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No final da primeiro trecho, ataque de queixadas e ruído incomum causam apreensão

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Moreno Saraiva Martins e Estevão Benfica Senra

24 de setembro, sexto dia da expedição

Estevão: “Hoje resolvi dar uma trégua para os meus pés e não saí para a caminhada. Como temos longos dias pela frente, achei que seria prudente descansar um pouco e cuidar dos meus ferimentos. Além da cicatrização do corte esperava também lavar e secar a roupa suja, para seguir amanhã com um pouco mais de conforto. Entretanto, justamente hoje o tempo resolver nublar, e consequentemente a previsão para amanhã é de um festival de assaduras.

Mas nem tudo foi tempo perdido. Aproveitei a companhia do meu colega de acampamento, Luciano, para mapear a rede de parentesco das comunidades do Ajarani, coisa que gostaria de ter feito há tempos. E, sem dúvida, agora ficará muito mais fácil entender a dinâmica sempre conflituosa da região.

PS: Se você tivesse que escolher um disco para levar para uma ilha deserta ou uma expedição no coração da floresta, qual seria? Eu trouxe o CD "A tábua de esmeralda" do Jorge Ben Jor, e, se não fosse por ele, o meu dia de resguardo seria para lá de tedioso”.

Moreno: “Hoje atingimos o primeiro trecho dessa expedição. Chegamos até o final dessa linha seca de divisa da TI Yanomami, onde chegou a expedição do ano passado. Deixamos as nossas coisas no acampamento montado, e andamos sem peso, o que nos possibilitou caminhar mais rápido. Foram ao todo 7 km ida e volta até o final da linha seca. Estêvão ficou no acampamento para poder se recuperar do corte no pé, e Luciano ficou acompanhando.

No caminho enfrentamos muitas subidas e descidas, o que deixou o caminho mais difícil de ser vencido. Ao final, a conclusão a que cheguei é que esse trecho da divisa da TI não sofre nenhuma pressão. Nele não encontramos nenhum vestígio de presença humana, não vimos qualquer sinal de passagem. Os vestígios que vimos até aqui, são de passagem de pessoas, não de estada prolongada para explorar algum recurso.
No entanto, existe uma ameaça eminente, pois as terras que fazem divisa nesse trecho com a TI Yanomami recentemente foram repassadas ao governo estadual pelo governo federal. O governo de Roraima, por sua vez, começou a distribuí-las segundo critérios que foram questionados pelo Ministério Público Federal. O processo de repasse das terras foi então paralisado em 2011 e retomado nesse ano de 2013, deixando essa fronteira sob ameaça, pois se as terras forem distribuídas a assentados a pressão sobre a TI aumentará.

Vimos hoje mais animais silvestres muito próximos a nós, que não se mostram ariscos com a nossa presença. Vimos um casal de arara, mais um bando de jacamins, nhambus, anta e dois bandos de queixadas muito próximos a nós. Os Yanomami classificam os bandos de queixadas em bravos e mansos. E foi um desses bandos de bravos que primeiro encontramos. Ivan com sua espingarda foi tentar matar um porco para nosso almoço. Foi até o meio deles e conseguiu balear um, que fugiu e caiu 50 metros a frente. Sem ver que esse queixada tinha caído, ele atirou em mais um com nosso último cartucho, e conseguiu matar esse também. Sem mais cartuchos o bando de porcos que tinha corrido começou a ir em direção ao Ivan e ao Júlio. Os dois então tiveram que subir em árvores, e no instante seguinte foram cercados por dezenas de queixadas. Esperaram cerca de 20 minutos, até que os queixadas saíssem, e então desceram das árvores. É essa característica de atacar os brancos que faz com que os Yanomami os classifiquem como bravos. E de fato são muito perigosos. Queixadas tem as presas com mais de 5 cm e podem fazer um grande ferimento se conseguirem morder.

Seguimos o caminho depois da caça aos queixadas, agora em um ritmo um pouco mais acelerado. Logo chegamos ao destino final, que era o início da linha seca, onde ela encontra um igarapé. Esse mesmo igarapé foi o que seguimos na expedição passada e conseguimos chegar nesse mesmo ponto aonde chegamos hoje.
O retorno teve um ritmo mais acelerado ainda. Sempre me impressiono como os Yanomami conseguem manter um ritmo de caminhada no meio da floresta e ainda assim conseguem prestar atenção no menor movimento ou barulho em sua volta. Nessa caminhada de volta eu, com grande esforço, mal conseguia acompanhar os Yanomami sem me machucar muito, ficando preso em algum cipó ou caindo em alguma das encostas por onde passávamos. Eles, por outro lado, mesmo nesse ritmo conseguiam identificar animais nas árvores a partir de um pequeno movimento ou de um ruído estranho, e ainda conseguiam seguir, sem titubear, a trilha por onde tínhamos passado. Isso também impressiona muito, pois cada vez que tento seguir a trilha recém aberta, perco o caminho em menos de dez metros.
No meio do caminho de volta paramos por quase uma hora para que os queixadas fossem tratados e divididos. Coube a cada um carregar um pedaço. Cada queixada tem mais de 20kg de carne. Eram então 40kg divididos entre 5 pessoas.

Quando estávamos terminando a divisão, escutamos um barulho incomum na floresta, o que deixou todos apreensivos. Poderiam ser os índios isolados, que possivelmente usam esse território de caça. Para os Yanomami, estar em uma terra desconhecida é sempre um risco em potencial. E essa região onde estamos não é frequentada ou mesmo conhecida por nenhum Yanomami que nos acompanha. Nos apressamos então em dividir a carne e partir.

Seguimos a última metade do caminho mais pesados, mas sempre no mesmo ritmo impressionante. Chegamos às 15h no acampamento, e nos restou descansar para o dia seguinte, que deverá ser longo, pois todos os nossos acompanhantes afirmam que querem chegar no mesmo dia onde o barco está ancorado, ou seja, andar o que andamos em 3 dias, em apenas um dia”.

A série de expedições ao limite leste da TI Yanomami, iniciada em outubro do ano passado, e integrada pela Funai (Fundação Nacional do Índio), HAY (Hutukara Associação Yanomami), e ISA e agora pela Polícia Ambiental e pelo Bope tem o apoio da Fundação Rainforest da Noruega.

Para saber mais

Próximo relato (25 de setembro de 2013) > Espinhos, umidade, insetos e urtigas, a floresta é uma experiência epidérmica e tanto!

Relato anterior (23 de setembro de 2013) > Carrapatos, ponte improvisada e trilhas mínimas desafiam os “brancos” da expedição

Linha do Tempo da viagem com galeria de fotos e outras informações > http://isa.to/1ag7MYF

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