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Ruralistas querem aprovar projeto que prioriza uso agropecuário da água e permite desmatamento

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Regime de urgência de proposta está na pauta de sessão do plenário da Câmara da manhã desta sexta (24). Leia nota técnica do ISA
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Reportagem e edição: Oswaldo Braga de Souza
Texto atualizado em 23/9/2021, às 17:26

Em plena crise hídrica, com apoio de ruralistas e do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pode ser votado no plenário da casa o regime de urgência de um projeto que viabiliza a construção de barragens para a irrigação e dar de beber a animais de criação, em prejuízo de outros usos da água, como o abastecimento humano e a geração hidroelétrica. A proposta permite o desmatamento da vegetação nativa à beira de cursos d ' água, fundamental para a manutenção de nossos mananciais.

O projeto altera o Código Florestal, reduzindo a proteção das chamadas Áreas de Preservação Permanente (APPs), no momento em que o país enfrenta sua maior crise de escassez de água em 90 anos, com ameaça de interrupção de abastecimento e de apagões, sem que o governo Bolsonaro tenha apresentado qualquer solução consistente para o problema.

O regime de urgência do Projeto de Lei (PL) 2.673/2021, do deputado Zé Vítor (PL-MG), pode ser votado no plenário da Câmara já a partir da sessão extraordinária marcada para esta sexta (24), às 10h da manhã. Com a urgência aprovada, o PL pode ser votado em seguida.

De acordo com a proposta, obras para irrigação e reservatórios para pecuária serão considerados de “utilidade pública” na lei, o que as colocaria no início da fila na gestão de conflitos relacionados ao uso da água. Mais de dois terços de toda a água usada no país é aplicada na irrigação e outros 11% são utilizados para dessedentação animal, conforme dados da Agência Nacional de Águas (ANA) de 2018.

“O barramento indiscriminado dos rios, desejado pela bancada que diz representar o agronegócio, seria como cortar o fornecimento de água de todas as cidades do país e desviá-lo exclusivamente para a irrigação para a produção de grãos e para suprir a demanda por água de 215 milhões de cabeças de gado”, critica Kenzo Jucá, assessor legislativo do ISA.

“É inacreditável se cogitar votar esse projeto em meio a uma das mais graves crises hídricas e de abastecimento de reservatórios da história do Brasil. O projeto conflita com os instrumentos de regulação e de planejamento estratégico dos setores elétrico e de recursos hídricos", complementa.

"Considero que, com a devida outorga de direito de uso de recursos hídricos e demais autorizações de intervenção ambiental, os impactos são mínimos. A faixa de APP, de acordo com o Código Florestal, não pode ser diminuída e deverá ser ampliada. Na maioria dos casos, há apenas cortes de árvores isoladas," defende o deputado Zé Vitor. "O Projeto de Lei proposto sugere exatamente que haja perenização de cursos d'água com a devida regularização de vazão, ou seja, permitindo a passagem de água de acordo com a vazão de referência estabelecida pelo órgão ambiental. Acredito, inclusive, que essa é uma alternativa para minimizarmos os efeitos da seca em diversos municípios", aposta.

"Sobre hidroelétricas, acredito que há pontos possíveis de avançarmos, sobretudo se houverem reservatórios menores e projetos mais eficientes. No entanto, com o advento e consolidação de outras alternativas como a fotovoltaica, nosso estímulo deve ser outro", acredita Zé Vitor.

“A crise hídrica associada às mudanças climáticas exige que essas questões sejam melhor discutidas. Não estamos falando de manejar recursos em excesso, mas sim recursos escassos. E agora os produtores rurais podem ter sozinhos o controle da vazão dos cursos de água”, contrapõe Jucá.

"A principal questão desse projeto é que é mais um ataque ao Código Florestal. Ele prioriza o abastecimento para animais e para a agricultura em prejuízo do abastecimento humano, colocando em risco o abastecimento de muitas comunidades, na medida que permite fazer pequenas represas sem avaliação da questão hídrica em cada local", alerta o deputado Nilto Tatto (PT-SP).

Guerrilha legislativa

A tentativa de aprovar o projeto faz parte de um ataque mais amplo e sistemático dos ruralistas contra o Código Florestal, nove anos após uma reforma radical promovida por eles próprios para enfraquecê-lo. Há menos de um mês, com apoio do governo Bolsonaro, a bancada aprovou no plenário da Câmara o PL 2.510/2019, que anistia os desmatamentos antigos e permite novos nas APPs urbanas, atendendo o lobby de prefeituras, grandes empresas imobiliárias e da construção civil. O projeto pode ser votado no plenário do Senado a qualquer momento.

Agora, conforme estratégia de guerrilha legislativa que tem sido usada em vários temas diferentes, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) lançou mão de um pacote de projetos com praticamente o mesmo conteúdo, em instâncias e etapas de tramitação diferentes, para tentar aprovar a mudança na lei que lhe interessa. Há pelo menos outros dois projetos de teor equivalente ao do PL 2.673, conforme nota técnica elaborada pelo ISA.

O PL 2.673/2021 aguarda a indicação de um relator na Comissão de Agricultura, mas com a aprovação do regime de urgência poderia ser votado diretamente em plenário. A ele foi apensado, ou seja, foi agregado no mesmo processo e tramita em conjunto, o PL 2.168/2021, do deputado José Mário Schreiner (DEM-GO), com teor quase igual. Outro projeto do mesmo Zé Vitor e com redação similar, de número 2.294/2019, aguarda designação de relator na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

“A flexibilização da delimitação e do regime de proteção das áreas de preservação permanente, especialmente para fins de barramento de cursos d’água, pode ocasionar novos desmatamentos, agravar as crises hídrica e energética e conflitar com os instrumentos de regulação, planejamento e gestão dos recursos hídricos brasileiros”, alerta a nota do ISA.

“Se cada proprietário rural puder arbitrar, indiscriminadamente, se suprime ou não a vegetação de suas áreas de preservação permanente e se deve ou não represar os cursos d’água de suas propriedades, conforme a demanda de suas culturas agrícolas ou alegando ‘diminuição dos conflitos pela escassez do recurso hídrico’, o que veremos, afinal, é a ampliação dos conflitos pelo uso da água, já em franca ascensão”, diz o documento.

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