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Campeã de requerimentos minerários, Terra Indígena Yanomami sofre com explosão do garimpo

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Clara Roman

Extração ilegal se alastra pelo território, contaminando rios e degradando a floresta; levantamento do ISA mostra que região é a mais cobiçada por mineradoras.

Entre 6 e 7 mil garimpeiros estão retirando ouro ilegalmente na Terra Indígena Yanomami, no norte do país. É o maior número registrado até hoje. O garimpo ilegal tem se intensificado nos últimos meses e explodiu em janeiro, depois que o Exército desativou as bases de proteção nos Rios Uraricoera e Mucajaí, as principais entradas para a Terra Indígena.

Nos três últimos anos, a presença do Exército foi fundamental para inibir a entrada de garimpeiros. Em 2018, foi responsável pela saída de mais de 1.500 garimpeiros do Rio Uraricoera. Porém, desde dezembro, com o abandono das bases, os garimpeiros retomaram a invasão em ritmo acelerado.

O garimpo traz doenças, violência, desmatamento, assoreamento dos rios e contaminação por mercúrio e outros metais pesados. Maior do país, a Terra Indígena Yanomami abriga os povos Yanomami e Ye’kwana, além de 96.650 km² de florestas protegidas e 43.614 km de rede de drenagem (rios e igarapés*). A situação se agrava devido à presença de povos indígenas isolados em áreas muito próximas a registros de garimpo.



Além do garimpo ilegal, a TI é campeã em requerimentos minerários, com 534 pedidos de pesquisa para exploração em suas terras, segundo levantamento do Instituto Socioambiental (ISA). Isso significa que é o território indígena no Brasil mais cobiçado por mineradoras, que fazem requerimentos na expectativa da regulamentação de uma lei que libere a mineração nessas áreas.

Hoje, a exploração minerária em áreas protegidas, incluindo Terras Indígenas, não é permitida, e esses requerimentos ficam travados quando chegam à Agência Nacional de Mineração (ANM). Ao todo, o levantamento identificou 4.250 requerimentos minerários incidentes em Terras Indígenas. Mais de 90% desses processos são de requerimentos de pesquisa e envolvem a solicitação para a exploração de ao menos 66 substâncias. O ouro é o principal minério em requerimentos incidentes em Terras Indígenas.

No caso da TI Yanomami, as empresas anseiam pela exploração do ouro no solo e rios do território, e os requerimentos incidem em 42,57% do território.

Um histórico de destruição

Na década de 1980, quando aconteceu a primeira grande invasão garimpeira na Terra Indígena, cerca de 20% da população yanomami morreu em decorrência de doenças. Entre 1987 e 1989, estima-se que 2.003 balsas de garimpo trafegavam pelo Rio Uraricoera. Com a demarcação da TI, em 1992, esses garimpos foram encerrados. Mas, pouco a pouco, a atividade ilegal começou a se espalhar novamente pela região.



Em seu livro “A Queda do Céu”, o xamã Yanomami Davi Kopenawa relata os perigos que a extração do ouro traz para o seu povo. “O que os brancos chamam de ‘minério’ são as lascas do céu, da lua, do sol e das estrelas que caíram no primeiro tempo”, explica Kopenawa. “Durante o sono, eu vi os brancos trabalhando nesses minérios. Não pareciam se dar conta de que esses fragmentos de céu antigo são perigosos. Ignoravam que sai deles uma fumaça de metal densa e amarelada, uma fumaça de epidemia tão poderosa que se lança como uma arma para matar os que dela se aproximam e respiram”, afirma.

Hoje, apenas na porção da Terra Indígena que ocupa o Estado de Roraima, existem 14 pistas de pouso clandestinas de garimpo ilegal, e 347 polígonos de área degradada, o que corresponde a 1.096 hectares (ou mais de mil campos de futebol). O garimpo ocorre principalmente em 14 regiões da TI: Oriak, Uraricaá, Waikás, Aracaçá, Parima, Whato u, Homoxi, Hakoma, Kayanau, Uxiu, Alto catrimani, Serra da Estrutura, Lobo d’almada, e Rio Novo.

Isolados em risco

Focos de garimpo foram registrados na Serra da Estrutura, próxima à fronteira com a Venezuela. A região tem presença de indígenas isolados, que escolheram não ter nenhum contato com não indígenas e mesmo outros indígenas, e dependem intrinsecamente da floresta para sobreviver. Além da degradação pelo garimpo, há uma pista de pouso na área. Nesta região, a área degradada decorrente do garimpo aumentou 167% desde outubro de 2018.

Em 2015, por conta dos cortes no orçamento, a Funai encerrou sua base de proteção de isolados na Serra da Estrutura, uma das regiões com maior presença desses povos. Hoje, a Terra Indígena Yanomami abriga sete registros de povos em isolamento voluntário, segundo dados da Fundação Nacional do Índio (Funai), apenas na porção brasileira. São cinco registros em informação, um em estudo e um confirmado. Essas categorias são utilizadas pela Funai para classificar os registros de acordo com o nível de informação que se tem sobre cada um deles.

Além da possibilidade de conflitos, o perigo é de contaminação, já que os índios isolados não têm imunidade para doenças comuns que circulam entre os não indígenas. Na década de 1970, a construção da Perimetral Norte levou o sarampo, a gripe, a malária, a caxumba e a tuberculose para o território Yanomami. Segundo relatos da Comissão Nacional da Verdade, em algumas regiões 80% da população Yanomami morreu em decorrência dessas doenças. A rodovia foi planejada pelo governo militar, mas sua construção foi abandonada.



Relatos do povo Ye’kwana, que também vive na TI, dão pistas sobre um mercado paralelo do ouro que se formou na região. Em zonas de difícil acesso e comunicação, os garimpeiros instalaram pontos de wifi, onde se cobra 0,5 g de ouro por meia hora de acesso. 50 litros de diesel custam 10g de ouro e 50 litrosde gasolina, 15g. Uma lata pequena de cerveja chega a custar 0,2 gramas de ouro (R$ 20 reais) um frango, 0,8 g, ou R$ 80 reais.

“Quando o ouro fica no frio das profundezas de terra, aí tudo está bem. Tudo está realmente bem. Ele não é perigoso. Quando os brancos tiram o ouro da terra, eles o queimam, mexem com ele em cima do fogo como se fosse farinha. Isto faz sair fumaça dele. Assim se cria a xawara que é a fumaça do ouro. Depois desta xawara wakêmi esta “epidemia fumaça”, vai se alastrando na floresta, lá onde moram os Yanomami, mas também na terra dos brancos, em todo lugar. É por isso que estamos morrendo. Por causa desta fumaça”, afirma Davi Kopenawa.

*Identificados em base cartográfica na escala 1:250.000

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