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Desmatamento crescente põe em risco a meta brasileira para reduzir emissões

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Márcio Santilli

Confira o artigo de opinião de Márcio Santilli sobre os últimos dados que indicam aumento do desmatamento na Amazônia e suas possíveis consequências para a política climática brasileira


Há alguns dias, o governo federal, afinal, liberou os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) que indicam aumento de 122% do desmatamento na Amazônia, entre agosto e setembro deste ano, em comparação com os mesmos meses de 2013. Os dados foram produzidos pelo sistema Deter, que serve para detectar desmates de maior extensão em tempo real para orientar o trabalho de fiscalização. Outro sistema, o Prodes, calcula com maior precisão a extensão anualmente desmatada, constituindo uma sequência histórica de dados que possibilita avaliar tendências mais consistentes de comportamento do desmatamento ao longo do tempo.

O aumento do desmatamento não causou surpresa e os dados já estavam à disposição do governo desde o início de outubro, mas só foram divulgados recentemente para evitar impacto negativo à reeleição da presidente Dilma Rousseff. Embora não se prestem ao cálculo exato das taxas anuais de desmatamento, os dados do Deter indicam uma grave reversão de tendência tendo em vista a escala do aumento detectado.

Após um período consistente de redução do desmatamento, entre 2006 e 2012, o Prodes apontou um aumento de 29% entre agosto de 2012 e julho de 2013. Ainda não foram divulgados os dados do Prodes para o período subsequente, entre agosto de 2013 e julho de 2014, mas os dados acumulados pelo Deter nesse mesmo período sugerem um provável novo aumento em torno dos 10%. O salto de 122% agora anunciado impactará o período posterior, entre agosto de 2014 e julho de 2015, e só será incorporado à sequência histórica com a divulgação dos dados do Prodes para este período, prevista para o final de 2015.

O que o Deter está nos indicando, reiteradamente, é que o aumento já comprovado pelo Prodes em 2013 não constituiu um “ponto fora da curva”, mas deu início a uma tendência de alta que se manteve em 2014 e que poderá se acentuar em 2015 se o governo não tomar providências imediatas. O tamanho do salto indicado agora, ainda que venha a ser recalculado para menos pelo Prodes, é suficientemente alto para apontar uma possível perda de controle da situação pelo governo, embora já estejamos iniciando o período de chuvas na maior parte da Amazônia, o que tende a reduzir o ritmo do desmatamento.

Indica, ainda, que o Brasil saiu do caminho virtuoso que iniciou, em 2006, e que bancou o protagonismo político brasileiro na conferência da ONU sobre a mudança climática, em 2009, em Copenhague (Dinamarca), quando o país foi o primeiro, entre os emergentes, a assumir uma meta própria de redução das emissões de gases estufa, de 36% a 39% em relação aos níveis de emissões de 1990. Trata-se de uma meta realista. Embora envolva esforços em relação aos vários fatores de emissão desses gases, fundamenta-se, principalmente, na redução do desmatamento, que representava mais de 70% dessas emissões até 2006.

Nos anos seguintes a Copenhague, o Brasil prosseguiu no rumo do cumprimento da sua meta de forma consistente e, em 2012, as emissões oriundas do setor de energia já superavam as decorrentes do desmatamento. Mas, a partir de 2013, enquanto as emissões por queima de combustíveis fósseis continuavam crescendo com o uso intensivo de termoelétricas e com o expressivo aumento da frota de automóveis, o desmatamento voltou a crescer de forma continuada, como se vê agora, apesar de termos de esperar pelos dados do Prodes para aferir o ritmo exato dessa aceleração.

Mesmo que a meta assumida pelo Brasil em Copenhague refira-se a 2020 (havendo tempo, portanto, para uma eventual correção de rumos), estamos agora na contramão do processo. E é nesta circunstância que o país participará dos momentos decisivos para as negociações sobre a mudança do clima, que devem levar a um acordo internacional até o final de 2015, quando os chefes de estado voltarão a se reunir em Paris com a missão de viabilizar significativa redução das emissões globais a partir de 2020.

Enquanto o Deter informa que o Brasil mergulha numa zona de risco em relação à meta assumida, EUA e China anunciaram, na semana passada, um acordo bilateral visando a redução das respectivas emissões. Os EUA comprometem-se a ampliar a redução de 17% das suas emissões em relação a 2005, prometida em Copenhague para até 2020, para 26% a 28% até 2030. E a China compromete-se a produzir, a partir de fontes limpas, ao menos 20% da energia que consome e a iniciar um processo de redução das suas emissões antes de 2030. É previsível que a União Europeia some-se ao gesto e também aumente a sua aposta.

Assim, enquanto o Brasil reflui para uma diplomacia defensiva e envergonhada, pedindo clemência em relação a metas futuras com base em resultados passados que estão se esvaindo, os maiores emissores assumem o protagonismo das negociações internacionais, ampliando as chances de se chegar a um acordo efetivo, apesar do Brasil.

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