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STF forma maioria contra atos de Bolsonaro que excluíram sociedade de órgãos ambientais

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Decisão é derrota importante do governo, que luta contra participação social. Caso incluído no ‘Pacote Verde’ será concluído nesta quinta, com voto do presidente do tribunal, Luiz Fux
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Reportagem e edição: Oswaldo Braga de Souza

Atualização em 28/4/2022, às 15:49. O presidente do STF, ministro Luiz Fux, acompanhou integralmente o voto da relatora da ADPF 651, Cármen Lúcia.

O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria, na tarde desta quarta (27), para derrubar os decretos do presidente Jair Bolsonaro que excluíram a sociedade civil do conselho deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), do Conselho Nacional da Amazônia e do conselho orientador do Fundo Amazônia.

A revogação das normas foi requerida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 651, ajuizada pela Rede Sustentabilidade. Inicialmente, a ação pedia a inconstitucionalidade da exclusão da participação social apenas no FNMA. Depois, por aditamento (complemento), foi solicitada a inclusão dos outros dois conselhos.

Até agora, dez ministros já votaram, restando apenas o pronunciamento do presidente da corte, Luiz Fux. O julgamento será retomado na tarde desta quinta (28).

Sobre o FNMA, o placar está em 9 a 1. A única divergência foi do ministro Nunes Marques. Quanto aos outros conselhos, outros ministros divergiram sobre a possibilidade de se analisar os casos por questões formais, o que impedediria, na visão deles, o julgamento do mérito. Com isso, o julgamento está em 8 a 2, no caso do Conselho Nacional da Amazônia, e em 6 a 4, no do Fundo Amazônia. Assim, mesmo sem o voto de Fux, há maioria para derrubar os três decretos.

Junto com outras seis ações que fazem parte do chamado "Pacote Verde", a ADPF pretende reverter parte do desmonte das políticas ambientais promovido pela gestão federal (leia mais ao final da reportagem).

“Os atos impugnados, ao eliminarem a participação da sociedade civil do conselho do FNMA, e ao implantar uma política de meio ambiente que tem resultado no aumento da degradação ambiental - esse é um fato objetivo, não é uma opinião - a administração pública está interferindo em um direito fundamental à proteção ambiental e no direito de participação da sociedade, um retrocesso”, afirmou o ministro Luís Roberto Barroso na sessão de hoje.

Derrota de Bolsonaro

A decisão é uma vitória da sociedade civil e uma derrota importante para Bolsonaro, que luta contra qualquer tipo de participação popular e controle social do Estado, especialmente em matéria socioambiental. Ele extinguiu dezenas de colegiados e instâncias participativos por meio de “revogaços”.

O julgamento da ADPF 651 foi iniciado em 6/4, com o voto da relatora Cármen Lúcia. Ela acatou todos os pedidos feitos na ação original. Os ministros Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes acompanharam a posição de Cármen na íntegra. André Mendonça seguiu a relatora apenas no pedido relativo ao FNMA e argumentou que os outros dois casos deveriam ser tratados em outras ações. Nunes Marques ficou sozinho ao defender a improcedência integral da ADPF.

Marques listou praticamente os mesmos argumentos do governo, da Advocacia-Geral da União (AGU) e do procurador-geral da República, Augusto Aras. Entre eles, o de que a edição de decretos é um instrumento exclusivo do presidente da República e, portanto, ele teria autonomia para redesenhar os conselhos dos órgãos ambientais sem respeitar qualquer parâmetro.

A análise do "Pacote Verde" começou no dia 30/3, com a leitura do voto de Cármen sobre a ADPF 760 e a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 54, das quais também é relatora. A primeira ação pede a retomada do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm) e o cumprimento das metas climáticas do Brasil. A segunda acusa de negligência a administração federal no combate à devastação da floresta.

Em seguida, o ministro André Mendonça pediu vistas do processo, suspendendo-o. Não há data para a sua retomada (saiba mais). O ISA é uma das ONGs responsáveis pela elaboração da ADPF 760.

Constituição prevê participação

Na sessão de hoje, os principais argumentos usados pelos ministros que defenderam a representação da sociedade nos órgãos ambientais foram o princípio da proibição do retrocesso em matéria ambiental e a violação dos direitos constitucionais ao meio ambiente equilibrado e à participação política.

O primeiro a falar foi o ministro Édson Fachin. Ele lembrou que a previsão de participação na tomada de decisões oficiais está prevista explicitamente na Constituição.

“O princípio democratico inequivocamente informa a Constituição e, de saída, não apenas no seu preâmbulo, mas no parágrafo único do artigo primeiro, demandando a participação direta da sociedade civil nas inúmeras questões que lhe concernem”, afirmou. E continuou: “Considerada a democracia participativa, o cidadão não é mero sinônimo de eleitor, mas de indivíduo participante e controlador da atividade estatal”.

Barroso também insistiu que o meio ambiente equilibrado é direito e dever da sociedade brasileira, o que exige a participação nas deliberações sobre o tema. “A democracia deliberativa significa que a democracia não se limita apenas ao voto, mas exige também um debate público permanente e participativo que legitima as decisões”, assinalou.

Crise ambiental

Em sua fala, o ministro chamou a atenção para a urgência da crise ambiental e climática e foi taxativo ao expor o desmantelamento dos órgãos e políticas ambientais arquitetado pela gestão Bolsonaro.

Ele lembrou que, entre 2004 e 2012, o PPCDAM foi responsável por reduzir as taxas de desmatamento em 80%, chegando a 4 mil quilômetros quadrados, enquanto elas alcançaram recordes de o triplo disso nos últimos três anos. Mencionou que as emissões globais de gases de efeito estufa caíram 7%, em 2020, enquanto subiram 9,5% no Brasil, impulsionadas pelo desmatamento. A devastação da floresta é a principal responsável por nossas emissões.

Barroso destacou ainda compromissos assumidos pelo Brasil no tratado internacional de mudanças climáticas, como reduzir pela metade as emissões de gases de efeito estufa, até 2030, e acabar com o desmatamento ilegal, até 2028.

“O Brasil tem descumprido esses compromissos. Na verdade tem andado na direção oposta. Em vez de reduzir, está aumentando suas emissões de gases de efeito estufa e o seu desmatamento”, criticou. “Portanto, se o Estado brasileiro estivesse cumprindo a legislação e suas obrigações internacionais, eu concordaria que o Judiciário e o Supremo não deveriam interferir. Mas diante do quadro de manifesto descumprimento da Constituição e dos compromissos internacionais, qual a opção que sobra?” questionou.

“As consequências de um mundo sem a Amazônia serão catastróficas para o planeta e para o Brasil. Além do incremento do aquecimento global, haverá redução drástica das chuvas, que no caso brasieiro são imprescindíveis para o agronegócio e para a geração de energia”, finalizou.

Como eram e como ficaram os conselhos

Até fevereiro de 2020, o FNMA tinha nove representantes do governo e oito da sociedade civil. No "revogaço" de normas infralegais (decretos, portarias, instruções etc, de responsabilidade do Executivo) realizado na época, a participação de fora do governo acabou e o número de integrantes foi reduzido a seis.

Já o Conselho Orientador do Fundo Amazônia, responsável por elaborar e acompanhar a aplicação das normas internas, era composto por membros da sociedade civil e governadores, além de membros do governo. No início de 2019, o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, extinguiu o colegiado sem avisar os doadores do fundo, noruegueses e alemães. O resultado foi a paralisação do mecanismo financeiro, com o congelamento de cerca de R$ 3 bilhões destinados a ações de conservação.

O Conselho Nacional da Amazônia era formado por representantes de órgãos federais e também governadores, mas essa última participação foi igualmente extinta pela atual gestão federal.

Ações do “Pacote Verde”

1. ADPF 760: pede a retomada do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia e o cumprimento de metas climáticas.

2. ADPF 735: questiona decreto presidencial que retira autonomia do Ibama na fiscalização de crimes ambientais e a transfere para as Forças Armadas pela Operação Verde Brasil.

3. ADPF 651: pede inconstitucionalidade de decreto que excluiu a sociedade civil do conselho deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente, do Conselho Nacional da Amazônia e do comitê orientador do Fundo Amazônia.

4. ADO 54: acusa o governo federal de omissão no combate ao desmatamento.

5. ADO 59: pede a reativação do Fundo Amazônia, o repasse de recursos financeiros de projetos já aprovados e a avaliação dos projetos em fase de consulta.

6. ADI 6148: questiona resolução do Conama que estabelece padrões de qualidade do ar abaixo do orientado pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

7. ADI 6808: contesta medida provisória transformada em lei que permite licença ambiental automática para empreendimentos considerados de grau de risco médio e impede que órgãos de licenciamento solicitem informações adicionais àquelas registradas na Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim).

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