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Territórios e economia da floresta: o que está nos planos dos presidenciáveis

Terceira e última reportagem do ISA sobre eleições mostra que mais da metade dos candidatos ignora territórios indígenas e tradicionais. Número de candidatos indígenas aumenta
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A leitura dos planos de governo dos candidatos à Presidência na corrida eleitoral de 2018 mostra que mais da metade deles parece ignorar completamente a existência dos territórios dos povos indígenas, quilombolas, extrativistas e outras comunidades tradicionais. Dos 13 candidatos, apenas seis tratam dos territórios de indígenas e comunidades tradicionais em seus planos de governo, com diferentes graus de detalhamento. Ou seja, para outros sete Terras Indígenas (TIs), quilombos, reservas e parques (Unidades de Conservação - UCs) não são uma pauta relevante, mesmo que essas áreas protegidas correspondam a mais de 32% do território nacional, ou 2,7 milhões de km².

De forma mais sintomática, os programas não se debruçam sobre a economia da floresta e as alternativas para a sustentabilidade dessas populações e de seus territórios - só quatro candidatos trazem propostas para esses assuntos.

Para tentar incluir esses temas no debate eleitoral e nas pautas dos candidatos à Presidência da República, o ISA produziu o dossiê Eleições 2018: direitos territoriais e economia dos povos da floresta no próximo mandato presidencial. O material foi enviado às coordenações das principais campanhas, além de parlamentares, organizações não governamentais, Ministério Público e órgãos de governo.

O ISA publica, hoje, a terceira e última reportagem sobre esses assuntos com base no documento, com foco nos planos dos candidatos. As duas primeiras trataram dos territórios de comunidades indígenas e tradicionais e da economia da floresta.

Apesar do silêncio, situação já foi pior

O sócio fundador do ISA Márcio Santilli alerta para os prazos e metas assumidos pelo Brasil em compromissos internacionais, como o Acordo do Clima, cujas metas nacionais incluem a recuperação de 12 milhões de hectares de vegetação nativa até 2030. “É importante a gente ter consciência de que, assumindo ou não posições definidas em relação a essa agenda, qualquer candidato que venha a ser eleito vai ter que se defrontar com ela no decorrer do seu governo. Diria até que já no início do seu governo”, afirma.

De todos os candidatos, cinco não citam nenhuma vez as populações indígenas e tradicionais em seus planos, deixando de fora de seu planejamento uma parcela relevante da sociedade brasileira. Como ressalta o dossiê, existem hoje pelo menos 260 mil ribeirinhos e extrativistas (apenas em UCs federais), quase 1 milhão de indígenas, de acordo com o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e 16 milhões de quilombolas, segundo estimativa da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).

“A nossa pauta, 30 anos depois de ser inserida na Constituição, segue periférica. A participação dos quilombolas do Brasil inteiro no processo eleitoral tem a ver com a inserção dessa pauta com mais força na agenda política, mas ela continua periférica”, avalia Ronaldo dos Santos, liderança do Quilombo do Campinho, em Paraty (RJ). Ele é candidato a deputado estadual pelo PT e avalia que o avanço das pautas de comunidades indígenas e tradicionais no futuro governo vai depender de mobilização social.

Apesar de tudo, lideranças e especialistas ouvidos pela reportagem avaliam que a presença do tema ainda é maior em 2018 do que em eleições passadas.

“Em comparação com outros momentos, é até surpreendente que o tema apareça mais concretamente nos programas de governo esse ano. O que não significa que as condições políticas do processo de transição vão dar garantias para isso ser efetivado”, lembra Adriana Ramos, coordenadora do Programa de Política e Direito Socioambiental do ISA. Ela avalia que a presença da candidatura de uma indígena - Sônia Guajajara, vice de Guilherme Boulos (PSOL) - no pleito presidencial ajuda a estimular o debate.

Candidaturas indígenas e de comunidades tradicionais

Nunca houve tantos candidatos indígenas: 131, crescimento de quase 60% em relação às últimas eleições, quando 81 candidatos se autoidentificaram assim. Dos 131 candidatos deste ano, 77 são a deputado estadual, 39 a deputado federal, um a deputado distrital, dois a senador, dois a governador, um a vice-governador e dois a vice-presidente - o candidato a vice de Jair Bolsonaro (PSL), general Hamilton Mourão, identificou-se como índio, apesar de falas racistas e da posição da chapa contra a demarcação de territórios. Os sete candidatos restantes são suplentes.

“O lançamento dos candidatos indígenas é um ponto positivo. Acho que essa é uma reação que estamos tendo por conta de toda a situação que enfrentamos na conjuntura”, considera Marciano Rodrigues Guarani, liderança da TI Iwy Porã, localizada na cidade de São Paulo. Outras lideranças concordam que o crescimento dos candidatos das comunidades tradicionais ajuda a aumentar a importância do tema no debate eleitoral.

É mais difícil contabilizar os candidatos quilombolas, extrativistas e de outras comunidades tradicionais porque, na inscrição de candidaturas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), não há a opção de registrar essas categorias. Levantamento da Conaq revela seis candidatos ligados diretamente ao movimento. O perfil no Facebook “Árvore, ser tecnológico” contabilizou 13 candidatos quilombolas neste ano (veja aqui).

Todas as lideranças ouvidas pela reportagem alertaram que o candidato mais bem avaliado nas pesquisas, Jair Bolsonaro, é abertamente contrário aos direitos de indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais, além de também já ter feito falas racistas contra essas populações. O candidato não fez nenhuma referência a essas populações em seu plano de governo. Recentemente, foi absolvido no STF de uma acusação de racismo contra quilombolas.

O que dizem os candidatos?

As candidaturas que trazem em seus planos de governo propostas para os povos e territórios indígenas e tradicionais ou para os arranjos econômicos a eles adequados são as de Guilherme Boulos (PSOL), Marina Silva (Rede), Fernando Haddad (PT), Ciro Gomes (PDT), João Goulart Filho (PPL) e Vera Lúcia (PSTU).

Guilherme Boulos (PSOL)

A candidatura de Boulos é a que dá maior espaço ao assunto - ao mesmo tempo, é o plano de governo mais extenso destas eleições, com 228 páginas. A chapa propõe a conclusão imediata da regularização fundiária de TIs e quilombos, além da desintrusão e proteção das primeiras e o pagamento de indenizações, quando forem cabíveis, tanto para benfeitorias realizadas por proprietários de boa fé nesses territórios quanto aos indígenas pela demora na demarcação.

Também defende o fortalecimento da Fundação Nacional do Índio (Funai) e o fim da influência ruralista no órgão. Há ainda propostas para educação, saúde, cultura e segurança de comunidades indígenas e tradicionais (leia o plano de governo do PSOL e ouça abaixo a entrevista da candidata à Vice-presidência pelo partido Sônia Guajajara ao boletim do ISA Copiô, Parente?)

Marina Silva (Rede)

A chapa de Marina Silva também também defende criação de UCs, a conclusão da regularização fundiária TIs e quilombos. Propõe a instituição de um Fundo de Regularização Fundiária para readquirir, a preço de mercado, as terras de populações indígenas sem terra. Prevê ainda o incentivo às atividades econômicas próprias dos povos da floresta, a retomada e ampliação do Plano Nacional de Promoção dos Produtos da Sociobiodiversidade.

Outras propostas de Marina são a implantação de um sistema de compensação financeira para as comunidades tradicionais que promoverem a conservação e o incentivo ao turismo de base comunitária (leia o plano de governo da Rede e ouça abaixo a entrevista da candidata ao Copiô, parente?).

Fernando Haddad (PT)

O plano de governo de Fernando Haddad traz, entre as propostas, a titulação dos quilombola e a demarcação das TIs, além da garantia dos direitos dos ribeirinhos, extrativistas e outros povos da floresta, o combate à violência perpetrada contra eles e a promoção de políticas de igualdade racial para corrigir desigualdades históricas.

Prevê também a promoção da agricultura familiar de base agroecológica e da economia da floresta, “com políticas de valorização dos produtos da sociobiodiversidade, assim como de mecanismos de garantia de preço e valorização da conservação dos biomas”. Também apresenta propostas para essas populações no que diz respeito à educação, saúde, infraestrutura, reforma política e cultura, entre outras (leia o plano de governo do PT).

Ciro Gomes (PDT)

A candidatura de Ciro Gomes defende a ampliação da assistência técnica e extensão rural especializada para sistemas agrícolas tradicionais, o apoio à gestão das associações produtivas das comunidades da floresta e a implantação da infraestrutura a elas necessária. Assim como os outros candidatos, diz que também pretende fazer a regularização fundiária dos territórios indígenas e tradicionais. Propõe aumentar a celeridade da regularização dos quilombos e o incentivo à criação de corredores culturais e de intercâmbio entre eles, mas não entra em detalhes quanto a este ponto (leia o plano de governo).

Geraldo Alckmin (PSDB)

A reportagem enviou perguntas sobre os direitos territoriais e economia da floresta para as assessorias das principais candidaturas - com exceção das chapas de Boulos e Marina Silva, pois já haviam respondido às questões no Copiô, parente? - mas apenas a equipe de Geraldo Alckmin (PSDB) enviou respostas até o fechamento desta reportagem.

O plano de Alckmin não explicita os temas de territórios ou economia da floresta, mas nas respostas enviadas comprometeu-se a dar prosseguimento à homologação das TIs, “respeitando o Artigo 231 [da Constituição], que estabelece que compete à União demarcar e proteger terras tradicionalmente ocupadas por índios”. A candidatura não assumiu compromisso semelhante em relação aos quilombos e UCs, mas afirma pretender “avançar na proteção à identidade e cultura de comunidades tradicionais, inclusive comunidades ribeirinhas, quilombolas e povos indígenas, bem como apoiar seu desenvolvimento socioeconômico, principalmente quanto à produção e escoamento de seus produtos no mercado”.

João Goulart Filho (PPL)

A chapa de João Goulart Filho traz apenas uma menção aos direitos dos povos da floresta, quando fala em garantir o direito à posse e uso dos territórios tradicionais, sem entrar em detalhes (veja o plano de governo).

Vera Lúcia (PSTU)

A chapa de Vera Lúcia também só fez uma menção, defendendo a necessidade de regularização dos territórios para combater a violência contra essas comunidades (leia o plano de governo).

Victor Pires, especial para o ISA
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