Primeira oficina do Ciclo de Estudos Interculturais conecta políticas climáticas globais e nacionais às realidades indígenas, com foco em carbono, governança e justiça climática na Amazônia
Em ano de Conferência do Clima na Amazônia (COP 30), os povos indígenas fortalecem o diálogo intercultural sobre aspectos da governança climática global, geopolítica, economia e política de modo que temas como regulamentação do mercado de carbono e pagamento por serviços ambientais possam ser objeto de debate e reflexão de forma democrática, inclusiva e pé no chão junto às comunidades no Amazonas.

Estabelecer conexões entre o pensamento indígena e as estratégias de mitigação e adaptação às alterações climáticas previstas no âmbito das negociações internacionais, também foi um dos objetivos do Ciclo de Estudos Interculturais em Políticas Climáticas, iniciado com a primeira oficina presencial realizada na Casa do Saber, da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), entre os dias 10 e 13 de junho.
Com organização do Programa Rio Negro, do Instituto Socioambiental (ISA) e apoio do Banco Mundial, o evento contou com 42 lideranças de cerca de 15 etnias do Rio Negro, como Baré, Baniwa, Desana, Tariana, Tuyuka, Tukano, Piratapuia, Koripako e Wanano. Os participantes debateram e refletiram sobre aspectos da ciência do clima, das políticas, leis internacionais e nacionais implementadas sobre o assunto, como a regulamentação do mercado de carbono, com a criação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE).

A governança climática global e seus impactos nos territórios indígenas e nas políticas públicas existentes, como a Política Nacional de Gestão Territorial em Territórios Indígenas (PNGATI), é tema fundamental para as lideranças indígenas rionegrinas que habitam uma região com 23 milhões de hectares de floresta amazônica preservada, com 12 Terras Indígenas, na área de abrangência da governança territorial da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn).
A oficina contou com a presença da advogada especialista em Direito Socioambiental, Fernanda Rotta, da Rotta e Moro Sociedade de Advogados, para introduzir os aspectos jurídicos das políticas do clima, como a recém sancionada Lei 15.042 (Lei do Carbono), mecanismos de REDD + e REDD+ Jurisdicional - Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal -, assim como os direitos dos indígenas como titulares dos créditos de carbono em seus territórios.

A importância das salvaguardas socioambientais (salvaguardas de Cancún) e da aplicação dos Protocolos de Consulta para consulta livre, prévia e informada (CLPI) junto às comunidades em casos de desenvolvimento de projetos também foi trabalhada no Ciclo pelos participantes, que contaram com um encontro entre advogados (indígena e não indígena) para refletir sobre temas ligados à autonomia indígena, autodeterminação e soberania em seus territórios e modos de vida, com a participação do advogado Adriano Oliveira, do povo Tukano.
A equipe do Programa Rio Negro do ISA também conduziu apresentações sobre os efeitos dos Gases do Efeito Estufa (GEE), sobre o Ciclo do Carbono e a interferência antropogênica no equilíbrio climático da Terra, assim como tópicos relacionacionados às negociações no âmbito da UNFCCC (Convenção do Clima da ONU), sua criação na Eco 92 e principais desafios e conquistas, como o Acordo de Paris. Pontos de atenção sobre violações de direitos, fraudes e a chamada maquiagem verde também foram abordados, assim como a necessidade de se valorizar os princípios éticos estabelecidos nas negociações climáticas globais, como os estabelecidos pela Unesco, em 2017.
Durante quatro dias, os diálogos interculturais contaram também com apresentações dos Agentes Indígenas de Manejo Ambiental (Aimas) e dos conhecedores indígenas, assim chamados os guardiões dos saberes ancestrais da cosmovisão indígena, entre eles Arlindo Maia Tukano e Januário Bastos Alves Tuyuka, ambos da Terra Indígena Alto Rio Negro, moradores dos Rios Uaupés e Tiquié. O papel dos Aimas, que formam uma rede de pesquisadores indígenas na Bacia do Rio Negro, foi ressaltado pelos participantes do Ciclo de Estudos como de fundamental importância para o presente e futuro da Amazônia em tempos de mudanças climáticas.

A próxima oficina presencial do Ciclo de Estudos Interculturais em Políticas Climáticas no Rio Negro ocorrerá entre os dias 15 e 18 de julho, na Casa do Saber, na sede da Foirn, em São Gabriel da Cachoeira, com o objetivo de aprofundar o tema de pagamento por serviços ambientais, serviços ecossistêmicos e estratégias indígenas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, além da articulação dos povos indígenas do Rio Negro para a COP 30, em Belém, considerando aspectos ligados à gênero, raça e direitos da juventude.
Chega de destruição
Adolescentes indígenas e não indígenas, estudantes do Colégio Estadual São Gabriel, localizado no centro do município, apresentaram para os participantes do Ciclo de Estudos, trabalhos feitos em sala de aula sobre o aquecimento global, suas causas, consequências e ações possíveis para enfrentar o problema. Preocupados com o futuro que terão em um planeta mais quente, os alunos amazonenses demonstraram seu engajamento e compromisso com o meio ambiente, levantando a necessidade de cuidar urgentemente das florestas, dos rios e melhorar as condições de vida nas cidades amazônicas.

“Chega de destruição e de lixo nos nossos igarapés. A gente tem que respeitar a natureza e não maltratar quem nos dá a vida”, disse uma aluna na apresentação.
O intercâmbio entre o Ciclo de Estudos Interculturais em Políticas Climáticas com os alunos adolescentes do colégio São Gabriel continuará na segunda oficina, com acompanhamento do professor de Ciências, Benedito Melgueiro Ribeiro, do povo Baré.
Ficha técnica do Ciclo de Estudos Interculturais em Políticas Climáticas do Rio Negro | Oficina de 10 a 13 de junho:
Organização: Juliana Radler
Produção: Michelle Machado Tukano, Juliana Radler e Wizer Oliveira Baré
Conselho Intercultural e articulação com rede de Aimas: Arlindo Maia Tukano, Aloisio Cabalzar e Danilo Bruxellas Parra
Assessoria Jurídica: Fernanda Rotta (Rotta e Moro Sociedade de Advogados) e Adriano Oliveira Tukano
Assessoria técnica em Gestão e Cadeias Produtivas: Ana Letícia Pastore
Mediação: Michelle Machado Tukano e Juliana Radler
Logística: Antônio Gabriel Silva, Claudino Amorim e Wizer Almeida Baré
Alimentação: Rosemira Lizardo, Marlene Albino e Valéria Guerra
Apoio na articulação com comunidades: Adelina Sampaio Desana
Elaboração de conteúdos para a oficina (slides, apostila e materiais de apoio): Ana Letícia Pastore, Aloisio Cabalzar, Arlindo Maia Tukano, Fernanda Rotta e Juliana Radler
Relatoria do evento e gravação em áudio dos conteúdos: Inês Mexia
Participantes:
Diretoria da Foirn: Dario Casimiro Baniwa (presidente), Hélio Gessém Monteiro Lopes Tukano, Carlos Neri Piratapuia e Edison Cordeiro Gomes Baré.
Lideranças das Coordenadorias: Coordenadoria das Associações Indígenas do Baixo e Médio Rio Negro (Caimbrn): Adilson da Silva Joanico, Lilian Gabriela Caldas de Assis Koripako e Pedro Vaz Pena; - Coordenadoria das Associações Indígenas do Balaio, Xié e Alto Rio Negro (Caibarnx): Adelina de Assis Sampaio Veloso, José Baltazar, Edmundo Gomes Alemão e Lucilene Veloso; Coordenadoria das Associações Indígenas do Distrito de Iauaretê (Coidi): Gustavo Cordeiro Trindade, Miriam Sirlene Marques Dias e Grazielly Prado Rodrigues, Almerinda Ramos de Lima; Coordenadoria Diawii (rios Uaupés e Tiquié): Francicleno dos Santos Brandão, Anunciata Rezende Marques e Maria Suzana Menezes Miguel e Coordenadoria Nadzoeri (rios Içana e Ayari): Ronaldo Apolinário, Francinaldo Farias, Walter Lopes da Silva e Bonifácio José
Rede de Agentes Indígenas de Manejo Ambiental (AIMAs): Milena Joaquim, Araújo Lourenço Amâncio, Edécio Marques Meira, Ezequias da Costa Pereira, Milton Sanches Velasque, Damião Barbosa, Ismael Pimentel dos Santos (Piaba) e Roberval Pedrosa.
Comunicadores da Rede Wayuri: Claudia Ferraz Wanano e João Paulo Piratapuia.
Departamento de Mulheres Indígenas do Rio Negro (Dmirn): Cleocimara Gomes Piratapuia
Departamento de Adolescentes e Jovens do Rio Negro (Dajirn): Jucimery Garcia Tariano
Assessoria Jurídica da Foirn: Adriano Oliveira Tukano
Conhecedores indígenas: Arlindo Maia Tukano, Januário Bastos Alves Tuyuka e Raimundo Rezende Tuyuka
Equipe do ISA: Andréia Damasceno, Aloisio Cabalzar, Ana Letícia Pastore, Dulce Morais, Danilo Bruxellas Parra, Juliana Radler e Petra Caldas
Convidada da Academia: Juliana Lins Góes de Carvalho, doutoranda da Universidade Radboud, Holanda
Rotta Moro Advogados: Fernanda Rotta
Instituições convidadas - FUNAI - CR Rio Negro: Maria do Rosário Martins (Dadá Baniwa) e Denivaldo Cruz da Silva, ICMBIO (São Gabriel da Cachoeira): Maria Janete Pena Ramos; Tribunal de Justiça do Amazonas (São Gabriel da Cachoeira) - juiz Manoel Átila Araripe Autran Nunes.