Minidocumentário conecta raízes negras e detalha como uma cooperativa quilombola distribuiu 330 toneladas de alimentos para 42 mil pessoas durante a pandemia da Covid-19
Em março de 2020, a Cooperativa dos Agricultores Quilombolas do Vale do Ribeira (Cooperquivale) sentiu o baque da pandemia da Covid-19. De forma unilateral, seus contratos para entrega de alimentos para a merenda escolar com as prefeituras de São Paulo, Santos, Santo André e Cajati foram suspensos.
Era o início de um período de insegurança e angústia. Sem renda e com a maior crise sanitária do século 21 batendo às suas portas, a cooperativa via ameaçado o sonho de crescimento e valorização da cultura alimentar quilombola.
O minidocumentário Do Quilombo pra Favela - Alimento para a resistência negra (Brasil, 2022, 22 min.) mostra como, em um período de dois anos, a Cooperquivale recuperou suas forças e conectou suas raízes negras a uma favela da zona oeste de São Paulo através do alimento e da solidariedade.
Com o apoio de parceiros, a cooperativa quilombola elaborou um plano emergencial de captação de recursos para pagar seus custos, remunerar as agricultoras e agricultores e distribuir os alimentos que, sem escoamento, seriam perdidos em suas roças tradicionais.
Resultado: dois anos depois, a equipe conseguiu levar 330 toneladas de 56 variedades de alimentos para 11 municípios do Estado de São Paulo. A biodiversidade chegou à mesa em frutas, legumes e verduras cultivados com técnicas ancestrais, que mantêm a Mata Atlântica em pé e cada vez mais resistente.
Ao todo, 42 mil pessoas receberam cestas de alimentos orgânicos e agroecológicos, que simbolizam um jeito de viver e produzir parte do Sistema Agrícola Tradicional Quilombola, reconhecido em 2018 patrimônio cultural imaterial do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Sem apoio do Estado, os recursos financeiros vieram de organizações da sociedade civil, empresas e organizações internacionais. A cooperativa movimentou R$ 1,5 milhão no período.
A distribuição dos produtos foi feita em parcerias com ONGs, bancos de alimentos e associações de moradores de favelas na capital paulista.
Entre elas, a Associação de Moradores do Jardim São Remo, na zona oeste de São Paulo, e o projeto Meninas em Campo, de fomento ao futebol feminino entre jovens periféricas.
O filme acompanha o trabalho da cooperativa desde os primeiros momentos da crise sanitária até as trocas de experiências entre quilombo e favela, que resultaram em um amistoso de futebol com toda a potência das mulheres negras, agricultoras, quilombolas e atletas com futuro brilhante pela frente.
O Estado das coisas
Em abril de 2022, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, atendeu pedido elaborado pela Coordenação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e determinou ao governo federal que amplie à agricultura familiar quilombola o acesso às políticas públicas relacionadas à segurança alimentar e nutricional, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
No entanto, a má-gestão sobre a pandemia da Covid-19 e o desmantelamento de políticas públicas alimentares levaram o Brasil ao maior retrocesso em 30 anos.
Estudo publicado em junho pela Rede Brasileira de Pesquisa em Segurança Alimentar e Nutricional mostra que 33 milhões de pessoas vivem em situação de fome no Brasil. E ainda: que 65% dos domicílios com pessoas de referência preta estão com algum grau de insegurança alimentar. Um aumento de 8% em relação a 2020.
O mesmo estudo mostra que a agricultura familiar e as comunidades tradicionais deixaram de receber recursos do PAA e do PNAE, fundamentais para que possam produzir alimentos para combater a fome.
O plano emergencial da Cooperquivale retratado no filme deveria ser visto como modelo no período pós-pandemia, porque gera renda para quilombolas que podem produzir, fortalece a agricultura familiar e alimenta quem tem fome.
Assista ao minidoc:
Sinopse:
No Vale do Ribeira, sudeste de São Paulo, uma cooperativa de agricultoras e agricultores quilombolas uniu esforços para minimizar o impacto da pandemia da Covid-19. Por geração de renda e segurança alimentar, eles elaboraram um plano emergencial para distribuir a comunidades vulneráveis alimentos orgânicos produzidos em suas roças tradicionais, que mantêm a Mata Atlântica em pé. Assim, quilombo e favela, que pareciam distantes, tornaram-se parceiros de lutas semelhantes.
Ficha técnica:
Direção e Roteiro: Manoela Meyer e Roberto Almeida
Produção: Roberto Almeida e Adriana Rodrigues
Reportagem: Adriana Rodrigues, Andressa Cabral Botelho e Roberto Almeida
Produção Local: Raquel Pasinato, Frederico Viegas, Mauricio Biesek, Fabiana Fagundes, Juliano Nascimento e Andressa Cabral Botelho
Fotografia: Manoela Meyer
Montagem: Manoela Meyer
Trilha Sonora: Make you mine (Acoustic) - Mina; Oxumare (Instrumental version) - Maitlna; Idesof Spring - Michael Shynes; Facus - AwaDu; The River of Hope - Emmanuel Jacob; Enjoy the Game - Borrtex; Macune (Instrumental version) - Maitlna; Good to be Alive - John Coggins; Yemaya (Instrumental version) - Maitlna.
Soundesign e Mix Stereo: Otávio Carvalho e Manoela Meyer
Cor e Efeitos: Manoela Meyer
Realização: Instituto Socioambiental (ISA), Associações Quilombolas, Cooperquivale
Apoio: União Europeia, Cisco, Good Energies
Parcerias: Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), Instituto Linha D’Água, Associação dos Moradores da Enseada da Baleia, Instituto Brasil a Gosto, Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras do Vale do Ribeira (Eaacone), Prefeitura de Eldorado, Prefeitura de Iporanga, Prefeitura de Cananéia, Prefeitura de Jandira, Prefeitura de Embu das Artes, ONG Bloco do Beco, Associação de Moradores do Jardim São Remo, Associação de Moradores da Vila Brasilândia, Grupo Conexão Petar, Associação Mulheres Unidas por uma Vida Melhor (Amuvim), Projeto Meninas em Campo e Colégio Santa Cruz.
Sobre a Cooperquivale
Fundada em 2012, a Cooperativa dos Agricultores Quilombolas do Vale do Ribeira (Cooperquivale), com sede em Eldorado (SP), comercializa a produção excedente dos territórios quilombolas de forma justa e solidária. Hoje, a cooperativa congrega 19 comunidades quilombolas dos municípios de Jacupiranga, Eldorado, Iporanga e Itaóca, no Vale do Ribeira. São, ao todo, cerca de 240 cooperados.
A cooperativa tem como principal estratégia a comercialização de mais de 78 alimentos da sua agrobiodiversidade para os programas de compras institucionais, como Programa de Aquisição de Alimentos na modalidade de Doação Simultânea (PAA-DS) e Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).