Em ‘Reahu na UFRR’, público na Universidade Federal de Roraima pode conhecer as obras Diários Yanomami e O Espírito da Floresta
Autores Yanomami levaram centenas de pessoas ao Centro Amazônico de Fronteira (CAF), maior auditório da Universidade Federal de Roraima (UFRR), na última sexta-feira (24/05) para “Reahu na UFRR”. O evento foi palco para os lançamentos dos livros Diários Yanomami e O Espírito da Floresta.
Em Diários Yanomami, cinco autores yanomami apresentam a percepção deles e de seu povo sobre os impactos do garimpo na Terra Indígena Yanomami entre 2019 e 2022, período em que o Jair Bolsonaro (PL) ocupava o cargo de presidente do Brasil. A gestão foi marcada por políticas que estimularam a invasão garimpeira no território.
Diários Yanomami: Testemunhos da Destruição da Floresta foi exposto pela primeira vez ao grande público durante o Reahu - palavra que significa festa em Yanomae - em Boa Vista. Todas as cópias disponibilizadas pela Hutukara Associação Yanomami (HAY) na ocasião foram vendidas meia hora após o início do Reahu. O livro está em pré-venda na loja online do Instituto Socioambiental, que entrega para todo o país.
A Livraria Boa Vista também expôs os livros de Davi Kopenawa e Bruce Albert para venda durante o evento. O Espírito da Floresta e A Queda do Céu: Palavras de um Xamã Yanomami tiveram alta procura do público, que tirou fotos com Kopenawa e pediu autógrafos ao final do evento.
Assista ao evento na íntegra!
Diários Yanomami foi escrito por Mozarildo Yanomami, Darysa Yanomami, Josimar Palimitheli Yanomami, Alfredo Himotona Yanomama e Marcio Hesina. Mozarildo e Darysa representaram o coletivo durante o evento.
“Eu fiquei muito feliz em ver todas estas pessoas e saber que estavam aqui pelo meu livro. Eu agradeço muito a todas estas pessoas e a Universidade Federal [de Roraima]. Eu sonhei muito com isso e por isso estou muito feliz”, contou Darysa ao ISA.
Mozarildo reforçou, em discurso ao público, o cuidado dos Yanomami com a floresta e pediu que os não indígenas prestassem atenção nas palavras colocadas em Diários Yanomami. Ele sublinhou, ainda, que as palavras foram escritas pelos próprios Yanomami e não por brancos.
“Mas se eu estivesse trabalhando sozinho, estas palavras não teriam sido divulgadas. O Instituto Socioambiental, a Diocese de Roraima e a Hutukara nos apoiaram. Por tanto, prestem muita atenção na devastação que os garimpeiros causaram na nossa Terra Yanomami. As palavras deste livro descrevem a destruição provocada pelo garimpo”, pontuou Mozarildo.
‘Nossa universidade é a floresta’
Este foi o segundo grande evento da UFRR com participação e forte atuação do xamã Yanomami Davi Kopenawa. Em setembro de 2022, o reitor José Geraldo Ticianeli o entregou o título de Doutor Honoris Causa em uma cerimônia virtual e com limitação de público em razão da pandemia de Covid-19.
“A educação indígena também faz parte da missão da Universidade Federal de Roraima. Conceder o título de Doutor Honoris Causa ao Davi Kopenawa em um momento historicamente importante de se posicionar para a universidade mostrou o nosso respeito aos povos originários e, principalmente, tornou o Davi um porta-voz da UFRR com este título”, disse Ticianeli.
Nesta nova oportunidade, Kopenawa falou sobre sua mais recente parceria com o antropólogo francês Bruce Albert e reforçou sua mensagem contra o garimpo em terras indígenas diante da acadêmia científica.
“O originário não tem universidade. A nossa universidade é a floresta. Eu aprendi olhando, escutando, cuidando e preservando a floresta. A nossa terra mãe nos ensinou a sonhar e olhar a beleza da nossa floresta”, disse Kopenawa durante seu discurso.
Yanomami mais próximos dos roraimenses
O Reahu na UFRR foi o primeiro grande evento de diálogo entre os Yanomami e as pessoas que vivem em Roraima. Historicamente, este povo indígena vive em cenário conflituoso marcado pelo forte posicionamento contra o garimpo ilegal na maior terra indígena do Brasil.
“A gente entende que a mensagem dos Yanomami é importante em qualquer lugar do mundo, mas em Roraima é ainda mais importante porque é onde eles vivem, é o contexto em que estão inseridos. É uma forma de sensibilizar também as pessoas que estão sempre em contato com eles”, explicou Estêvão Benfica Senra, produtor editorial do Diários Yanomami.
E a necessidade de aproximação com os Yanomami foi comprovada pelas palavras do público presente, que se diversificou entre jovens no início da graduação, adultos em processo de pós-graduação, experientes professores de todos os tipos de educação: básico, médio e superior e até figuras do poder público, como é o caso da defensora pública de Roraima Jeane Magalhães Xaud.
“A temática Yanomami tomou conta do meu dia, na verdade tem tomado conta dos meus dias no trabalho e também na vida social. Ouvir o Davi Kopenawa é luxo primordial, é necessário porque nós só poderemos compreender os Yanomami, como o Davi disse, através das palavras escritas por eles mesmos. O povo Yanomami é um povo que tem toda uma complexidade, quanto mais nós entendermos essa complexidade e estarmos abertos a ela, mais nós poderemos desimpactar o contato deles, por exemplo, com a nossa sociedade e com o nosso sistema de justiça”, afirmou Xaud.
Já a estudante de Ciências Sociais Enoá Vitória Mourão, de 24 anos, escolheu ir ao evento na noite de sexta-feira porque as palavras de Davi Kopenawa já fazem parte de sua pesquisa. Atualmente lendo A Queda do Céu, ela aproveitou para adquirir O Espírito da Floresta e poder estar na presença do xamã.
“Há locais que não conseguimos ter acesso, como a própria Terra Indígena Yanomami, e estar com o Davi Kopenawa aqui presente é uma oportunidade única. O Davi é uma pessoa que eu admiro e com quem eu gostaria de poder conversar por pelo menos cinco minutos é incrível”, contou emocionada.
Sobre os livros
Diários Yanomami é um livro realizado pela Hutukara Associação Yanomami (HAY) e o Instituto Socioambiental (ISA). A produção editorial é assinada por Estêvão Senra, geógrafo do ISA, que também faz parte dos times de organização e edição junto a Alcida Ramos e Corrado Dalmonego. A tradução de Yanomae para Português foi feita por Dalmonego conjuntamente com os pesquisadores.
A publicação tem apoio do Fundo das Nações Unidas para a criança e adolescente (UNICEF), da Rainforest Foundation Norway e do Centro de Documentação Indígena (Missionários da Consolata). Também contribuem com apoio financeiro o Departamento de Proteção Civil e Ajuda Humanitária da União Europeia (ECHO) da União Europeia.
O Espírito da Floresta reúne textos originalmente publicados entre 2002 e 2021 em inúmeras exposições realizadas em Paris pela Fundação Cartier. O livro é dividido em 16 capítulos com textos intercalados entre os autores e está à venda online na Companhia das Letras, na livraria Boa Vista.