1º de janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou uma série de decretos e medidas que retomam políticas públicas socioambientais e promovem mudanças na estrutura de governo, com a criação ou recriação de novos ministérios, reorganizações internas e redistribuição de competências. Com isso, ele avança em seu compromisso de fortalecer a proteção dos povos e comunidades tradicionais e combater o desmatamento e as mudanças climáticas.
Muitas das medidas estão apoiadas por decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do “Pacote Verde”, as sete ações sobre meio ambiente que contestaram, na Corte, o desmonte das políticas socioambientais durante o governo Bolsonaro. O julgamento de uma das ações (ADPF 760), foi citado no relatório final do governo de transição como base para as mudanças anunciadas.
Os primeiros atos do Presidente na área ambiental demonstram que o tamanho do compromisso assumido vai além dos discursos. Segue a lista!
— Adriana Ramos (@naosoumaismess) January 2, 2023
Confira o que foi feito em relação às políticas socioambientais:
Revisão do processo de autuação ambiental
A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, revogou atos do governo anterior que colocavam entraves no julgamento de infrações ambientais autuadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Em 2019, foi implementada uma nova fase de “conciliação” com o infrator, que, na prática, causava a paralisação do processo até que fosse realizada uma audiência, inviabilizando a tramitação de todo o processo. A medida de Salles levou o número de julgamentos do órgão a cair exponencialmente, de uma média de 5,3 mil anuais entre 2014 e 2018 para somente 17 em 2020.
Ainda foi resolvido um problema formal criado pelo ex-presidente do Ibama, que colocava sob risco de prescrição milhares de autos de infração lavrados pelo órgão.
Com a revisão feita pela nova ministra, fica determinado ainda que os autos de infração deverão ser públicos e disponibilizados na internet e que 50% dos valores arrecadados em multas deverão ser revertidos para o Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA).
Restabelecimento do PPCDAm
Criado em 2004, o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) foi o principal responsável pela redução do desmatamento no bioma em mais de 80% entre 2004 e 2012. Apesar de bem-sucedida, a política foi extinta pelo governo Bolsonaro, que elevou a derrubada da Amazônia em 59%, em comparação aos quatro anos anteriores.
Uma das ações do ‘Pacote Verde’ no STF é a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 760, que pede a retomada e cumprimento urgentes do PPCDAm, além do fortalecimento dos órgãos socioambientais. Em voto histórico proferido em abril de 2022, a ministra Cármen Lúcia, relatora da ação, acolheu as alegações e declarou a existência de um “estado de coisas inconstitucional”. O ISA é uma das organizações da sociedade civil responsáveis pela elaboração desta ADPF.
Agora, além de retomar o PPCDAm e também o PPCerrado, a norma publicada pelo governo Lula procura ampliar a política de controle ao desmatamento, estabelecendo, de forma inédita, planos específicos para os biomas Caatinga, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal. Também institui a Comissão Interministerial Permanente de Prevenção e Controle do Desmatamento, sublinhando a necessidade de se tratar desta questão de forma multidisciplinar, transversal e integrada. Dezessete ministérios, sob o comando da Casa Civil, participarão da implementação dos planos de ação.
Retomada do Fundo Amazônia e do Fundo Nacional do Meio Ambiente
Paralisado no governo Bolsonaro, o Fundo Amazônia concentra mais de três bilhões de reais disponíveis para uso no combate ao desmatamento e crimes ambientais, além de projetos que incentivem a proteção da floresta. Os conselhos do Fundo foram restabelecidos, pois haviam sido extintos pela gestão anterior.
No caso do Fundo Nacional do Meio Ambiente, a participação social foi novamente contemplada, já que havia sido eliminada pelo governo Bolsonaro. A paralisação do Fundo Amazônia e do Fundo Nacional do Meio Ambiente também foi objeto de julgamento no Pacote Verde no STF (ADO 59 e ADPF 651, respectivamente).
Com a recomposição das estruturas de governança, países financiadores, como Noruega e Alemanha, sinalizaram novos aportes; enquanto novos parceiros, como Reino Unido, indicaram interesse em contribuir com a defesa ambiental no Brasil.
Restabelecimento do Conama
O presidente determinou que seja feita a revisão da composição do Conselho Nacional do Meio Ambiente em até 45 dias.
Criado em 1981, o colegiado é responsável por assessorar e propor ao governo as políticas prioritárias na área ambiental e estabelecer normas e diretrizes técnicas, com efetiva participação de órgãos federais, estaduais e municipais, do setor privado e da sociedade civil.
No governo anterior, porém, o desmonte e a desestruturação do Conama deram maior poder de decisão ao governo federal e diminuíram a participação popular, o que foi considerado inconstitucional pelo STF (ADPF 623).
Revogação de decreto pró-garimpo
Assinado em fevereiro de 2022, o Decreto de nº 10.966, revogado pelo governo Lula, flexibilizava as leis de combate ao garimpo ilegal. Nele, foram criados o “Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala” e a “Comissão Interministerial para o Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala”, que buscavam, na prática, estimular o garimpo ilegal, inclusive em Terras Indígenas e outras Áreas Protegidas.
Atividade comandada por esquemas milionários e com conexões com o crime organizado, o garimpo gera graves problemas humanitários e ambientais. Em 2020, os três povos indígenas mais afetados pelo garimpo no Brasil – Yanomami, Munduruku e Kayapó – formaram uma aliança para pressionar pelo fim das invasões.
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Confira as principais mudanças socioambientais na estrutura do Governo Lula:
Criação do Ministério dos Povos Indígenas e retomada da Funai
Promessa de campanha, a oficialização do Ministério dos Povos Indígenas já é um marco histórico na política nacional. Comandada pela deputada federal Sonia Guajajara (Psol-SP), a pasta inclui em sua estrutura a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), que foi renomeada e será presidida pela primeira vez por uma indígena, a deputada federal Joenia Wapichana (REDE-RR).
Além disso, a pasta recria órgãos extintos pelo governo Bolsonaro, como o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), colegiado que garante participação social na formulação de políticas públicas para os povos indígenas.
O ministério retomará a implementação de políticas paralisadas pela gestão anterior, como a demarcação e proteção de Terras Indígenas e a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), um dos maiores avanços na gestão autônoma e sustentável dos territórios indígenas.
Estive no ato organizado pelos servidores " Retomada da Funai", juntamente com a nossa Ministra @GuajajaraSonia a dep. federal eleita @celiaxakriaba, nosso Secret. Saúde Indígena @weibetapeba e o Cacique Raoni, na sede da Fundação Nacional do Povos Indígenas. Ato histórico! pic.twitter.com/TRyhHjlH0J
— Joenia Wapichana (@JoeniaWapichana) January 2, 2023
Criação da Diretoria da Amazônia e Meio Ambiente na Polícia Federal
O decreto que reestrutura o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) retira a Funai de sua estrutura, estabelece competência de apoio a conflitos envolvendo indígenas e cria a Diretoria da Amazônia e Meio Ambiente na Polícia Federal (PF).
A nova diretoria é responsável por dirigir, planejar, coordenar, controlar, executar e avaliar as atividades de prevenção e repressão das infrações penais contra o meio ambiente, o patrimônio histórico e cultural e os povos originários e comunidades tradicionais, bem como a segurança pública na região da Amazônia Legal e unidades operacionais e de gestão integrada brasileiras estabelecidas na Amazônia Legal.
Reestruturação do Ministério do Meio Ambiente
A pasta passa a se chamar Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, inserindo a pauta climática no centro da agenda socioambiental, e estará sob o comando de Marina Silva, deputada federal, ministra do Meio Ambiente nos primeiros governos Lula (2003-2008) e ex-senadora pelo Acre por dois mandatos, entre 1995 e 2011.
O decreto também reinsere o Serviço Florestal Brasileiro em sua estrutura e assume entre suas competências a gestão do Cadastro Ambiental Rural (CAR), instrumento de planejamento ambiental e combate ao desmatamento em propriedades rurais.
Além disso, a pasta vai tratar de agendas-chave para a questão ambiental, como a bioeconomia e uso sustentável de ecossistemas, e inserir o tema dos oceanos e gestão costeira na Secretaria Nacional de Mudança do Clima. Retornam, também, as agendas que envolvem povos e comunidades tradicionais.
Reorganização da governança sobre povos e territórios quilombolas
Sob comando da ministra Anielle Franco, o novo Ministério da Igualdade Racial será responsável por tratar de políticas relacionadas a quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais.
Já o Ministério do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura Familiar abrigará o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e será responsável pelo reconhecimento de territórios quilombolas e outros territórios tradicionais. O Ministério da Cultura, onde está localizada a Fundação Cultural Palmares, por sua vez, fica com a função de auxiliar as ações de regularização fundiária, para garantir a preservação da identidade cultural das comunidades quilombolas.
Inclusão da transição energética na organização do MME
Ficou definida a inclusão da transição energética na antiga Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia (MME). O órgão passa a se chamar Secretaria de Planejamento e Transição Energética e está prevista a criação de um departamento voltado exclusivamente para o tema.
Criação da Procuradoria Nacional de Defesa do Clima e do Meio Ambiente na AGU
A Advocacia-Geral da União (AGU), agora comandada pelo ministro Jorge Messias, passará a contar, em sua estrutura, com a Procuradoria Nacional de Defesa do Clima e do Meio Ambiente, de acordo com o Decreto nº 11.328, assinado pelo presidente Lula.
A Procuradoria vai trabalhar de maneira transversal junto aos órgãos e as entidades da agenda ambiental e fortalecer a atuação dos órgãos jurídicos dedicados à temática para, de acordo com Messias, “encontrar novas soluções jurídicas que harmonizem as diferentes políticas setoriais com a política ambiental, para viabilizar as transformações necessárias à efetividade da transição ecológica”.