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Rio Negro: maloca ‘Casa do Conhecimento’ perde sua grande dama, Dona Luzia

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Luzia Inácia, Baniwa, fez sua passagem aos 73 anos, em São Gabriel da Cachoeira (AM) e deixa um legado de valorização cultural dos povos indígenas do noroeste amazônico
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Dona Luzia, como todos a chamavam em São Gabriel da Cachoeira, falava pouco Português. Preferia se comunicar em Baniwa. E foi falando e cantando na sua língua que Luzia se comunicou com pessoas do mundo todo — indígenas e não indígenas. Sempre da forma mais amável e gentil possível, como a grande dama e figura materna da Maloca Casa do Conhecimento.

Ao lado do marido, Luiz Laureano da Silva, o mestre Luiz (Maadzero Keradaa) da Maloca de Itacoatiara Mirim, recebeu gerações de estudantes, pesquisadores, parentes e amigos na Casa do Conhecimento. Quantos encontros, reuniões e festas foram realizados com maestria por esse casal símbolo da elegância e da cordialidade dos povos indígenas do Alto Rio Negro.



Nascida em 31 de dezembro de 1947 na comunidade de Mauá Cachoeira, no Rio Içana, Terra Indígena Alto Rio Negro, Dona Luzia era de uma família conhecida por ter grandes xamãs, como seu irmão Mário, que atualmente mora em Maroa, na Venezuela. Com a chegada da missionária norte-americana Sophia Müller, nos anos 40, sua família e tantas outras de seu povo se converteram ao protestantismo.

“Vou cantar”

Luzia, contudo, sempre fluiu entre os dois mundos com a maestria que só as grandes sábias possuem. Quando ia para o culto Adventista, se despedia dizendo: “vou cantar”. A música é um aspecto central na atividade do culto, assim como nos rituais tradicionais Baniwa”, como conta o livro “Rotas de Criação e Transformação”, em artigo sobre a Maloca Casa do Conhecimento.

Do clã Walipere Dakenai, Luzia se casou com Luiz, que é do clã Hohoodene, seguindo o modelo mais tradicional de casamento Baniwa. Tradição e modernidade sempre marcaram a vida do casal, que trocou a aldeia pela cidade, mas sem nunca esquecer a cultura. A Maloca Casa do Conhecimento, erguida por mestre Luiz na periferia de São Gabriel da Cachoeira como um ponto de valorização da cultura e da música Baniwa, virou também local de encontro e resistência dos 23 povos indígenas do Rio Negro.



Partilhar o caxiri, a música e a dança na Maloca viraram um ritual tanto para indígenas, quanto não indígenas. “Com a maloca Casa do Conhecimento e a música, abrimos e reforçamos canais de comunicação e transmissão de conhecimento tanto com os ancestrais míticos quanto com o mundo dos brancos”, escreveu Moisés Luiz da Silva, filho de Luzia e Luiz, que é cineasta e comunicador, junto com os pesquisadores Adeilson Lopes da Silva (ISA) e Deise Lucy Montardo (UFAM).

Luzia vinha nos últimos anos enfrentando a Hepatite C. Com o agravamento da pandemia de Covid-19 no Amazonas, teve dificuldades para dar continuidade ao tratamento e receber assistência. Na noite de sexta-feira (4/6), uma forte crise de saúde fez com que a família a levasse ao Hospital, no Centro de São Gabriel, mas, infelizmente, Luzia não resistiu.

Os Baniwa Walipere Dakenai são os “Netos das Plêiades”, estrelas brilhantes e azuladas na constelação de Touro. Conhecidas desde os tempos mais remotos por diversos povos e culturas, as Plêiades recebem Dona Luzia agora em sua maloca ancestral, de onde brilhará e iluminará seu povo Baniwa, sua família e todos os amigos que ela construiu em sua vida na Terra.

Juliana Radler
ISA
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