Parecer será votado no Senado a partir de terça (20) e é considerado o pior e mais radical já discutido sobre o assunto no Congresso

Com alterações pontuais, o novo relatório do Projeto de Lei (PL) 2.159 mantém o teor principal da redação aprovada na Câmara em 2021, seguindo como o pior e mais radical já discutido no Congresso sobre o licenciamento ambiental, segundo especialistas e ambientalistas.
O projeto faz parte do chamado “Pacote da Destruição” e foi apelidado de “PL da Devastação” em função da abrangência e gravidade das possíveis consequências de sua aprovação.
A previsão é que o parecer seja votado na terça (20), a partir de 9h, na Comissão de Meio Ambiente do Senado, e no dia seguinte, a partir de 13h40, na Comissão de Agricultura. A determinação expressa do presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União-AP), é que, em seguida, seja apreciado no plenário imediatamente.
Em nota técnica divulgada nesta sexta-feira (16), o Observatório do Clima (OC), a maior rede de organizações ambientalistas do país, detalha os retrocessos da proposta ponto a ponto. Ela prevê a isenção de licenças para vários empreendimentos e setores econômicos, confere a estados e municípios o poder de aumentar esse rol e generaliza o licenciamento autodeclaratório e automático, sem análise prévia ou controle de nenhum órgão ambiental, entre outros pontos .
O PL também ameaça povos indígenas e quilombolas ao considerar apenas os seus territórios cuja regularização já tiver sido concluída, para efeito do licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades econômicas que os afetem (saiba mais no quadro ao final do texto).
“Ao priorizar de forma irresponsável a isenção de licenças e o autolicenciamento, a proposta tem potencial de agravar a degradação ambiental, representando grave ameaça a direitos humanos fundamentais. A flexibilização dos estudos, das condicionantes ambientais e do monitoramento pode resultar em desastres e riscos à saúde e à vida da população, com a contaminação do ar, dos solos e dos recursos hídricos, além do deslocamento de comunidades e da desestruturação de meios de vida”, diz a nota.
“[O parecer] está repleto de inconstitucionalidades, promovendo a fragmentação normativa entre estados e municípios e criando um cenário de insegurança jurídica que tende a gerar, como um dos seus principais efeitos, uma enxurrada de judicializações”, continua. “Em vez de estabelecer regras claras, juridicamente coesas e efetivas, como se espera de uma Lei Geral, o projeto abre caminho para o caos regulatório e o aumento da degradação ambiental”, segue o documento.

“Não é questão de agilizar o licenciamento, mas de implodir o licenciamento”, alerta a coordenadora de políticas públicas do OC, Suely Araújo. “Essa proposta, se aprovada como está, significará o maior retrocesso na legislação ambiental dos últimos 40 anos, desde a Constituição”, continua.
“Ao escancarar brechas e enfraquecer os mecanismos de fiscalização, monitoramento e avaliação de impactos, o texto compromete gravemente a capacidade do Estado de proteger ecossistemas e populações vulneráveis diante de empreendimentos econômicos com impactos socioambientais!” diz a advogada do Instituto Socioambiental (ISA) Alice Dandara de Assis Correia.
'Polêmico'
Apresentado em 7 de maio, o parecer é fruto do consenso entre os relatores nas comissões de Meio Ambiente e de Agricultura, respectivamente, Confúcio Moura (MDB-RO) e Teresa Cristina (PP-MS), ex-ministra da Agricultura de Jair Bolsonaro.
No ano passado, Moura apresentou um parecer considerado razoável por organizações da sociedade civil e o Ministério do Meio Ambiente (MMA). De lá para cá, sofreu pressões para alterá-lo tanto de ruralistas e da Confederação Nacional da Indústria (CNI) quanto de outros setores da administração federal. De acordo com uma fonte do governo, as pressões aumentaram nas últimas semanas.
O senador admitiu que o novo texto é polêmico. “Eu acredito que o relatório não vai atender a todos os lados, não. Vai ter muita gente insatisfeita. Ele não consegue atender todo mundo. Não tem quem consiga fazer essa mágica”, comentou.
"Identificamos vários pontos que, na nossa avaliação, desde sempre constituem um grande retrocesso e um desmonte do processo de licenciamento no Brasil", afirmou a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, ao jornal Folha de S.Paulo. "Esses retrocessos vieram da Câmara dos Deputados e permaneceram no relatório apresentado. Estamos fazendo uma discussão interna no governo para possível reversão desses retrocessos", disse.
Inicialmente, havia mais de 80 pontos de divergência entre os pareceres dos dois parlamentares. Desde o ano passado, eles vinham negociando entre si, com o governo e ruralistas exaustivamente na tentativa de se chegar a um texto de consenso.
A previsão era de que o relatório fosse votado ainda no dia 7, mas sua apreciação foi transferida para a semana que vem por um acordo proposto pelo líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA). É possível que sejam feitas novas alterações no texto até lá, segundo os relatores.
Pressões
Informações de bastidores dão conta das pressões Alcolumbre para que o projeto fosse votado rapidamente. Moura não fez questão de negar. “Foi um pedido do nosso presidente Alcolumbre para que a gente pudesse ter um entendimento para facilitar a votação. Caso contrário, ele puxaria os projetos e votaria à revelia [diretamente] no plenário”, informou.
Há meses, Alcolumbre e o Planalto pressionam a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva (Rede-SP), e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) pela liberação da exploração de petróleo pela Petrobrás na Foz do Amazonas. A medida beneficiaria o Amapá, estado do parlamentar. A reportagem entrou em contato com a assessoria do senador, mas não obteve retorno.
Na sessão da CRA em que o texto foi apresentado, o discurso sobre o projeto foi o usual: haveria hoje excesso de restrições ambientais e a desburocratização prevista pela proposta vai trazer investimentos e crescimento econômico. O colegiado é dominado pelos ruralistas.
“Não podemos mais cair em certas narrativas. Meio ambiente é importante, mas não podemos aceitar que não se possa passar com uma linha de transmissão no meio de uma floresta”, disse Teresa Cristina.
Quais os principais pontos do novo relatório do PL do Licenciamento?
Autolicenciamento generalizado. A Licença por Adesão e Compromisso (LAC) pela qual qualquer pessoa consegue automaticamente a licença ambiental preenchendo um formulário na internet torna-se a regra, e o licenciamento convencional, com análise prévia do órgão ambiental, a exceção. O problema é que essa autorização não vai valer apenas para empreendimentos de pequeno porte e potencial poluidor, como decidido pelo STF, mas para os de médio porte, potencial poluidor e risco ambiental.
- Isenção de licenças. A proposta concede de antemão isenção de licenciamento para 13 atividades e empreendimentos econômicos, como agricultura, pecuária, “manutenção e ao melhoramento da infraestrutura em instalações preexistentes”, sistemas e estações de tratamento de água e de esgoto sanitário. Essa dispensa alcançará empreendimentos e atividades de grande porte, potencial e risco ambiental.
- Muito poder para Estados e municípios. A proposta concede poder quase ilimitado para esses entes da Federação criarem sua própria lista de isenções de licenciamento. Isso pode gerar confusão regulatória, insegurança jurídica e uma “guerra ambiental” entre quem libera mais e flexibiliza mais para atrair investimentos..
- Áreas protegidas. Terras Indígenas e territórios quilombolas cuja regularização não foi concluída não seriam consideradas para efeitos do licenciamento de empreendimentos e atividades econômicas que causem impacto nessas áreas. As Unidades de Conservação só serão consideradas se o impacto for direto. No caso dos quilombos, mais de 96% das comunidades não seriam levadas em consideração para impactos de licenciamento, pois não contam com seus territórios titulados. Cerca de 40% dos territórios indígenas podem ser afetados.
- Sem condicionantes. O PL pretende isentar empreendimentos privados de cumprir as chamadas “condicionantes ambientais”, jogando a conta dos seus impactos para a população e os cofres públicos. As condicionantes previstas no licenciamento são as obrigações de prevenção, redução e reparação de impactos socioambientais.
- Renovação automática. O PL permite a qualquer pessoa interessada renovar automaticamente sua licença apenas preenchendo uma declaração na internet, sem nenhuma análise dos órgãos ambientais. Se as condicionantes não forem cumpridas, o empreendedor não precisa dar satisfação a ninguém.
- Bancos sem responsabilidades. O PL impede que os bancos sejam punidos por crimes e danos ambientais cometidos por empreendimentos e empresas que eles financiam. Isso ameaça a norma que proibiu crédito bancário para desmatadores.