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Dossiê Belo Monte: remoção das famílias provoca perda do modo de vida ribeirinho

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Documento lançado pelo ISA mostra irregularidades na remoção e reassentamento de moradores afetados pela usina que está sendo construída no Pará (o dossiê está disponível para download aqui). Leia a seguir algumas das principais conclusões do documento sobre o assunto
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Lançado nesta segunda (30/6) pelo ISA, o “Dossiê Belo Monte – Não há condições para a Licença de Operação” traz como um de seus principais alertas os problemas que envolvem a remoção dos moradores das ilhas e margens do Rio Xingu que serão alagadas permanentemente com a formação do reservatório da hidrelétrica de Belo Monte, em construção em Altamira (PA).

Em junho, o Ministério Público Federal (MPF) inspecionou a remoção e verificou dezenas de irregularidades. Após receber denúncia do MPF, a Secretaria Geral da Presidência pediu a paralisação imediata da “balsa da demolição”, que há meses percorre o Xingu retirando ribeirinhos e pescadores que estão nas áreas a serem alagadas, até que a Norte Energia, empresa responsável pela obra, assegure às populações removidas condições de manter seu modo de vida, que depende de moradia próxima ao rio (confira abaixo o vídeo da inspeção).

Reassentamento urbano: da promessa à realidade

O reassentamento da população das áreas rural e urbana da região, obrigada a sair rápida e compulsoriamente de suas casas – seja em razão do início da construção das estruturas da usina, seja devido ao futuro enchimento do reservatório – tem sido um processo traumático e desordenado para as mais de oito mil famílias consideradas afetadas pelo empreendimento, segundo o dossiê.

O programa de relocação urbana tem sido desorganizado, inadequado e pouco transparente, analisa o documento. Há mais de um ano, praticamente três mil famílias já residem nos novos loteamentos – os Reassentamentos Urbanos Coletivos (RUCs) – sem serviços públicos adequados, incluindo transporte, saúde e educação. Outras tantas famílias, por sua vez, esperam a relocação, em um processo aparentemente subdimensionado pelo empreendedor, que inicialmente cadastrou 5.141 ocupações consideradas atingidas, mas contratou a construção de apenas 4.100 casas. Note-se, ainda, que há famílias que denunciam sequer terem sido cadastradas.

As famílias atingidas que aceitaram indenizações monetárias – em boa medida, por indução e falta de esclarecimento acerca das opções a que teriam direito durante as negociações – receberam valores insuficientes para a aquisição de outros imóveis urbanos, dada a vertiginosa especulação imobiliária provocada pela usina.

Somam-se a isso as negociações desiguais entre atingidos e empresa, que aconteceram sem a mínima assistência jurídica de instituições públicas. Inexplicavelmente, a Defensoria Pública Estadual fechou suas portas em Altamira no segundo semestre de 2014, no pico da obra. Na esteira de uma audiência pública sobre reassentamento urbano convocada pelo MPF, realizada em novembro de 2014, a Defensoria Pública da União (DPU) mobilizou um grupo itinerante de defensores para atuar na cidade, buscando reparar, ao menos em parte, as injustiças e violações cometidas ao longo do processo. Na área rural, não foi respeitado o direito de agricultores e ribeirinhos diretamente afetados a serem reassentados em condições similares àquelas em que antes moravam.

Os reassentamentos rurais coletivos, apesar de previstos e formalmente apresentados como uma opção para as famílias que tinham que escolher uma forma de compensação, não foram implantados. Esse processo – que ocorreu três anos atrás com os antigos habitantes das áreas de instalação das estruturas da usina – vem se repetindo, de maneira tão ou mais grave, com os ribeirinhos e moradores de ilhas do Xingu, populações tradicionais que vivem majoritariamente da pesca. Os dados demonstram que a conversão de populações ribeirinhas em populações exclusivamente urbanas ou agricultoras vem se consolidando, devido à ausência de opções que assegurem sua manutenção na beira do rio.

Segundo dados de janeiro de 2015, das 1.798 famílias que já optaram por uma das propostas de compensação, somente 28 (1,5%) escolheram a suposta alternativa de reassentamento rural coletivo. Outras 1.358 famílias (75%) optaram por indenizações em dinheiro, que não permitem a compra dos caros terrenos às margens do rio. A opção de carta de crédito, ou realocação assistida, contemplou 379 famílias (21%) – ela implica a busca de um terreno ou lote pelo próprio atingido, para posterior compra da área pela Norte Energia, o que é impraticável para populações majoritariamente analfabetas, em um contexto de pouco acesso à informação e caos fundiário. Outras 33 famílias (1,8%) optaram por reassentamento individual, em áreas também sem acesso ao rio.

A pressão de grupos de atingidos levou a Norte Energia a aceitar a construção de ao menos um bairro urbano na beira do rio. O Reassentamento Pedral, como é conhecido, pretende atender as populações indígenas que vivem na cidade de Altamira e parte dos pescadores, que se negaram a ser realocados nos bairros periféricos de Altamira.

Ainda que as obras do reassentamento coletivo do Pedral não tenham se iniciado, e que ele não contemple todas as populações ribeirinhas e extrativistas, deve-se reconhecer que se trata de uma conquista da luta dos atingidos pela adequação das medidas de compensação a suas realidades socioeconômicas e culturais.

Vozes do Xingu – Uma coletânea de artigos para o “Dossiê Belo Monte”

O ISA convidou pesquisadores, agentes públicos e representantes de movimentos sociais que atuam na região para escrever seus testemunhos pessoais e técnicos sobre as consequências da ausência ou da ineficácia das ações de mitigação socioambiental executadas pela empresa e pelo poder público, e sobre a real dimensão dos impactos sofridos pelas populações das cidades, do campo e dos rios que vivem nas áreas afetadas pela obra.

As informações trazidas no Dossiê Belo Monte e sua coletânea de artigos demonstram que pouco mudou, ao longo das últimas décadas, no processo de remoção das populações afetadas por grandes obras de infraestrutura na Amazônia. Resta ao governo, especialmente no nível federal, tomar as rédeas do processo, de modo que a Licença de Operação simplesmente não seja concedida enquanto as famílias que ainda residem à beira do Xingu, nas ilhas e nos igarapés, seja dignamente executado. Além disso, precisam ser corrigidas as injustiças cometidas com as famílias obrigadas a sair, em condições precárias e injustas, de suas casas e áreas produtivas, sob pena de se extinguir o modo de vida ribeirinho de toda a área afetada pelo reservatório de Belo Monte.

Os artigos trazem relatos como o do defensor público federal Francisco Nóbrega, que desembarcou na cidade de Altamira com o desafio de representar a única opção gratuita de defesa dos direitos dos atingidos por Belo Monte. Mesmo trabalhando em condições precárias, em um prédio emprestado e sem acesso à internet, a equipe de que ele faz parte, composta por seis defensores, atendeu mais de 400 famílias, somente nas duas primeiras semanas de trabalho. No texto, Nóbrega descreve com propriedade a sequência de erros e condutas perversas do empreendedor em face das populações que foram retiradas dos seus lares para dar lugar à UHE.

A coletânea reúne 24 artigos, sete deles abordam o tema Remoção Forçada (leia aqui a coletânea de artigos "Vozes do Xingu", no final do arquivo).

Letícia Leite
ISA
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