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Câmara aprova acordo para uso da Base de Alcântara (MA)

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Projeto segue agora ao Senado e, se for aprovado, vai à sanção presidencial. Entenda a polêmica envolvendo as comunidades quilombolas
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O plenário da Câmara dos Deputados aprovou, na terça (22), por 329 votos a favor e 86 contra, o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 523/2019 sobre o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) para o uso comercial da base de lançamento de foguetes de Alcântara (MA). O projeto segue agora ao Senado e, se for aprovado, vai à sanção presidencial.

Nenhum dos destaques da oposição foi aprovado. As emendas pretendiam reduzir as restrições previstas no entendimento, como aquelas às negociações com outros países (que não os EUA) para uso das instalações e à aplicação dos recursos obtidos. Se o texto for alterado, precisa ser renegociado com o governo norte-americano.

O projeto é considerado prioritário pelo governo Bolsonaro e uma bandeira do novo líder do PSL na Câmara, Eduardo Bolsonaro (SP), filho do presidente cuja candidatura à embaixador do Brasil nos EUA foi suspensa em meio à crise do Planalto com o partido. Ainda na terça o deputado informou que desistiu do posto.

Um grupo de quilombolas de várias regiões do país esteve na Câmara para reivindicar que a votação fosse adiada, a discussão sobre o assunto fosse ampliada com a sociedade e, sobretudo, que as comunidades quilombolas que serão afetadas sejam consultadas. A previsão é que quase 800 famílias ou cerca de duas mil pessoas sejam despejadas. O acordo com os EUA foi fechado, em março, mas o texto não faz referência ao problema (saiba mais no quadro ao final da reportagem).

No dia 11, o jornal Folha de São Paulo mostrou que já há um plano do governo, em fase avançada de elaboração, para remover pelo menos 350 famílias. O documento vai contra declarações do ministro de Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, e peças de propaganda oficial de que não haverá impactos sobre essas populações.

“A Câmara jogou fora a oportunidade de discutir de forma franca e qualificada as questões relativas ao acordo. A pressa imposta à tramitação traduziu-se na ausência de debate sobre os direitos dos quilombolas e a soberania nacional”, alerta Danilo Serejo Lopes, advogado quilombola de Alcântara. Ele acrescenta que a aprovação do entendimento, sem que a regularização dos territórios quilombolas tenha sido concluída, trará insegurança jurídica a toda região.

Consulta aos quilombolas

No início deste mês, a deputada federal Áurea Carolina (PSOL-MG) questionou a apreciação pelo Congresso do AST sem o devido cumprimento da consulta livre, prévia e informada às comunidades quilombolas, como determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil e incorporada à legislação nacional. O Ministério Público Federal (MPF) também elaborou uma nota técnica alertando a presidência da Câmara que a convenção deve ser aplicada ao caso. A assessoria jurídica da presidência da Câmara, porém, entendeu que a consulta deverá ocorrer somente após a aprovação do PDL pelo Congresso. O parecer não explica como ficaria a situação caso os quilombolas rejeitem a proposta quando forem ouvidos(leia mais).

“A regra da Convenção é clara: a consulta se aplica a todas as medidas legislativas ou administrativas que afetem as comunidades tradicionais”, contesta Lopes. Ele avalia que a Câmara viola a Constituição ao negar a consulta e que já existem decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) confirmando essa interpretação.

O que está em jogo com a ampliação da base de Alcântara?

Qual a história, o tamanho e população dos quilombos de Alcântara?

Alcântara foi fundada em meados do século XVII e foi um importante centro agrícola e comercial, até entrar em decadência, no século XIX. A presença quilombola data de, pelo menos, dois séculos atrás. Hoje, com mais de 22 mil habitantes, o município tem a maior população quilombola do país. São mais de 200 comunidades. O Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), publicado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em 2008, prevê um território de 78 mil hectares para mais de 3,3 mil famílias.

Quando a base foi implantada e qual o seu impacto?

O Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) foi inaugurado em 1983, ainda durante a Ditadura Militar. Inicialmente, contando instalações e zona de segurança, tinha 52 mil hectares - cerca de 52 mil campos de futebol. Em 1993, o CLA foi ampliado em mais 10 mil hectares. Mais tarde, a área efetivamente usada foi reduzida. Com a construção da base, mais de 300 famílias quilombolas foram removidas e reassentadas, sem qualquer indenização. Elas ainda sofrem com restrições de acesso ao mar, manguezais, igarapés e roças, locais que dependem para sobreviver. O problema aumentou a demanda por alimentação e trabalho. Essas famílias também são proibidas de fazer reformas em moradias e outras edificações. Até hoje, não foi feito o licenciamento ambiental do CLA e, portanto, não foi possível precisar o conjunto dos impactos socioambientais.

Quais serão as consequências da aprovação do acordo para as populações quilombolas?

Hoje, o CLA tem aproximadamente 8 mil hectares - em torno de 8 mil campos de futebol - incluindo instalações e zona de segurança. A proposta é que a área de uso seja ampliada em mais 12 mil hectares, chegando a 20 mil hectares. A previsão é de que 792 famílias ou 2.121 pessoas sejam removidas de suas casas. Haverá novas restrições a áreas de pesca, cultivo ou coleta de alimentos e matérias-primas. O texto do acordo sequer menciona o problema, muito menos prevê o reassentamento da população e identifica os impactos socioambientais ou medidas compensatórias, de mitigação ou prevenção a eles.

O acordo não vai trazer desenvolvimento para a região e favorecer os quilombolas?

O governo afirma que o acordo trará investimentos, empresas, infraestrutura, renda e emprego para a região. Apesar disso, não há um estudo, oficial ou independente, atestando qual seria o impacto social, ambiental e econômico da iniciativa. Mesmo os números sobre os recursos que poderiam ser obtitdos são controversos. Segundo o Ministério da Defesa, o Brasil poderá faturar até US$ 10 bilhões (cerca de R$ 37 bilhões) por ano alugando a base.

Quais as reivindicações das comunidades quilombolas? Elas não vão contra os interesses nacionais?

Não há oposição entre uma coisa e outra. Os quilombolas reivindicam apenas que seu território seja definitivamente reconhecido. Para isso, o Incra precisa finalizar o processo de regularização fundiária. A outra demanda é que as comunidades sejam consultadas sobre os impactos econômicos e socioambientais da expansão da base militar, direito garantido pela Convenção 169 OIT, antes da aprovação do acordo pelo Congresso. O movimento quilombola também quer que a discussão sobre o acordo seja aprofundada, com ampla participação de todos os setores da sociedade interessados. Além disso, as tratativas são questionadas por supostamente ameaçar a soberania nacional, uma vez que trazem uma série de restrições: de acesso de brasileiros a algumas áreas da base; do uso dos recursos obtidos com o aluguel das instalações; de negociações do Brasil com outros nações para utilização do CLA; entre outros.

Oswaldo Braga de Souza
ISA
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