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'Estamos lutando pelo mesmo sonho: fazer florestas'

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Com a participação de jovens, quilombolas apostam no crescimento da Rede de Sementes do Vale do Ribeira (SP) para restauração da Mata Atlântica e geração de renda
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A Rede de Sementes do Vale do Ribeira e a Associação Rede de Sementes do Xingu (ARSX) uniram esforços nos dias 2 e 3 de abril, no Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (PETAR), em Iporanga (SP), para trocar experiências e botar no chão a luta que os une: fazer florestas.

Ao todo, 18 quilombolas de três comunidades do Vale do Ribeira (SP) discutiram a gestão dos pedidos de compra de sementes florestais, a precificação das sementes e outros pontos essenciais para a iniciativa, que terminou com uma atividade prática de coleta e beneficiamento. Milene Alves de Oliveira, coletora da ARSX, trouxe a experiência do Xingu para contribuir com as reflexões e decisões desta nova rede que começa a se formar.

"Nunca passou pela minha cabeça trabalhar com sementes florestais. Hoje dou grande valor para a mata. É vida, é saúde", disse João da Mota, 65, do Quilombo Nhunguara. "Tinha muita vergonha de chegar na cidade e falar que vim do sítio. Hoje a gente sente orgulho de dizer que vem do sítio, de uma comunidade quilombola. O que era vergonha virou alegria."



Em formação há dois anos, a Rede de Sementes do Vale do Ribeira está em franco crescimento. Produziu em 2018 um total de 100kg de sementes florestais para uma renda de R$ 12 mil – valor quatro vezes mais que o gerado no ano anterior. O trabalho resultou em 10 hectares de áreas restauradas nas regiões de Piracicaba (SP), São Carlos (SP) e no Vale do Paraíba (SP) com a técnica da muvuca.

"Achei interessante coletar sementes para tentar reflorestar áreas devastadas pelos fazendeiros. É pra ele ver que está acabando com as nascentes. E tem um ganho financeiro para as comunidades", afirmou Elivelton Rodrigo da Silva, 23 anos, do Quilombo Maria Rosa.

O conhecimento tradicional quilombola é a base da coleta das sementes na região. Eles reconhecem as épocas de floração e frutificação das espécies, bem como as características do terreno e as movimentações da fauna local, além de terem um sistema agrícola – o Sistema Agrícola Tradicional Quilombola – reconhecido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como patrimônio cultural e imaterial brasileiro.



A representante da Associação Rede de Sementes do Xingu, Milene Alves de Oliveira, esteve pela primeira vez no Vale do Ribeira para levar a quilombolas a experiência adquirida nos mais de 10 anos de trabalho no Xingu.

Por lá, ela conta, tudo começou com cinco coletores e hoje são mais de 600, a maioria (ou 63% do time que compõe a rede) são mulheres. Em 12 anos a ARSX já produziu mais de 221 toneladas de sementes e gerou R$ 3,4 milhões de renda para os coletores. São cerca de 6 mil hectares em processo de restauração, grande parte plantados com a técnica de semeadura direta da muvuca.

"Apesar de uma distância tão grande entre os povos do Xingu e os quilombolas do Vale do Ribeira, estamos lutando pelo mesmo sonho de formar floresta. Me dá um impulso para me dedicar, estou vendo que tem outras pessoas se inspirando na gente", disse.

Para Zélia Morato dos Santos Pupo, 45, do Quilombo André Lopes, o trabalho está apenas começando. "Eu quero trazer mais jovens, e na minha comunidade tem muitos para ajudar", disse.

O plantio em muvuca é uma alternativa mais barata para restauração florestal, que pode ser executada pelo proprietário com implementos utilizados na produção agrícola. As sementes do Vale do Ribeira, um dos maiores remanescentes de Mata Atlântica do Brasil, poderão contribuir para atender os Planos de Regularização Ambiental (PRA), para ações de conservação e revitalização de mananciais de abastecimento, entre outras ações de restauração da vegetação nativa.

Quilombolas plantam para restaurar margem do Rio Tietê, em SP

Em dezembro de 2018, um plantio reuniu sete coletores quilombolas do Vale do Ribeira, a empresa AES Tietê com apoio da Ceiba Consultoria Ambiental e a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

O objetivo: a restauração de uma Área de Proteção Permanente (APP) de 3,5 hectares às margens do Rio Tietê, na zona rural do município de Anhembi (SP), a 229 quilômetros de São Paulo.

"Muita gente que não queria catar semente hoje está catando. Está dando mais dinheiro que plantar muda", disse Ana Maria de Almeida Marinho, 61 anos, do quilombo Nhunguara. "Com mais gente, vai aumentar as espécies de sementes. Agora quero aprender a limpar as sementes, secar, armazenar."

Para Ludmila Pugliese, secretária-executiva do Pacto para Restauração da Mata Atlântica, os dias de campo, como o de Anhembi, são uma oportunidade para que proprietários e coletores de sementes conheçam os processos da semeadura direta da muvuca.

"Você encurta a cadeia [da restauração florestal], aproxima coletores e proprietários e faz um trabalho social muito importante", disse.

"É a primeira vez que estamos testando a muvuca, com semeadura direta, e estou com uma expectativa muito boa", afirmou Paulo César de Souza Filho, diretor da Ceiba Consultoria. "É muito interessante como a proposta baixa custo da restauração para ampliar escala e inclui o componente do saber tradicional."

"Tem muita gente que já está acostumado a plantar sementes. A muda envolve um custo maior, um trabalho maior, o agricultor não está muito acostumado. Aqui a gente vê que quem planta milho, feijão, cana ou soja consegue replicar essa metodologia [da muvuca]", disse.

Roberto Almeida
ISA
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