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Fumaça de incêndios impulsiona internações de indígenas, mostra estudo

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Temporada das queimadas criminosas na Amazônia coincide com aumento de 25% das internações por problemas respiratórios das populações locais; em 2020, pandemia aumenta ainda mais os riscos
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Os incêndios ilegais na Amazônia brasileira têm impacto direto na saúde dos povos indígenas da região. Um estudo inédito do Instituto Socioambiental (ISA) mostra que há um aumento médio de 25% nas internações de indígenas com mais de 50 anos por problemas respiratórios em decorrências das queimadas. É a prova de que a falta de fiscalização e o estímulo à destruição da floresta afetam diretamente a saúde da população da região e, no caso dos indígenas, de comunidades que protegem e vivem das florestas.

Com a chegada da temporada do fogo - em grande medida causado pelo desmatamento ilegal - na Amazônia em plena pandemia de Covid-19, o estudo é um alerta para o alto risco que os incêndios florestais ilegais acarretam às populações originárias. Além das comorbidades, que podem agravar o quadro da Covid-19, as internações em decorrência das queimadas podem saturar ainda mais os hospitais públicos, já sobrecarregados por pacientes infectados pelo novo coronavírus. Os povos indígenas correm risco particular, já que a taxa de mortalidade pela Covid-19 é 1,5 vezes maior à média nacional.
“A maior parte das terras desmatadas em 2020,
e 45% da floresta derrubada em 2019, não foram queimadas e servem de combustível para os incêndios deste ano”, afirma Antonio Oviedo, um dos pesquisadores do estudo e assessor do ISA. “O fogo pode agravar a atual crise da Covid-19 na Amazônia, onde as taxas de infecção ainda estão altas”, aponta.

Os pesquisadores do ISA identificaram que, entre 2010 e 2019, o pico de internações de indígenas por doenças como asma, pneumonia, influenza, bronquite aguda, bronquiolite aguda e outras infecções respiratórias agudas coincide com o período de queimadas da floresta. O motivo é a alta concentração de partículas em suspensão no ar, prejudiciais aos bronquíolos e alvéolos pulmonares, estruturas responsáveis pela respiração.



Quando a floresta queima, a fumaça carrega partículas em suspensão, a PM2.5. Em 616 municípios da Amazônia (81% dos municípios analisados), a concentração desse material estava acima dos níveis considerados seguros pela Organização Mundial da Saúde (OMS). As maiores concentrações de PM2.5 estão no estado de Rondônia, centro-norte do Mato Grosso, sudoeste do Pará, sudeste do Amazonas, região de Manaus e Roraima.

“Embora chame de partícula, ela é microscópica e tem uma capacidade de penetrar profundamente no pulmão. Isso vai causar um processo inflamatório, um efeito sistêmico, dor de cabeça, dor no corpo, todos sintomas de uma infecção respiratória”, explica Sandra Hacon, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Segundo a pesquisadora, quanto menor a partícula, pior será o efeito. Além disso, quanto maior o tempo de exposição, maior o risco à saúde.O estudo mostrou maiores taxas de internação na região conhecida como o arco do desmatamento.



Em Novo Progresso (PA), a concentração dessas partículas (570 µg/m3) chegou a 23 vezes mais do que o recomendado pela OMS. Esse nível foi identificado no dia 12/8/2019, dois dias depois do chamado “Dia do Fogo”, quando fazendeiros no entorno da BR-163 atearam fogo em apoio ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Não à toa, as internações de indígenas por problemas respiratórios ficaram acima da média em 2019. Entre indígenas acima de 49 anos, as internações foram as maiores da série histórica (desde 2010). As internações acima da média estão localizadas no oeste de Rondônia e Mato Grosso, Marcelândia/MT e Nova Xavantina/MT, São Félix do Xingu/PA, Bannach/PA, Novo Progresso/PA, Novo Repartimento/PA, Grajaú/MA, Jenipapo dos Vieiras/MA, Manaus/AM, Mucajaí/RR e Cruzeiro do Sul/AC.



Em Rondônia, a concentração de PM2.5 explicou 67,6% das internações de indígenas por problemas respiratórios nesta faixa etária. No Mato Grosso, observou-se um aumento de 33,6% nas internações de indígenas maiores de 49 anos no período das queimadas em relação aos três meses anteriores.

As queimadas também se relacionam com a alta de internações de crianças indígenas de até quatro anos, mostra o estudo. Segundo Hacon, as fumaças podem causar asma nas crianças de até cinco anos. Além disso, com a exposição repetitiva, podem gerar insuficiência pulmonar nas crianças, algo que será percebido só depois de alguns anos.



Esses incêndios estão diretamente ligados ao desmatamento ilegal. O desmatador derruba a floresta, deixa para secar após o corte e depois queima esse material para preparar o terreno para a agropecuária. Em 2020, o período de queimadas já se mostra intenso, refletindo as altas taxas de desmatamento do último ano. Na região de Novo Progresso e eixo da BR-163, epicentro do dia do fogo em 2019, já foram detectados 3.430 focos de calor em 2020, um aumento de 17% em relação ao ano passado.

"Para evitar uma combinação de fumaça e aumento da Covid-19, que poderia ser catastrófica, o Brasil deve retomar em 2020 seu protagonismo como líder internacional na redução do desmatamento e do fogo. Uma moratória sobre o desmatamento e queimadas, combinada com forte fiscalização são urgentemente necessárias para reverter a tendência de alta na destruição da Amazônia brasileira", aponta Oviedo.



A análise realizada pelo ISA é o primeiro estudo nacional a mostrar uma relação estatística direta entre a degradação ambiental e a saúde indígena, revelando uma grande sobreposição entre as internações associadas à exposição de longo prazo a partículas finas produzidas pelas queimadas. Os resultados sugerem que a exposição de longo prazo à poluição do ar aumenta a vulnerabilidade dos povos indígenas aos efeitos mais graves da Covid-19. O artigo será submetido à Revista do Sistema Único de Saúde do Brasil (RESS) - Epidemiologia e Serviços da Saúde - para revisão.



Clara Roman
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