#ElasQueLutam! Atenta à luta pelo território desde criança, a jovem indígena tornou-se advogada por acreditar no coletivo e querer contribuir com seu povo
Quando criança, Samara Pataxó queria ser professora. “Eu tinha a intenção de crescer e ser uma profissional que somasse [na luta]”, conta. Foi assim até o Ensino Médio, quando, após um período como Jovem Aprendiz no escritório da Fundação Nacional do Índio (Funai), decidiu se tornar advogada.
“Eu vi que não só a minha aldeia, mas outras, enfrentavam problemas parecidos: falta de políticas públicas, falta de demarcação. Foi aí que eu escolhi um curso que eu pudesse ajudar o meu povo”.
Mas a dedicação com a luta pelos direitos dos seus começou bem antes. Aos dez, presenciou a demarcação da Terra Indígena Coroa Vermelha (BA), em um processo incompleto que deixou de fora vários trechos de ocupação tradicional e consolidou dentro dela a importância da luta pela defesa o território. Desde cedo, observou a atuação do avô, Manuel Siriri, liderança fundamental na organização da comunidade indígena de Coroa Vermelha.
Mas é à escola básica, que frequentou dentro do território, que ela atribui sua formação para o movimento indígena.
“Meus avós, meus pais, não tiveram acesso à escola, ao ensino. Mas eu tenho a sorte de crescer em uma geração em que essa situação se tornou diferente,” comenta. “A gente tem na escola indígena o ensino da língua materna, o fortalecimento da cultura, da nossa identidade. Há todo um preparo da criança indígena para ela ser uma adulta que vai estar na luta. E essa foi a minha formação”.
Antes mesmo de se formar, Samara já participava de reuniões da comunidade, auxiliava as lideranças a elaborarem documentos e denúncias e atuava na assessoria jurídica de organizações de base. “O meu estágio foi na luta”, relata. Um contraste claro à experiência universitária, onde as questões indígenas mal eram abordadas.
“[Com] o sistema de cotas, você começa a ter indígenas, negros, quilombolas, na universidade. Porém, o tipo de ensino é o mesmo, os professores são os mesmos”, explica.
O curso universitário foi um desafio. Não só ela estava vivendo há 700 quilômetros de casa, em Salvador, mas ainda precisava se desdobrar para incluir a perspectiva do direito indígena nas discussões em classe. Mas, entendendo sua presença na universidade como uma estratégia de luta construída desde muito antes, por todos que acreditaram nela, seguiu em frente e concluiu o curso.
Outra das inspirações de Samara para cursar direito tem nome e sobrenome: Joenia Wapichana, hoje deputada federal pela Rede de Roraima, a primeira mulher indígena a eleger-se para o Congresso. À época, Joenia começava a ganhar relevância no cenário nacional por ser a primeira advogada indígena a fazer uma sustentação oral no Supremo Tribunal Federal (STF), no caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR).
“Ter mulheres indígenas como referência é muito importante. Essas mulheres que acabam assumindo certos protagonismos, sendo pioneiras em determinados lugares, elas abrem caminhos para outras mulheres”, explica. “Eu recebo feedbacks diariamente de outras mulheres jovens indígenas. Assim como eu tive a Joenia como inspiração, essas meninas jovens têm a mim.”
Em 2021, Samara pôde seguir os passos da parlamentar, fazendo a primeira sustentação oral de sua vida no STF, durante o julgamento que irá definir o entendimento sobre a tese do “marco temporal” das demarcações. “Foi uma megaresponsabilidade. Como eu iria sintetizar uma defesa tão importante em cinco minutos? Quais [seriam] as minhas contribuições nesse tema?”, relembra.
Apesar do nervosismo, ela criticou o marco temporal de maneira brilhante e foi bastante elogiada nas redes sociais. “Não há como construir uma tese sobre Terras Indígenas sem considerar as vidas dos povos indígenas,” salientou em sua sustentação. “E não há como falar de vida sem a proteção de nossos territórios”.
🏹 Samara Pataxó (@PataxoSamara)
— socioambiental (@socioambiental) 2 de setembro de 2021
✅ Povo Pataxó, na Bahia
✅ Assessora jurídica da @ApibOficial
✅ Doutoranda em Direito na @unb_oficialhttps://t.co/w5SzDCfou1
O julgamento foi um dos pontos altos de uma intensa trajetória de atuação no movimento indígena. Nos últimos anos, Samara passou pelas instâncias local, regional e nacional, trabalhando no Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (Mupoiba), na Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme) e n Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Agora, continua a batalha por direitos indígenas em novas trincheiras, assessorando e implementando um núcleo de diversidade no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
“É uma grande responsabilidade [ocupar esses espaços]. Além de trazer o peso de uma representatividade indígena, também temos que passar por um julgamento pelas pessoas que estão no sistema de Justiça, [sobre] se a gente é capaz mesmo,” finaliza.
“O que me move é valorizar aqueles que lutaram para que eu estivesse aqui, mas também saber que o que eu faço tem importância e representatividade para pessoas que querem fazer a diferença”.
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