Na Semana da Sociobiodiversidade, extrativistas, indígenas e quilombolas lançam propostas para fortalecer uma economia que coloque povos e comunidades tradicionais como centrais para o desenvolvimento do país
Entre o Dia da Amazônia e o Dia do Cerrado, a Semana da Sociobiodiversidade marcou a retomada da incidência para a construção de políticas públicas adequadas para os povos da floresta.
O evento reuniu mais de 230 comunitários para dialogar sobre três cadeias produtivas: borracha, castanha e pirarucu. Ao longo de seis dias, entre 31 de agosto e 6 de setembro, eles buscaram estruturar propostas para fortalecer políticas e programas ligados às economias da sociobiodiversidade, a fim de promover culturas e proteger as futuras gerações de povos da floresta.
Assista a cobertura da semana através dos olhos dos comunicadores da Rede Xingu+:
No contexto da conservação ambiental, o evento mostrou que é fundamental reconhecer a contribuição desempenhada por povos indígenas e comunidades tradicionais como prestadores de serviços ambientais. Seus conhecimentos tradicionais, inovações, sistemas agrícolas e práticas de manejo desempenham um papel vital na promoção de uma ampla variedade de serviços ecossistêmicos, responsáveis pela conservação, manejo e proteção de mais de 36% do território nacional e sua biodiversidade.
Dione Torquato, da Floresta Nacional de Tefé, no Amazonas, e Secretário-geral do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), enfatizou o papel central desses povos em sessão solene na Câmara dos Deputados. A sessão, dedicada ao reconhecimento dos direitos trabalhistas dos povos da floresta, mostrou a urgente necessidade de reconhecer as práticas tradicionais como serviços que geram economia, renda e floresta viva.
“Nós, povos e comunidades tradicionais, agricultores(as) familiares, indígenas e quilombolas sustentamos as bases da economia solidária e sustentável deste país. Nossos territórios, além de serem extremamente importantes na produção de alimentos saudáveis, têm um papel fundamental na conservação do Meio Ambiente, redução das mudanças climáticas e manutenção dos Serviços Ambiente”, enfatizou Torquato.
Uma das propostas apresentadas durante a Semana e reafirmada no dia da Amazônia (5/9) foi a necessidade de regulamentação adequada da Lei de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), de modo a reconhecer os serviços de conservação e manutenção de floresta, biodiversidade, ecossistemas e suas contribuições para a humanidade através das técnicas, tecnologias e inovações presentes nos modos de vida dessas comunidades.
“Essas culturas, esses conhecimentos, esses manejos são, em si, os serviços ambientais de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. Fomentar esses conhecimentos e práticas, é fomentar a conservação. Essas culturas manejam a paisagem e transformam florestas em florestas por milênios. Não transformam as florestas em pastos ou monoculturas, com degradação do solo, uso de químicos e baixa biodiversidade. É preciso reconhecer e retribuir diretamente as populações pelos serviços de manejo da paisagem, garantir a resiliência dos mesmos em seus territórios e as contribuições ecossistêmicas dos mesmos para o País”, explica Jeferson Straatmann, articulador do tema sociobiodiversidade no ISA.
Além do reconhecimento das práticas de manejo baseadas no conhecimento tradicional como serviços, tornou-se prioritário incidir sobre políticas públicas que façam a verdadeira promoção, estruturação e desenvolvimento das economias da sociobiodiversidade.
Economias da sociobio
MAIS QUE PRODUTOS, GENTE-FLORESTA!
As economias da sociobiodiversidade representam uma vasta diversidade de atividades, setores e produtos. Isso abrange desde a colheita responsável de recursos florestais e animais até a agricultura praticada por famílias, a produção de artesanato único, a pesca tradicional, o cuidado da paisagem, e o acolhimento comunitário no turismo local, entre outras oportunidades empolgantes.
No entanto, essas economias são muito mais do que apenas produtos. Elas se baseiam profundamente no conhecimento tradicional sobre a biodiversidade e na utilização sustentável dos recursos naturais. Pessoas que vivem em biomas e ecossistemas diversos, como florestas, savanas, caatingas, campos, áreas costeiras, manguezais, várzeas e rios, desempenham um papel essencial na preservação do meio ambiente, enquanto promovem oportunidades econômicas para suas comunidades.
Carta da sociobiodiversidade
Na última quarta-feira (6), líderes indígenas, povos e comunidades tradicionais extrativistas, trabalhadores e trabalhadoras rurais, campesinos e campesinas uniram suas vozes na "Carta da Semana da Sociobiodiversidade", um documento que exige políticas públicas adequadas para a região amazônica e seus habitantes.
“Para nós, esses territórios são espaços sagrados de construção e manutenção das nossas identidades, saberes, fazeres e lutas. São raízes de nossa ancestralidade, onde se assentam processos políticos, sociais e econômicos”, afirma trecho da carta.
O documento foi recebido pela ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, diretamente das mãos do presidente do CNS, Júlio Barbosa, no dia 4/9. Na ocasião, a ministra enfatizou: “Esse é o imaginário de riquezas e belezas florestais, é a base a partir da qual elaboramos a ideia de cultura e de onde nascem sonhos e desejos, planos e projetos, vontades e investimentos”.
Esta carta abrangente aborda uma série de questões cruciais e oferece mais de 60 recomendações, organizadas em oito eixos temáticos, entenda em síntese:
1. Gestão e Governança Territorial
A carta destaca a necessidade de uma gestão eficaz e governança territorial para proteger os ecossistemas da Amazônia e os modos de vida das comunidades tradicionais.
2. Políticas Públicas
Ela cobra a implementação de políticas públicas específicas que atendam às necessidades da região amazônica e de seus povos.
3. Instrumentos Econômicos e Financiamentos
Aborda a importância de criar instrumentos econômicos e financiamentos adequados para apoiar as atividades sustentáveis na região.
4. Relações entre Empresas e Povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais (PIQCTs)
Destaca a necessidade de estabelecer relações justas e equitativas entre empresas e comunidades tradicionais, respeitando seus direitos.
5. Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER)
A carta enfatiza a importância de fornecer assistência técnica e extensão rural de qualidade para apoiar práticas agrícolas sustentáveis.
6. Trabalho Digno de Extrativistas
Aborda a importância de garantir condições de trabalho dignas para os extrativistas da região amazônica.
7. COP-30
Faz referência à Conferência das Partes (COP) da ONU sobre Mudanças Climáticas, enfatizando a necessidade de medidas concretas para combater as mudanças climáticas.
8. Legado de Chico Mendes e Aliança dos Povos da Floresta
A carta reafirma o legado de Chico Mendes na defesa da Amazônia e destaca a Aliança dos Povos da Floresta como uma estratégia fundamental na luta pela garantia e consolidação dos territórios amazônicos.
Este documento representa um importante chamado à ação, unindo diversas vozes em prol da preservação da Amazônia e do bem-estar das comunidades que dependem dela. Agora cabe aos tomadores de decisão e à sociedade em geral trabalhar em conjunto para transformar essas recomendações em ações concretas que protejam esse tesouro natural e cultural inestimável.
Leia AQUI a carta na íntegra!
Para saber mais sobre as discussões e encaminhamentos da Semana, acesse www.semanadasociobio.com.br.
Quanto tempo tem a ancestralidade que faz floresta?
Ouça a marisqueira Célia Neves, da Rede Brasileira de Povos e Comunidades Tradicionais (@redepctsdobrasil), natural da Reserva Extrativista Mãe Grande de Curuçá, no Pará.
Na fala de abertura do evento do dia da Amazônia, ela enfatizou que “a Amazônia é um “fratrimônio”, um patrimônio de todos e deve ser visto com a fraternidade que esse bioma exige.
Assista!