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Relator rejeita anistia a multas ambientais em julgamento do Código Florestal no STF

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Ministro Luiz Fux considera inconstitucionais apenas três pontos da lei. Presidente da corte pediu vistas, suspendendo o processo
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O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux considerou inconstitucional a anistia a sanções administrativas e criminais, como multas, motivadas por desmatamentos ilegais cometidos por produtores rurais que entraram nos Programas de Regularização Ambiental (PRA). Fux também considerou que o governo pode aplicar sanções por novos crimes ambientais àqueles que tenham aderido a esses programas.

A manifestação faz parte do voto do ministro, apresentado, ontem (8/11), no julgamento das quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) contra a Lei de Proteção da Vegetação Nativa (12.651/2012), que revogou o Código Florestal de 1965. Fux é o relator da matéria.

Apesar dessa posição favorável ao meio ambiente, Fux considerou inconstitucionais apenas outros três pontos da lei de 2012 dos questionados pelas ADIs. O ministro tratou de 22 pontos. No total, as ações apontam inconstitucionalidades em 58 dispositivos da legislação. Ou seja, a maior parte da manifestação é favorável às posições dos ruralistas (veja mais abaixo).

Depois do voto, a presidente do tribunal, Cármen Lúcia, pediu vistas do processo, suspendendo-o. Não há previsão para a retomada do julgamento, iniciado em setembro. Todos os outros dez ministros ainda devem votar. Apesar de não significar uma decisão final, o voto do relator é importante porque estabelece os elementos principais que serão discutidos até o fim do caso.

“A Constituição Federal prevê expressamente que condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”, afirmou Fux. Ele acrescentou que o Congresso não poderia tornar “intercambiáveis” a reparação dos danos ambientais e o pagamento das multas daí decorrentes.

O ministro insistiu que, neste ponto, o novo Código Florestal concedeu uma anistia aos desmatadores, o que a bancada ruralista e o governo de Dilma Rousseff, responsáveis pela aprovação da lei, nunca admitiram.

Fux afirmou que a concessão do benefício pode ser apontada como uma das razões para a retomada do desmatamento na Amazônia, após 2012. “Ao perdoar infrações administrativas por crimes ambientais pretéritos, o Código Florestal sinalizou uma despreocupação do Estado para com o direito ambiental, o que consequentemente mitigou os efeitos preventivos gerais e específicos das normas de proteção do meio ambiente”, comentou. O ministro avaliou que a anistia alimenta a expectativa de novas anistias. “Incentiva-se a ideia de que se pode desmatar livremente no período presente sob a expectativa de que no futuro novos programas de regularização ambiental trarão facilidades”, completou.

Previstos pela lei de 2012, os PRAs devem ser implantados pelos Estados e concedem uma série de benefícios para os produtores rurais que aceitem reflorestar as áreas desmatadas ilegalmente antes de 22 de julho de 2008. Os produtores firmam termos de compromisso com o órgão ambiental responsável e, depois da restauração vegetal efetivada, as multas são consideradas convertidas em serviços ambientais. A informação mais recente é de que 18 Estados já tem PRAs funcionando.

Esses programas são considerados fundamentais para recuperar os 19 milhões de hectares de matas que precisariam ser reflorestadas conforme a legislação de 2012 – o cálculo é do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) e da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP). As estimativas variam, mas algumas delas indicam que o novo Código Florestal teria tornado desnecessário reflorestar em torno de 40 milhões de hectares desmatados ilegalmente.

Anteontem, um grupo de 30 artistas de renome nacional enviou uma carta ao STF pedindo que as ações contra o novo Código Florestal fossem atendidas (veja aqui).

O assessor da Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA) para Meio Ambiente, Rodrigo Justus, avaliou o voto de Fux como positivo para os produtores rurais. Ele levanta dúvidas, porém, sobre suas consequências práticas. Justus acredita que, só depois que a manifestação na íntegra for disponibilizada, poderá se ter certeza que outras determinações contidas na lei sobre os PRAs também não são afetadas pelo voto.

“O PRA está mantido em sua integralidade. O que, segundo o voto, foi considerado inconstitucional é somente a anistia a crimes e infrações administrativas que, segundo a lei, decorre da adesão a esse instrumento”, destaca o advogado do ISA Maurício Guetta.

Nascentes intermitentes e “leito regular”

A lei de 2012 determinou que nascentes e olhos d’água intermitentes não precisariam de Áreas de Preservação Permanente (APPs), a faixa de vegetação que protege corpos d’água, encostas e outras faixas de terra sensíveis. Fux considerou a norma inconstitucional nesse ponto.

Fux também avaliou que o marco de 22 de julho de 2008 para o estabelecimento de regimes diferenciados de recuperação da vegetação desmatada não tem “justificativa racional”. Na prática, se a posição do ministro prevalecer, quem desmatou irregularmente a Reserva Legal (RL) da propriedade, independente da data, terá de suspender suas atividades na área imediatamente. Quem derrubou a vegetação sem autorização, igualmente independente da data, também não poderá obter novas autorizações para desmatamento até recuperar a área desmatada.

“Apesar de reconhecer algumas inconstitucionalidades, o voto do relator deixou de corrigir boa parte dos maiores absurdos da nova lei, com gravíssimos impactos sobre o equilíbrio ambiental e, especificamente, a segurança hídrica nacional. Confiamos na sensibilidade dos demais ministros no sentido de uma decisão mais ponderada”, analisa Maurício Guetta.

Todos os dispositivos da nova lei que representaram retrocessos em relação à proteção e recuperação das RLs, por exemplo, foram considerados legais. Esse foi o caso também da medição das APPs às margens de rio pelo “leito regular” do curso de água, ou seja, pela média da variação do leito ao longo do ano. A lei anterior considerava o leito maior, definido na época de cheia. A mudança foi considerada um dos maiores retrocessos da nova legislação, com graves impactos sobre áreas com cheias sazonais, e representou a desproteção de cerca de 40 milhões de hectares de florestas, só na Amazônia, extensão equivalente ao território do Estado de São Paulo. O dispositivo ainda afeta diretamente o Pantanal.

A redução generalizada das APPs às margens de rios e nascentes para propriedades da agricultura familiar, com menos de quatro módulos fiscais, e a dispensa de sua recuperação também foram consideradas constitucionais pelo ministro - a chamada "escadinha". A medida também foi considerada uma das mais polêmicas na época da aprovação da lei, com impactos diretos sobre a escassez hídrica enfrentada atualmente no Brasil.

Neste ponto, o ministro deu uma interpretação que deixa mais claro que Terras Indígenas (TIs) e territórios de comunidades tradicionais devem ter os mesmos benefícios de propriedades e posses da agricultura familiar no que toca às regras de proteção e recuperação da vegetação nativa desmatada. Fux considerou que todas as TIs, e não apenas as “demarcadas”, e todas as áreas de comunidades tradicionais, e não apenas as “tituladas”, devem ter esse tratamento diferenciado.

Oswaldo Braga de Souza
ISA
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