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Aldeia Kuikuro recebe o maior evento esportivo da história do Xingu

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Os Jogos Indígenas 2015, que se realizaram entre 15 e 19 de julho, na aldeia Kuikuro, contaram com 600 atletas de 14 aldeias, que disputaram seis modalidades. Além do futebol, paixão xinguana, teve natação, arremesso de lança, arco e flecha, corrida e cabo de força
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Aldeia Kuikuro/Parque Indígena do Xingu – Uma partida de futebol é uma disputa, mas nem sempre é uma festa. No Xingu todos os jogos de futebol são uma festa. O campo é um terrão, não tem arquibancada, o sol é de rachar, mas o jogo é um espetáculo.

Os indígenas são apaixonados pelo futebol. E mantém a arte do esporte, com dribles, aplausos, alegria e festa. O futebol está tão presente entre eles, que até parece que foram eles os inventores do esporte.

O especialista em políticas públicas e gestão governamental do Ministério do Esporte, José Ivan Mayer de Aquino, que participou do evento conta que pesquisadores alegam que o futebol foi criado por meio de práticas corporais indígenas dos séculos XV e XVI. “Então ele está incorporado na cultura indígena, na elaboração que os ingleses fizeram e em um modo brasileiro de se apropriar desse esporte. Em todas as aldeias que a gente vai sempre tem um campo de futebol”. Nas aldeias do Xingu todo mundo joga futebol. Os homens, as mulheres, as crianças. Já os velhos, bem, os velhos não jogam mais futebol, mas ficam ao redor do campo para não perder nenhum lance.

José Ivan, 62 anos, comparou o modo de os indígenas jogarem futebol com a sua época, em que brilhavam Pelé, Garrincha e companhia, geração que também jogou em campos de terra - a famosa pelada -, praticou o futebol arte, de onde saíram os que até hoje são considerados os melhores jogadores da história do esporte no Brasil. Atualmente os clubes existem para formar jogadores em um sistema profissional e disciplinado.

Para José Ivan, os não indígenas foram reorganizados para o futebol com o crescimento das cidades e a prática ficou restrita aos clubes, que condicionaram o futebol a uma lógica de mercado. A seleção brasileira já teve alguns indígenas defendendo as cores verde e amarelo. O mais famoso deles foi Garrincha, o ‘Anjo das Pernas Tortas’. Quem contou essa história foi o escritor e jornalista Ruy Castro no livro Estrela Solitária. Garrincha era fulni-ô e seus antepassados vieram para o Rio de Janeiro, onde ele nasceu, fugindo das perseguições em Pernambuco.

Kany Matipu, 22 anos, defendeu sua aldeia, a Matipu, no futebol. Joga desde criança e atualmente participa até do campeonato amador de Canarana-MT, defendendo as cores do Xingu. “Todo o dia a gente joga [na aldeia], de segunda a segunda”, contou. O atleta da Matipu disse que aprendeu a jogar bola na aldeia e que jogando na cidade aprendeu fundamentos como tática e posicionamento. “Tento imitar os jogadores da cidade, mas os indígenas têm mais habilidade, talvez porque treinamos mais”, disse.

Na abertura do evento, os caciques pediram que o espírito esportivo prevalecesse nas disputas. “Vamos brincar e no final de tudo quero ver bem bonito”, pediu o anfitrião Afukaka, cacique da aldeia Kuikuro. O mesmo pedido foi feito pelo seu irmão, o vice cacique, Tabata Kuikuro, um dos idealizadores dos jogos: “Eu peço aos jogadores, eu não quero briga, eu quero que vocês jogam bem, brincam bem. Os juízes estão aí e vocês tem que respeitar. A regra é do futebol”. O cacique geral das aldeias do Xingu, Aritana Yawalapiti, também pediu que as partidas ocorressem sem violência: “Vocês aqui rapaziada, vamos jogar, sem violência, jogar bem, vamos respeitar os nossos juízes”.

O árbitro Ageu Carvalho Aguiar, apita na cidade há sete anos, mas foi sua primeira vez em uma aldeia. Ele analisou a diferença entre indígenas e não indígenas pelo comportamento. “Os índios são mais comportados, você apita, eles atendem. Respeitam mais, tanto eles como a gente também”. Em sua opinião, os indígenas correm mais, são mais rápidos, jogam com mais raça e mais vontade do que os atletas da cidade. “Falta ainda um pouco de técnica, aprimorar os fundamentos, mas também sobra habilidade”.

Se a grande maioria dos indígenas joga futebol por brincadeira, mais pelo prazer de jogar do que pelo prazer de ganhar, alguns também tentam a carreira profissional, assim como Bebeto Kuikuro, que é filho do vice cacique da aldeia, Tabata.

Bebeto já foi profissional do Vila Nova-GO. “No momento estou parado, mas quero tentar voltar para um clube. Quero começar do início, em um clube pequeno”. Ele disse que ser índio ajuda e atrapalha em uma carreira profissional: “Ajuda um pouquinho e às vezes atrapalha, porque tem muito preconceito com os índios”.

Entre os indígenas, o futebol também é bastante praticado pelas mulheres. Para o Ministério do Esporte, há um grande interesse no incentivo do futebol feminino. O que deve ajudar nesse crescimento é a aprovação da MP nº 671/2015, que dá nova organização ao futebol brasileiro e um dos pontos é o fortalecimento do futebol feminino como prerrogativa para o abatimento das dívidas dos clubes.

Durante os Jogos do Xingu 2015 foi lançada a primeira etapa da 1ª Copa Brasil Indígena de Futebol Feminino, a qual terá fases locais e territoriais antes da nacional. No Xingu será formada uma seleção territorial, que competirá na fase nacional com outras 16 seleções territoriais do Brasil. A fase nacional será disputada em março do ano que vem, provavelmente em Porto Seguro,Bahia.

Kulasi Kuikuro, 15 anos, foi com cinco anos morar na cidade de Canarana e diferente das meninas de sua aldeia, nunca havia jogado futebol. Mas por conta dos jogos, ela foi convocada para o time feminino dos Kuikuro e teve que entrar em campo pela primeira vez agora.
Você gostou de jogar futebol Kulasi?: “Sim, gostei”. É ruim jogar no terrão e no sol quente?: “Não achei ruim, não. É cansativo, mas foi legal”. Mesmo principiante, Kulasi foi titular na lateral e a sua equipe foi a campeã dos jogos. Kulasi também se apaixonou pelo futebol e quando voltar para a cidade quer continuar jogando.

Os campeões no futebol

Os mata-mata e as finais do futebol de campo masculino e feminino foram bastante disputados. Os vitoriosos não economizavam nas comemorações. No masculino, oa grande campeã foi a aldeia Karib, em segundo a aldeia Paraíso e em terceiro a aldeia Yawalapiti. No feminino, as vencedoras foram as donas da casa, a aldeia Kuikuro, em segundo a aldeia Mehinako e em terceiro a aldeia Nahatua.

Como jornalista pela primeira vez em uma aldeia do PIX, muitas coisas são novidades. Mas nada impacta mais do que ver como os indígenas amam o futebol: jogam em pleno meio dia, no sol quente, pés descalços, no terrão. A alegria de fazer isso é muito maior do que qualquer dificuldade.

O jogo era apenas um mata-mata de quartas-de-final. O time da casa, Kuikuro, foi para os pênaltis contra os Kalapalo. O campo ficou lotado de expectadores. Bonito foi ver a festa dos Kalapalo ao se classificarem. Parece que tinham vencido uma Copa do mundo. Pulavam, dançavam, gritavam, cantavam, jogavam terra para cima. Realmente emocionante. Um espetáculo.


O futebol cresce e outros esportes definham

Enquanto a prática do futebol só cresce, várias modalidades esportivas tradicionais indígenas estão morrendo. Os indígenas estariam trocando suas modalidades tradicionais pelas modalidades ocidentais? O professor Taliko Kalapalo acredita que o crescimento do futebol não é a razão para o desaparecimento de outras modalidades. Taliko participou da uma oficina ministrada pelo especialista José Ivan, do Ministério do Esporte.Ele incentivou os professores a registrar em livros as modalidades tradicionais, com fotos, desenhos e escrita na língua deles e em português também, para mostrar como se pratica, como se produzem os materiais daquela modalidade e quais são os fundamentos. Esse material serviria não apenas para transmitir conhecimento aos próprios indígenas, como também aos professores não indígenas.


Aos 35 anos, Taliko Kalapalo nunca viu um jogo tradicional de sua etnia, que se assemelha com o futebol, tem dois times, tem goleiro e tem bola, mas é jogado com os joelhos. O professor disse que é seu pai é quem lhe conta sobre esse jogo, chamado em sua língua de Kaeuja Ikuju. “Era um jogo muito importante para meu povo, jogado todos os dias, como é o futebol hoje. Queria resgatar, aproveitar hoje quem está vivo e sabe, porque se eles morrer isso vai morrer tudo”. Bem, mas se não é o futebol, então porque essas práticas esportivas tradicionais estão desaparecendo? Para Taliko é porque não houve a preocupação de passar o conhecimento adiante, mas que se isso for feito, pode ser resgatado.

Além dessa sugestão, a oficina abordou, por exemplo, como se criam ligas de esporte indígena nas aldeias e a federação de esporte indígena do Xingu, que deverá integrar a futura confederação de esporte indígena brasileira, para incentivar, por exemplo, jogos como os do Xingu. Como desdobramento da atividade, José Ivan foi convidado a ir ao PIX novamente em setembro para a festa de 20 anos da Atix (Associação Terra Indígena Xingu). As comemorações vão reunir várias etnias, e será possível dar prosseguimento às sugestões levantadas na oficina.


As outras modalidades

Além do futebol também entraram na competição o arco e flecha e arremesso de lança, natação, cabo de força e corrida. No arco e flecha, Muata foi o campeão. Ele errou as duas primeiras chances e quebrou o arco. Estava nervoso, tremendo e tímido. Mas na terceira oportunidade acertou o olho do peixe e fez 50 pontos. A torcida comemorou, ele ergueu os braços e saiu correndo.

Ele contou que estava com vergonha na hora porque todos estavam olhando para ele. Mas agora que ganhou, está fazendo sucesso, principalmente entre as meninas de sua aldeia, anfitriã dos Jogos do Xingu 2015. Em seguida, realizou-se o arremesso de lança, onde o grande campeão foi Jair Yawalapiti.

As provas de natação masculino e feminino ocorreram em uma lagoa a 3 km da aldeia Kuikuro. E os melhores nadadores do PIX são da aldeia Karib, cujos representantes foram campeões no masculino e no feminino. Entre os homens, o segundo colocado foi o representante da aldeia Kuikuro e o terceiro da aldeia Barranco Queimado. Entre as mulheres o segundo lugar ficou com a representante da aldeia Kuikuro e o terceiro da aldeia Mehinako.

Os índios mais fortes são Yawalapiti e as índias mais fortes são Karib. As equipes foram as vencedoras do cabo de força. Foram nove equipes femininas e 14 masculinas.

Na corrida de 100 metros rasos, o vencedor masculino foi o representante da aldeia Paraíso, o vice foi da aldeia Barranco Queimado e terceiro colocado da Matipu. No feminino, a vencedora foi a representante da aldeia Kuikuro, a vice da aldeia Mehinako e a terceira colocada da aldeia Ipatse.

A realização dos Jogos do Xingu 2015 foi uma parceria dos indígenas com o Ministério do Esporte e a Prefeitura Municipal de Canarana.
Nota: O repórter Rafael Govari representou o ISA e a Assessoria dos Jogos do Xingu 2015

Rafael Govari
ISA
Edição: 
Inês Zanchetta
Imagens: 

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