Campanha do ÓSocioBio revela que, em 2024, a pecuária, um dos principais responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa no Brasil, abocanhou 91,7% dos recursos do Pronaf, enquanto menos de 2% foram destinados às cadeias da sociobiodiversidade
Um levantamento do Observatório das Economias da Sociobiodiversidade (ÓSocioBio), com base em dados do Banco Central, aponta que, em 2024, 91,7% do orçamento do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) na Amazônia foi para a pecuária convencional. Apenas 8,3% foram destinados a atividades agrícolas, sendo que menos de 2% do orçamento do Pronaf na Amazônia em 2024 chegou às cadeias da sociobiodiversidade.
Esse cenário vai na contramão das políticas ambientais e das metas climáticas brasileiras. Segundo dados de 2023 do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima, quando somadas às emissões por mudança no uso da terra – como desmatamento e queimadas –, as atividades agropecuárias respondem por 74% do total de emissões no Brasil. Dentro do setor agropecuário, a pecuária emitiu 503.531.709 toneladas de CO2e (GWP-AR5) em 2023, o que representa 80% das emissões do setor e 22% das emissões brutas nacionais.
Por outro lado, projeções do WRI Brasil mostram que atividades sustentáveis podem proteger até 25 hectares por unidade produtiva. Os dados da Conexsus demonstram que as Unidades Familiares de Produção da Agricultura Familiar, Povos e Comunidades Tradicionais possuem, em média, 30 hectares. Estima-se que cerca de 300.000 hectares possam ser protegidos com a expansão do crédito para a sociobioeconomia.
Uma das reivindicações da campanha é que o valor destinado à sociobioeconomia pelo Pronaf aumente para 5%, com o valor passando de R$194 milhões para R$470 milhões. O valor para a pecuária convencional reduziria de 91,5% para 86%, enquanto o destinado à agricultura diversa se manteria em 8,5%.
Campanha reivindica mudanças para incluir de forma mais justa os povos e comunidades tradicionais
A Campanha “Sociobioeconomia no Pronaf”, do Observatório das Economias da Sociobiodiversidade (ÓSocioBio), propõe mudanças urgentes no Plano Safra 2025/2026 e no Manual de Crédito Rural (MCR) para adaptar o Pronaf às realidades dos povos e comunidades tradicionais, agricultores familiares e negócios comunitários da sociobioeconomia.
Algumas das propostas prevêem eliminar entraves documentais, reconhecer juridicamente os modos de vida desses públicos e descentralizar a emissão do CAF, incluindo a permissão para que cooperativas e associações emitam o documento.
Também há previsão de soluções inovadoras para inclusão bancária — como aplicativos com funcionamento offline e validação por biometria ou vídeo para agricultores analfabetos —, fortalecendo a autonomia dos territórios e o acesso ao crédito em regiões historicamente excluídas.
Além disso, a campanha defende o protagonismo da restauração produtiva e das cadeias da sociobiodiversidade na estratégia de financiamento rural sustentável do país.


Para isso, propõe metas claras — como a destinação de R$ 10 bilhões do PRONAF para essas atividades e 20% das operações voltadas a sistemas não monocultivos —, além de incentivos econômicos para instituições financeiras e maior remuneração para assistência técnica e projetos voltados à agroecologia, energia renovável e SAFs.
As medidas consolidam a sociobioeconomia como eixo estruturante do desenvolvimento sustentável, promovendo justiça social, segurança climática e valorização dos territórios.
“Sem acesso adequado ao crédito, as cadeias da sociobiodiversidade ficam travadas. Essa campanha é fundamental para mostrar que financiar a sociobioeconomia é uma estratégia concreta à crise climática e às desigualdades nos territórios, que alia conservação e geração de renda com base nos ativos da floresta.”, conclui Laura Souza, secretária executiva do Observatório.
Entidades representativas do setor agropecuário, como o Sistema FAEP, a Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores Familiares do Estado do Paraná (Fetaep), a Organização das Cooperativas do Estado do Paraná (Ocepar) e a Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento do Paraná (Seab), já encaminharam propostas ao governo federal.
Essas propostas incluem a solicitação de R$597 bilhões em crédito rural e R$4 bilhões para subvenção ao seguro rural para o próximo Plano Safra.
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Em março, o Observatório enviou uma nota técnica ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) apresentando propostas para adaptar as políticas de crédito rural à realidade das comunidades tradicionais, extrativistas e agricultores familiares, promovendo o acesso ao crédito para sistemas produtivos sustentáveis, especialmente nos biomas como a Amazônia.
“Precisamos de regras de acesso ao Pronaf que sejam mais adequadas ao público, de fato, em especial o Pronaf B, de entrada. Discutir a dinâmica de uso da terra, considerando territórios coletivos, as famílias da agricultura familiar e povos e comunidades tradicionais, em relação à política pública de crédito rural é fundamental. As pessoas precisam acessar e promover um novo modelo de desenvolvimento econômico para a Amazônia e o Brasil.”, reforça Fabíola Zerbini, diretora executiva da Conexsus.
Integram o ÓSocioBio as seguintes organizações: Instituto Socioambiental (ISA), Instituto Conexões Sustentáveis – Conexsus, Instituto Sociedade População e Natureza (ISPN), Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), Rede Cerrado Coletivo da Castanha, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), Federações dos Trabalhadores na Agricultura (FETAGs), Central Única dos Trabalhadores (CUT), universidades e centros de pesquisa, Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CONDRAF), Conselhos Estaduais de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário, Entidades representativas de povos e comunidades tradicionais, indígenas e quilombolas.