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Política de combate à Covid-19 em Moju (PA) coloca quilombolas em risco

Estado e município disponibilizaram ônibus para transporte dos quilombolas à cidade, o que pode favorecer a contaminação; cerca de um quarto das mortes entre quilombolas no Pará aconteceu em Moju
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Estado com maior número de casos de Covid-19 entre quilombolas, o Pará realizou no último fim de semana uma ação de enfrentamento à doença que deixou lideranças comunitárias apreensivas.

A Secretaria de Saúde Pública do Pará, em parceria com o governo municipal de Moju (PA), instalou uma policlínica itinerante na sede do município, onde médicos e enfermeiros promoveram a testagem e tratamento de pessoas com sintomas.

Pará tem o maior número de mortes entre quilombolas

Até o fechamento deste texto, o Pará tinha 22 quilombolas mortos pela Covid-19 e 328 infectados, segundo dados do Observatório da Covid-19 nos Quilombos.

Acesse: quilombosemcovid19.org

É a unidade da federação em que quilombos foram mais afetados pela pandemia e quase 25% dos óbitos aconteceram só em Moju. Dos 27 quilombos do município, apenas um possui posto de saúde funcionando, a Unidade de Saúde da Família (USF) Nossa Senhora das Graças.

Os quilombolas vêm pressionando os governos municipal e estadual devido às precárias condições do atendimento à saúde no município e à falta de apoio no combate à pandemia. As comunidades quilombolas de Moju divulgaram no sábado (06/06) uma nota de repúdio contra a iniciativa. Leia na íntegra.

As comunidades localizadas na área rural de Moju, o que inclui 27 quilombos, questionaram a estratégia e a solução da prefeitura, que disponibilizou nove rotas de ônibus para o transporte de pessoas com sintomas até a sede do município. A concentração dos atendimentos na cidade obriga pessoas da área rural, entre elas os quilombolas, a se deslocarem por dezenas de quilômetros.

“Como sanitarista, me parece que tirar as pessoas sintomáticas da comunidades e misturá-las em ônibus cheios, por horas, para chegar à cidade e se misturar com outros (inclusive não quilombolas), sem distanciamento social adequado, e depois trazer de volta para as comunidades, pode colocar a todos em risco”, avaliou Hilton Silva, médico e antropólogo da Universidade Federal do Pará (UFPA).

Segundo lideranças, a estratégia pode aumentar ainda mais a contaminação no município e contribuir para a entrada do vírus nas comunidades. Raimundo Magno Cardoso Nascimento, da Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Pará (Malungu), explica que as comunidades só foram avisadas da ação na quinta-feira (04/06), a apenas um dia do início das atividades e da circulação dos ônibus.

O movimento quilombola vem pressionando as autoridades estaduais de saúde para que o tratamento seja oferecido nas comunidades. A ideia é que, se o deslocamento tiver de acontecer, ele seja rápido. Raimundo Magno diz, por exemplo, que da Comunidade Quilombola África para a sede do município, pela rota apresentada pela prefeitura, o trajeto é de 70 km.



“É preciso que o serviço de saúde pública chegue até a comunidade. É mais fácil encaminhar médicos e enfermeiros com os medicamentos e materiais necessários do que trazer a comunidade inteira para a cidade”, afirmou Magno.

Como forma de evitar os perigos decorrentes da ação do último fim de semana, algumas comunidades quilombolas do município deliberaram em conjunto e decidiram não aderir à estratégia.

“Acreditamos que a prefeitura, em nome de sua gestora, deveria primeiro ter entrado em contato com a comunidade antes de traçar uma rota. Não teve divulgação destinada ao nosso povo, não teve comunicação com os representantes”, disse Leonora Valadares, do quilombo Oxalá de Jacundaí. “Eles simplesmente impõem as condições sem pensar nas consequências”, completou.

O médico e antropólogo Hilton Silva aponta alternativas para o atendimento de populações quilombolas no Pará. Ele propôs à Secretaria de Saúde do Pará, por exemplo, a criação de um comando médico volante capaz de responder de forma ágil às necessidades das comunidades para confirmação e acompanhamento de casos.

De acordo com cálculos do pesquisador, com uma pequena fração do valor gasto com respiradores pelo governo do Pará (equipamentos que não serviam para tratamento de Covid-19), seria possível contratar três equipes de saúde volantes, alugar o transporte, pagar o combustível e os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) para elas irem até as comunidades.

Além disso, o médico chama atenção para a necessidade de reforçar a atenção básica de saúde, estruturar as poucas equipes da Estratégia de Saúde da Família quilombola que existem no estado e garantir, através dos agentes comunitários de saúde que atuam nas áreas quilombolas, os meios necessários para identificação e isolamento precoce dos casos suspeitos, além de prover os equipamentos de proteção individual para estes agentes. Também ressalta a necessidade de garantir apoio à alimentação dos quilombolas.

“Estamos abandonados pelo poder público municipal, estadual e federal, essa é a realidade das comunidades quilombolas do Brasil, mas não vamos mais aceitar calados qualquer ausência de direitos negados, vamos continuar na luta no coletivo pelo bem comum”, garantiu Andréa Cardoso e Cardoso, liderança do quilombo Moju Miri.

A reportagem entrou em contato com Secretaria de Transportes de Moju e com a Secretaria de Saúde Pública do Pará, mas não recebeu resposta até o fechamento do texto.

Victor Pires
ISA
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