Na Terra Indígena Piripkura, o boletim Sirad-I identificou o equivalente a 12 mil árvores derrubadas em uma área em recuperação após desmate
Em 2024, apesar da queda no desmatamento de 18,2% em relação a 2023, Terras Indígenas (TIs) com povos isolados seguiram sendo alvos de atividades ilegais como a mineração e a exploração madeireira. No total, foram mais de 2 mil hectares de desmatamento em TIs com presença de isolados, o equivalente à derrubada de mais de 1,2 milhão de árvores. É o que constata o relatório anual Sirad-I: Sistema de Alerta de Desmatamento em Terras Indígenas com Registros de Povos Isolados de 2024.
Lançado hoje (28/07), pelo Instituto Socioambiental (ISA) e pelo Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi), a publicação traz análises periódicas sobre desmatamento em áreas com presença de povos isolados, detectados a partir de imagens ópticas de alta resolução e radar.
O documento traz um retrato do desmatamento em 33 áreas com registros de povos indígenas isolados, totalizando 224 milhões de hectares monitorados. A partir do último ano, foram incluídas no monitoramento sete áreas localizadas na Bacia do Rio Xingu, graças à incorporação de informações do Sirad-X, da Rede Xingu+, da qual o ISA faz parte.
Segundo o Boletim, as áreas que apresentaram as maiores perdas da vegetação nativa foram as TIs Kayapó e Mundurucu e o Território Indígena do Xingu. Juntas, elas somam cerca de 60% do total desmatado no período.
“Há um aumento generalizado da exploração ilegal de madeira em toda Bacia do rio Xingu, isso tem afetado também o Parque Indígena do Xingu. O roubo de madeira vem sendo denunciado desde 2019, mas houve uma disparada nos últimos dois anos, inclusive com o aumento da abertura de ramais dentro do território", explicou Tiago Moreira, antropólogo e pesquisador responsável pelo monitoramento, citando o relatório Desafios de Proteção na Bacia do Xingu – panorama 2025" que traz um retrato detalhado do que está acontecendo na Bacia do Xingu.

O ano de 2024 foi marcado pela alta incidência de queimadas no Brasil, uma combinação entre fatores climáticos e avanço da devastação no entorno dos territórios. A TI Kayapó respondeu por 40% de todos os focos de queimadas registrados nas áreas monitoradas no período, além de ter apresentado um aumento de mais de 2.000% na incidência de incêndios florestais em relação a 2023. A nota técnica Queimadas em Terras Indígenas, publicada no final de 2024 registra algumas das transformações nos padrões de clima e temperatura que estão aumentando os riscos de queimadas e intensificando os incêndios na floresta amazônica como um todo.
Ao longo de 2024 houve a renovação de cinco portarias para atuação da Força Nacional de Segurança Pública em apoio ao trabalho de fiscalização das Bases de Proteção Etnoambiental nas TIs: Pirititi, Ituna/Itatá, Uru-Eu-Wau-Wau, Alto Rio Guamá e Alto Turiaçu.
Além disso, em cumprimento a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 991, foi publicada a portaria de restrição de uso para a proteção de povos isolados no sul do Amazonas na área chamada Mamoriá Grande.
As TIs Jacareúba/Katawixi e Vale do Javari, por sua vez, apesar de baixos níveis de desmatamento, tiveram uma variação maior que 500% em comparação com 2023. Enquanto no Vale do Javari, o mapeamento identificou o uso tradicional do território, no caso da TI Jacareúba/Katawixi, o Sirad-I identificou o desmatamento como resultado da ação de invasores na área.
Confira abaixo os destaques do Sirad-I: Sistema de Alerta de Desmatamento em Terras Indígenas com Registros de Povos Isolados de 2024:
Terra Indígena Zoró
Já nos primeiros meses de 2024, o garimpo ilegal causou a a derrubada de mais de 5 mil árvores na Terra Indígena Zoró, o equivalente a cerca de 10 hectares. Ao fim de 2024, o desmatamento totalizou 92,2 hectares, ou 130 campos de futebol, o que representou um aumento de 103% em relação a 2023, com as áreas de garimpo sendo responsáveis por 21,5% deste valor. Além disso, também foi identificada a expansão de uma área de pastagem próxima ao limite com a TI Sete de Setembro. “Uma das possibilidades é a de que, com a repreensão dos garimpos existentes em outras TIs, como Yanomami, Mundurucu e Kayapó, estas atividades se intensifiquem em outras áreas, como no caso da Zoró e Sete de Setembro”, afirma o boletim.
Terra Indígena Mundurucu
Na TI Mundurucu, foram registrados mais de 159 hectares de desmatamento em consequência da mineração ilegal, o equivalente a quase 244 campos de futebol. A devastação identificada representa um aumento de 40% em relação a 2023. No período monitorado, setembro foi o mês com o maior pico de desmatamento, com quase 40% do total no período. Segundo Moreira, cerca de 74% desse desmatamento foi relacionado à abertura de novas áreas de exploração. “A área sofre esse tipo de ameaça há décadas. Para combater e proteger a área e os povos que ali habitam, o governo federal iniciou no começo de novembro uma operação para desintrusão da TI, localizada entre os municípios de Jacareacanga e Itaituba (PA). Os resultados dessa ação só poderão ser conferidos no futuro.”
Terra Indígena Piripkura
A Terra Indígena Piripkura apresentou uma queda de 89,39% na taxa de desmatamento em relação a 2023. O registro acontece após o segundo ano da renovação da Portaria de Restrição de Uso, assinada em fevereiro de 2023, depois de ficar desprotegida durante o Governo Bolsonaro.
Apesar da redução, em 2024, foram 23 hectares desmatados na TI, com mais de 12 mil árvores derrubadas, o que indica a expansão de áreas de floresta primária devastadas. Além disso, em julho de 2024, uma área anteriormente desflorestada e em recuperação também foi desmatada, o que reforça a urgência de medidas para proteção do território.
“Há 17 anos atrás foi identificado um desmatamento na área. Com o tempo, essa vegetação se regenerou, havia uma capoeira, tinha nascido a floresta de novo nessa área de desmatamento, mas em julho do ano passado, voltaram a desmatar essa região, comprometendo a recuperação ambiental deste território”, explicou o pesquisador responsável pelo monitoramento. Além da vegetação secundária, também houve a derrubada de mais de 6,8 mil árvores no entorno da área desmatada pela segunda vez.
Terra Indígena Jacareúba-Katawixi
Assim como a TI Piripkura, a TI Jacareúba-Katawixi também teve sua Portaria de Restrição de Uso renovada com a mudança de governo, o que, a princípio, impactou positivamente na proteção do território. No entanto, o boletim aponta que o desmatamento voltou a crescer em 2024, marcando quase 30 hectares no período, ou 42 campos de futebol.
Segundo o Sirad-I, a TI sofre com a pressão imposta por empreendimentos próximos ao seu entorno e também pela proximidade com a BR-319 e do complexo hidrelétrico do Rio Madeira. O desmatamento registrado no período foi registrado justamente na porção leste da TI, que se encontra mais próxima aos empreendimentos.