Encontro em Eldorado (SP) acontece em 15 e 16 de agosto e terá atividade sobre a Catrapovos em Iporanga, onde 95% da merenda vêm das roças quilombolas
O arroz preparado nas escolas quilombolas do Vale do Ribeira (SP) pode até parecer igual a outro qualquer. Mas guarda alguns segredos especiais que começam no plantio e garantem um sabor único. As sementes do arroz encontrado nas roças tradicionais nessa região são cultivadas e repassadas por gerações entre os quilombolas, e esse alimento ancestral – assim como outros, como feijão, mandioca, farinha – estão chegando cada dia mais ao prato dos alunos e ganhando espaço em relação a alimentos ultraprocessados.

Nos próximos dias 15 e 16 de agosto, acontece em Eldorado (SP) a 16ª Feira de Troca de Sementes e Mudas Tradicionais das Comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira. O evento, organizado pelo Grupo de Trabalho da Roça (GT da Roça), celebra a resistência quilombola e promove a troca de sementes e mudas, e um dos temas que serão debatidos é a importância do alimento tradicional na escola.
Na sexta-feira (15/08), será realizada a oficina “Confluência de saberes: Comida quilombola na escola, a experiência da política pública Catrapovos no município de Iporanga/SP”. Na cidade, 95% da alimentação escolar vêm das roças quilombolas. Analista socioambiental do ISA, Carlos Ribeiro explica que a atividade busca informar secretarias de educação, nutricionistas, prefeitos e lideranças da região sobre a iniciativa, reforçando a importância da agricultura tradicional na escola.
A Comissão de Alimentos de Povos Tradicionais (Catrapovos), instituída pelo Ministério Público Federal (MPF), fomenta a adoção da alimentação tradicional em escolas indígenas, quilombolas e de comunidades ribeirinhas, extrativistas, caiçaras, entre outras, em todo o país.
Além disso, o grupo – composto por representantes de órgãos públicos e da sociedade civil – discute os entraves, desafios e formas de viabilizar as compras públicas da produção de comunidades indígenas e tradicionais, buscando o ajuste do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) às realidades locais.
Uma das conquistas foi a implementação da nota técnica do autoconsumo, que permite que alimentos processados e de origem animal produzidos nas comunidades sejam entregues nas escolas locais. “Isso ajuda os agricultores a entregarem seus produtos de forma mais simples e segura”, explica.
Com isso, as escolas passaram a receber alimentos como pães caseiros, beiju, farinha, frango caipira, ovos, arroz, feijão, mandioca e verduras frescas. Os produtores, na maior parte das vezes, são os familiares dos estudantes.

No Vale do Ribeira, a Catrapovos é composta pelo ISA, lideranças quilombolas, MPF e representantes de órgãos públicos. A iniciativa do PNAE/Catrapovos está sendo executada em Iporanga, um dos municípios da região, desde 2024. A lista de alimentos fornecidos tem cerca de 50 tipos de produtos das roças tradicionais.
Liderança do Quilombo Porto Velho, mãe, agricultora e estudante de Pedagogia, Vanilda Donato, fala da importância da Catrapovos. “A Catrapovos promove o resgate da cultura alimentar das crianças. A cultura alimentar e a forma de produzir passam a fazer parte da escola. E também acho a coisa mais linda quando as crianças estão comendo aquele alimento que vem do tio, da madrinha, do padrinho, da tia, da mãe. Então a criança passa a ter um reconhecimento do quanto o pai e a mãe também são produtores, são pessoas que contribuem com a renda e para o meio ambiente”, conta.
Vanilda Donato estará na oficina falando de sua experiência, assim como a nutricionista Maryana Camargo, da Secretaria Municipal de Educação de Iporanga, que ressalta que a oficina durante a Feira de Sementes será uma oportunidade para falar sobre o sucesso do programa.
“Em Iporanga, 95% da merenda escolar vêm da produção daqui. Eu consigo abastecer bem as escolas com alimentação de qualidade, sem ultraprocessados e industrializados. É bom para as comunidades, para a identidade e a autonomia. E é importante repassar as informações para que os municípios vizinhos possam conhecer a iniciativa”, diz.

Segundo ela, o acesso ao alimento melhorou muito. “Como as comunidades tradicionais são distantes da cidade, havia um problema para a entrega. Com a Catrapovos, esse problema acabou. Alimentos como verduras, frutas, pão, bolo e queijo são entregues pela própria comunidade na escola. O cardápio funcionou certinho nessas comunidades tradicionais”, afirma.
A feira também reforça o fortalecimento da agricultura tradicional na região. O Sistema Agrícola Tradicional Quilombola do Vale do Ribeira é considerado patrimônio cultural brasileiro. A forma de cultivo, com roças em meio à floresta, produz fartura e, ao mesmo tempo, protege o ambiente. Esse sistema de saberes promove regulação climática, cuida da água e da biodiversidade.
A programação da feira inclui seminários, mesas redondas e troca de saberes, promovendo a valorização das sementes tradicionais e das práticas agroecológicas.
Família na escola
Em julho, foi realizada em Iporanga uma oficina que uniu mães de alunos e merendeiras. Durante o encontro foi promovida uma troca de conhecimentos sobre preparo de alimentos tradicionais, possibilitando a aproximação entre quem entrega o alimento – as mães agricultoras - e quem está recebendo e vai preparar os pratos. Além da troca de saberes, houve a possibilidade de se criar um vínculo de confiança.

“Na hora de fazer um arroz com frango caipira, cada uma fez à sua maneira. Mas o que teve de importante foi a troca de emoção. A mãe faz a forma que aprendeu com as avós. As merendeiras, do jeito que aprenderam na escola. Mas a receita acabou ganhando mais uma ligação afetiva. Quando forem fazer, vão lembrar das histórias! Foi uma forma de aproximar os quilombos da escola”, finaliza a nutricionista Maryana Camargo.
Serviço
16ª Feira de Troca de Sementes e Mudas Tradicionais das Comunidades Quilombolas
Dias 15 e 16 de agosto em Eldorado, SP
Participação gratuita
Programação:
15/8 das 9h30 à 12h30
Seminário: Educação Quilombola, transmissão de saberes e os desafios da juventude quilombola nos territórios.
Mesa redonda 1: No tempo dos Avós.
Mesa redonda 2: Os tempos de hoje e o futuro ancestral - começo, meio e começo.
15/8 das 14h30 às 16h
Momento da prosa: Confluência de saberes
Comida quilombola na escola, a experiência da política pública Catrapovos no município de Iporanga/SP.
Sementes agrícolas e florestais: desafios de conservação e manutenção de variedades.
Manejo Integrado do Fogo - Programa Prevfogo.
16/08 das 9h às 14h
16ª Feira de Trocas de Sementes e Mudas Tradicionais das Comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira com tradicional almoço quilombola
Local: Praça Nossa Senhora da Guia/Eldorado/SP.