Leia artigo da equipe do Redário, publicado originalmente na página da Década da ONU para Restauração de Ecossistemas
* Artigo originalmente publicado em inglês no site da Década da Restauração de Ecossistemas da ONU
** Autores: Danielle Celentano, Eduardo Malta, Rodrigo Junqueira, Beatriz Murer, Matheus Rezende e Andrea Ono.
A restauração de ecossistemas emerge como uma solução baseada na natureza crucial para enfrentar os desafios da crise climática, da perda de biodiversidade e da escassez de água. Além de sua importância ecológica, a restauração gera impactos positivos diretos e indiretos na economia e no bem-estar humano, da escala local à global. Reconhecendo sua importância e urgência, as Nações Unidas declararam esta a 'Década da Restauração de Ecossistemas'. No Brasil, o Instituto Socioambiental (ISA), uma organização da sociedade civil brasileira sem fins lucrativos estabelecida em 1994, tem se dedicado ativamente à restauração da Amazônia há 20 anos. O ISA é um Ator da Década da ONU e contribui ativamente para seus objetivos. Através da implementação do método de restauração 'Muvuca' e do fortalecimento das redes de sementes nativas de base comunitária, o ISA tem defendido a restauração ecológica com foco em alta biodiversidade. Esta abordagem promove a economia da sociobiodiversidade com a cadeia de sementes nativas e o bem-estar dos coletores de sementes, ao mesmo tempo em que protege territórios e conhecimentos tradicionais.
O Método de Restauração 'Muvuca'
Inspirado pela natureza e aprendendo com o conhecimento tradicional dos povos indígenas, o ISA abraçou o método de restauração da 'Muvuca' através do plantio direto de sementes. Muvuca é uma mistura de sementes de dezenas de espécies nativas em diferentes estágios sucessionais, plantadas todas de uma vez para imitar mecanismos naturais de regeneração, como o banco de sementes no solo e a chuva de sementes. Este sistema inovador emprega uma alta diversidade de espécies e garante eficiência operacional, permitindo a restauração mecanizada com redução no tempo e custo de plantio e manutenção. O plantio pode ser feito manualmente ou mecanizado utilizando tratores e plantadeiras agrícolas, possibilitando escalabilidade e plantio até 20 vezes mais rápido em comparação com o plantio de mudas, a um custo muito menor. Com seus benefícios ecológicos e econômicos cientificamente comprovados,, a metodologia é elegível para acreditação de carbono conforme os padrões do UNDCC.
Até hoje, o ISA e seus parceiros já restauraram mais de 11.000 hectares de florestas utilizando o método da Muvuca, com centenas de espécies nativas; isso se traduz em aproximadamente 33 milhões de novas árvores crescendo e sequestrando 80.000 toneladas de dióxido de carbono anualmente. Além de implementar a restauração em suas áreas de atuação na Amazônia, o ISA e seus parceiros também promovem a disseminação do método Muvuca por todo o Brasil por meio de outra iniciativa - 'Caminhos da Semente'. Esta iniciativa está em andamento desde 2018 em parceria com organizações da sociedade civil, redes de sementes, cooperativas, empresas, universidades e instituições de pesquisa.
Passo a Passo do Método da 'Muvuca'
O método da 'Muvuca' pode ser utilizado para o plantio de áreas inteiras, densificação ou enriquecimento de áreas de regeneração natural e plantio de mudas, estabelecimento de áreas de nucleação e criação de Sistemas Agroflorestais regenerativos. A seleção das espécies pode se dar por critérios ecológicos, econômicos ou bioculturais. Os benefícios econômicos de áreas restauradas com Muvuca incluem produção de culturas de ciclo curto nos primeiros anos, madeira, frutas, outros produtos florestais não madeireiros (PFNMs), bem como créditos de carbono e créditos de biodiversidade. Veja abaixo um guia conciso passo a passo do método 'Muvuca' (informações detalhadas e gráficos estão disponíveis em dois guias técnicos) ,:
- Passo 1 - Sementes: Obtenha sementes ortodoxas da mesma vegetação e região de onde será realizado o plantio, evite espécies invasoras e armazene as sementes adequadamente. Calcule a mistura Muvuca, considerando várias espécies com diferentes expectativas de vida. Para formar uma floresta, a mistura deve incluir um mínimo de espécies com uma expectativa de vida de até 1 ano, arbustos e trepadeiras com uma expectativa de vida de até 3 anos, árvores com uma expectativa de vida de até 30 anos e árvores centenárias. Todas devem ser misturadas em uma proporção calculada para garantir uma boa cobertura do solo a partir do segundo mês após o plantio (consulte a tabela abaixo como referência).
- Passo 2 - Planejamento do Plantio: Escolha entre o plantio mecanizado ou manual com base no terreno e nas condições socioculturais. Misture todas as sementes usando uma betoneira ou lona e adicione areia para consistência. Plante no início das chuvas. Ajuste a profundidade de plantio com base no tamanho e formato das sementes.
- Passo 3 - Preparação do Local: Isole a área de plantio de fatores que possam dificultar a restauração. Elimine ou reduza as plantas daninhas e invasoras (manualmente, por meio de pastoreio ou quimicamente). Faça o revolvimento e a nivelação do solo. Considere a utilização de cobertura morta.
- Passo 4 - Semeadura: Utilize a semeadura mecanizada ou manual para espalhar as sementes regularmente por toda a área, em seguida, arar levemente para enterrar as sementes. A semeadura em linhas pode ser feita manualmente ou com máquinas semeadoras. Para semeadura em coveta, semeie manualmente e cubra as sementes com cerca de uma polegada de solo solto. Mudas de espécies recalcitrantes ou outras espécies de interesse podem ser plantadas após a semeadura. Escolha a técnica mais adequada dependendo do tipo de solo, inclinação, condições de regeneração e disponibilidade de máquinas e trabalhadores.
- Passo 5 - Manejo até 3 Anos: É crucial seguir um plano de manejo bem definido durante os primeiros 3 meses, quando a maioria das sementes deve germinar e estabelecer uma vegetação densa. Monitore parâmetros de cobertura vegetal, riqueza e densidade de árvores para tomar ações como o controle de plantas invasoras, formigas ou replantio. Colha culturas de ciclo curto como feijão, maracujá e abóboras durante este período.
- Passo 6 - Manejo de 3 a 6 Anos: Plante sementes ou mudas nas clareiras. Mudas de espécies recalcitrantes ou de interesse podem ser incluídas nessa fase. Colha frutas e madeira leve. Controle as plantas invasoras, quando necessário.
- Passo 7 - Manejo dos 7 Anos em diante: Pode-se fazer a poda para aumentar a luz e promover o crescimento das espécies desejadas. Realize o desbaste e obtenha autorização para cortes de madeira. Desenvolva um plano de manejo considerando os ciclos de frutificação, colheita de madeira e regeneração natural. Sempre observe a regeneração natural em sua floresta para garantir a renovação ao longo desses ciclos. Um dos melhores indicadores para a restauração ecológica é o surgimento de plantas nativas regenerantes que não foram plantadas.
As Sementes da 'Muvuca' - a Iniciativa Redário
O plantio direto com Muvuca requer quantidades substanciais de sementes. A coleta e o processamento de sementes são atividades intensivas em mão de obra, criando oportunidades de emprego e renda para as comunidades locais em seus territórios e estabelecendo uma cadeia de valor que conserva os ecossistemas. Além dos benefícios ecológicos, a restauração com Muvuca promove o desenvolvimento de uma cadeia produtiva de sementes nativas de base comunitária, conhecida como Redes de Sementes. Dezesseis anos atrás, a partir da campanha Y Ikatu Xingu do ISA ("Salve as boas águas do Xingu"), surgiu a Rede de Sementes do Xingu, que agora se tornou uma organização independente reconhecida internacionalmente por seu trabalho, também parceira da Década das Nações Unidas. Em 2020, a rede recebeu o Prêmio Ashden, um prêmio internacional para soluções climáticas. Muitos grupos e redes de coletores de sementes surgiram no Brasil e, em 2022, nasceu o Redário para apoiar sua profissionalização dessas redes e seu acesso ao mercado.
O Redário é uma articulação entre redes e grupos de coletores de sementes, com o objetivo de aumentar os impactos socioambientais positivos dos projetos de restauração no Brasil. Ele enfatiza o comércio justo, a colaboração, a ampla diversidade genética e a rastreabilidade. Os negócios de sementes nativas geram renda e emprego para as comunidades em seus territórios, especialmente para as mulheres. Ele cria oportunidades para inovação e crescimento profissional de jovens a idosos em várias áreas, desde aspectos técnicos relacionados a sementes até contabilidade, marketing e comunicação. Eles possibilitam a diversificação econômica para essas populações, melhorando suas condições de vida e resiliência social. As comunidades quilombolas, ribeirinhas, indígenas, geraizeiros, rurais e urbanas de coletores de sementes fornecem para uma restauração ecológica eficaz e econômica, enquanto as sementes carregam os valores dos territórios conservados, do conhecimento tradicional e da inclusão social na luta contra a emergência climática.
O Redário apoia a profissionalização da governança das redes de sementes, contratos, gestão, capacitação, disseminação de conhecimento, reuniões e trocas, conformidade com a legislação e outros aspectos. Também conectamos pesquisadores nas áreas de sementes nativas e restauração para aprimorar técnicas, análises e influenciar políticas públicas que permitam iniciativas de semeadura comunitária e direta (Confira nossa última Nota Técnica em AQUI). Atualmente, o Redário reúne 24 redes de sementes articuladas e cerca de 1.200 participantes. Até 2023, o Redário comercializou mais de 63 toneladas de sementes de 275 espécies nativas. Isso gerou uma renda superior a 2,5 milhões de reais para os coletores e proporcionou apoio para a restauração de 11.000 hectares por meio do método Muvuca em mais de 95 projetos em diferentes Biomas Brasileiros (Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica e Caatinga).
Desafios e Oportunidades para Promover a Restauração com Sementes
Os desafios na promoção do método de restauração da Muvuca incluem barreiras culturais e o desconhecimento da maioria dos praticantes de restauração no Brasil sobre a técnica. Além disso, dar suporte às redes de sementes nativas representa um desafio significativo, pois requer muita confiança e um delicado equilíbrio entre a demanda e a oferta de sementes. Muitas vezes, as demandas por sementes surgem no último minuto, faltando o aviso prévio que esse processo de coleta de sementes requer devido às condições naturais. Os compradores de sementes para projetos de restauração precisam antecipar sua demanda por sementes nativas, fazendo pedidos antecipados e estabelecendo contratos justos com as organizações de coletores de sementes. Além disso, o fornecimento de sementes nativas para restauração encontra barreiras políticas e legais caracterizadas por regulamentações excessivas e requisitos inadequados, escassez de laboratórios de sementes e falta de diretrizes para testar a qualidade das sementes nativas., Por fim, o valor da semente muitas vezes não é suficiente para cobrir todos os custos necessários para a compensação justa dos coletores e de todo o processo envolvido. Para ampliar a escala, mecanismos financeiros adicionais, como subsídios fiscais, Pagamento por Serviços Ambientais e filantropia, ainda são necessários.
O Brasil se comprometeu com metas ambiciosas de restauração em diversos acordos internacionais sobre clima e biodiversidade. Esses compromissos estão ancorados em leis e políticas públicas que promovem a conservação e restauração tanto em áreas públicas quanto privadas. No entanto, o país ainda não consegue implementar plenamente essas políticas e alcançar as metas estabelecidas. A restauração deve ser integrada a um novo paradigma nacional de desenvolvimento, alinhando benefícios ambientais, socioculturais e econômicos.
A sociedade civil organizada, em colaboração com povos indígenas, populações tradicionais e comunidades locais - os guardiões das florestas, campos e savanas - tem muito a contribuir de forma colaborativa. O método de restauração da 'Muvuca' pode contribuir para ampliar os esforços de restauração, oferecendo custos reduzidos e maior diversidade de espécies, restaurando assim ecossistemas com maior resiliência. Ao mesmo tempo, a demanda por sementes nativas cria um ciclo de promoção da conservação e do bem-estar. Essa abordagem colaborativa é essencial para impulsionar a Década das Nações Unidas para a Restauração de Ecossistemas no sentido de alcançar suas metas de restauração na busca de um futuro mais sustentável e resiliente no Brasil e no mundo.
Equipe Redário: Eduardo Malta (ISA/ Redário), Aline Ferragutti (ISA/ Redário), Andrea Ono (Redário), Beatriz Murer (ISA/ Redário), Danielle Celentano (ISA/ Redário), Elisângela Xipaia (ISA/ Redário), Emerson Cadete (ISA/ Redário), Giovanna Bernardes (ISA/ Redário), Juliano Nascimento (ISA/ Redário), Luciano Eichholz (ISA/ Redário), Matheus Rezende (ISA/ Redário), Milene Alves (ISA/ Redário), Rodrigo Junqueira (ISA/ Redário), Diego Lucena (ISA/ Redário), Anabele Gomes (UnB/ RSC/ Redário), Camila Motta (RSC/ Redário), Cibele Santana (RSC/ Redário), André Benedito (consultor), Maria Eduarda Camargo (RSC/ Redário), Natanna Horstmann (RSC/ Redário), Pedro Guimarães (Terrakrya/ Redário), Laura Antoniazzi (Agroicone/ Redário) and Edézio Miranda (Agroicone/ Redário), Henrique Oliveira (Agroicone/ Redário).
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