Encontro fortaleceu a escuta, troca de experiências e estratégias coletivas em defesa dos territórios
A segunda oficina do Ciclo de Estudos Interculturais sobre Políticas Climáticas reuniu cerca de 40 lideranças das regiões de abrangência da governança territorial da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), entre os dias 15 e 18 de julho, em São Gabriel da Cachoeira (AM). O encontro foi marcado pela escuta, troca de experiências e fortalecimento das estratégias coletivas em defesa dos territórios, com foco nas conexões entre mercado de carbono, governança e justiça climática.

A programação de quatro dias trouxe temas estratégicos, como projetos de carbono florestal, REDD+ jurisdicional, Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), mitigação e adaptação às mudanças climáticas, e também perspectivas de participação dos povos do Rio Negro na COP 30, marcada para novembro deste ano, em Belém (PA).
Na primeira parte da oficina, a realidade das comunidades quilombolas do Vale do Ribeira (SP) foi apresentada como ponto de partida para compreender como as mudanças no clima impactam diretamente seus modos de vida, as práticas agrícolas e a juventude nas comunidades, proporcionando uma importante troca de experiências e conexão entre os territórios indígenas e quilombolas, seus desafios e potências.
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“A gente trouxe um pouco das questões do que é o quilombo no Vale do Ribeira, sobre as roças, sobre a legislação, sobre a educação e como trazer o jovem para dentro dessa discussão, que é muito pertinente hoje em dia. Falamos também da importância da preservação do território, de buscar e trazer esse conhecimento para os nossos, preservar nossos anciãos e essa cultura que não pode se perder”, detalhou Nicéia da Prata Santos, liderança quilombola da comunidade Maria Rosa, em Iporanga (SP), e integrante da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ).
Lucia Munari, pesquisadora no Programa Vale do Ribeira, do Instituto Socioambiental (ISA), apresentou a metodologia aplicada em comunidades da região, em pesquisa que visa identificar como os quilombolas percebem as mudanças climáticas nos territórios, por meio da aplicabilidade de protocolo internacional com indicadores locais e ampla participação das comunidades na coleta de dados.

O conhecedor indígena Arlindo Maia Tukano, ao final, reforçou a importância do encontro, destacando a presença dos convidados e a oportunidade de conhecer a perspectiva quilombola, seus territórios e os pontos de convergência com a cosmologia indígena. “Gostei muito de saber mais sobre os nossos amigos quilombolas. Eu não sabia como era, e aqui, através das falas da nossa amiga Nicéia, percebi que eles são nossos irmãos de luta. Nossa luta é a mesma”, afirmou.
Os debates sobre políticas climáticas se aprofundaram com a apresentação de estudos e experiências práticas, como o caso do Projeto de Carbono Paiter Suruí, em Rondônia, o primeiro projeto indígena brasileiro no mercado voluntário de carbono, apresentado por Karoline Brasil, engenheira florestal do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam).
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Karoline também apresentou a primeira plataforma online de monitoramento de projetos de carbono florestal no Brasil, desenvolvida pelo Idesam, com o objetivo de disponibilizar informações sobre os projetos, como metodologia, volume de créditos estimados, localização geográfica e categoria fundiária.

As atividades abordaram conceitos técnicos fundamentais, como linha de base, adicionalidade, estoque de carbono e as etapas para implementação de projetos florestais em territórios indígenas, com ênfase em uma abordagem que considera saberes tradicionais, a biodiversidade e os impactos reais das mudanças climáticas nas comunidades.
Os grupos trabalharam, de forma prática, na elaboração de trilhas para projetos próprios e refletiram sobre os desafios e oportunidades da participação em programas como o REDD+ Jurisdicional.
Juliana Radler, analista de políticas socioambientais do Programa Rio Negro do ISA, no Amazonas, que organiza o ciclo em parceria com Foirn e com apoio do Banco Mundial, destacou a importância do encontro num momento em que a pauta climática ganha ainda mais centralidade com a realização da COP30 na Amazônia.



“Os cientistas têm alertado para o ponto de não retorno da Amazônia. Os povos indígenas também nos mostram, através de sua ciência e cosmovisão, que a natureza está em desarmonia e não apresenta mais os padrões que costumavam orientar a vida na floresta. As secas estão extremas e as inundações também. Os rios estão secando, os peixes diminuindo. Já vivemos os impactos das mudanças do clima na Amazônia e a efetivação de medidas de adaptação e mitigação são urgentes. Um financiamento climático que leve em consideração a justiça ambiental precisa avançar em Belém”, afirmou.
O encerramento da oficina reforçou a construção coletiva de estratégias para atuação indígena na COP 30 e a importância de levar à conferência uma voz que reflita a diversidade e a complexidade dos territórios amazônicos e tradicionais do Brasil.

Ficha técnica do Ciclo de Estudos Interculturais em Políticas Climáticas do Rio Negro | II Oficina de 15 a 18 de julho:
Organização: Juliana Radler
Produção: Antônio Gabriel Silva, Michelle Machado Tukano, Juliana Radler, Wizer Oliveira Baré e Sidnei dos Santos
Conselho Intercultural e articulação com rede de Aimas: Arlindo Maia Tukano, Aloisio Cabalzar e Danilo Bruxellas Parra
Palestrantes convidadas: Ana Karoline Brasil (IDESAM), Lúcia Munari (Programa Vale do Ribeira/ISA) e Nicéia da Prata Santos (CONAQ)
Mediação: Michelle Machado Tukano e Juliana Radler
Logística: Antônio Gabriel Silva, Sidnei dos Santos e Wizer Almeida Baré
Alimentação: Rosemira Lizardo, Marlene Albino e Valéria Guerra
Apoio na articulação com comunidades: Adelina Sampaio Desana
Elaboração de conteúdos para a II oficina (slides, apostila e materiais de apoio): Ana Karoline Brasil (IDESAM), Lúcia Munari (Programa Vale do Ribeira/ISA), Nicéia da Prata Santos (CONAQ) , Juliana Radler (ISA) e Renata Alves (ISA)
Relatoria do evento e gravação em áudio dos conteúdos: Inês Mexia
Participantes:
Diretoria da Foirn: Dario Casimiro Baniwa (presidente), Hélio Gessém Monteiro Lopes Tukano, Carlos Neri Piratapuia e Edison Cordeiro Gomes Baré.
Lideranças das Coordenadorias: Coordenadoria das Associações Indígenas do Baixo e Médio Rio Negro (Caimbrn): Adilson da Silva Joanico e Pedro Vaz Pena; Coordenadoria das Associações Indígenas do Balaio, Xié e Alto Rio Negro (Caibarnx): Adelina de Assis Sampaio Veloso, José Baltazar, Edmundo Gomes Alemão e Lucilene Veloso; Coordenadoria das Associações Indígenas do Distrito de Iauaretê (Coidi): Gustavo Cordeiro Trindade, Miriam Sirlene Marques Dias e Fátima Alves Nogueira Coordenadoria Diawii (rios Uaupés e Tiquié): Alexandre Sarmento Rezende, Francicleno dos Santos Brandão, Anunciata Rezende Marques, Geraldino Pena Tenório e Nildo Fontes; Coordenadoria Nadzoeri (rios Içana e Ayari): Ronaldo Apolinário, Francinaldo Farias, Joaquim da Silva Lima e Tiago Pacheco;Rede de Agentes Indígenas de Manejo Ambiental (AIMAs) - Ezequias da Costa Pereira, Oscarina Caldas Azevedo, Rafael Antonio Azevedo, Roberval Pedrosa e Rogelino da Cruz Alves Azevedo;Comunicadores da Rede Wayuri - Alderney Trindade da Silva, Claudia Ferraz Wanano, José Paulo Sampaio Castro, Aldison Lobo, Josivan Aguiar, Nayra Sthefany Cardoso, Richarlison Lana Meireles
Departamento de Adolescentes e Jovens do Rio Negro (Dajirn): Jucimery Garcia Tariano, Mariete Pompilho Videira
Conhecedores indígenas: Arlindo Maia Tukano e Januário Bastos Alves Tuyuka
Equipe do Programa Rio Negro: Ana Letícia Pastore, Danilo Bruxellas Parra, Dulce Morais, Jéssica Martins, Vanessa Fernandes, Juliana Radler e Renata Alves
Convidada da Academia: Juliana Lins Góes de Carvalho, doutoranda da Universidade Radboud, Holanda
Instituições convidadas: ICMBIO (São Gabriel da Cachoeira): Airton Norberto da Silva Almeida, Anair Fontes Azevedo, Edivaldo Luiz Lopes e Maria Janete Pena Ramos
Universitários de Gestão Ambiental da UFAM em São Gabriel da Cachoeira: Denise Nogueira, Humberto Rogério Freitas e Jociele Marinho Ferraz