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Mudança climática será nosso novo 7 x 1?

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Márcio Santilli, sócio fundador do ISA

Possível novo ciclo de alta do desmatamento ameaça metas de redução de emissões de gases de efeito estufa. Confira artigo de Márcio Santilli

30 de junho de 2013, Maracanã. O Brasil bate a poderosa seleção espanhola por 3 a 0, na final da Copa das Confederações. Resultado surpreendente porque a Espanha era então campeã mundial e a seleção brasileira estava desacreditada antes do torneio. Foi uma inversão total de expectativas. Caímos na euforia e voltamos a ser favoritos para a campeonato mundial do ano seguinte. Oito de julho de 2014, Mineirão. O Brasil perde por 7 a 1 da Alemanha, nas semifinais da Copa do Mundo. A maior derrota do escrete nacional na história das copas foi igualmente inesperada porque, por mais que o time continuasse sem encantar, vínhamos do resultado positivo do ano anterior sobre os campeões mundiais. De tão acachapante, o desastre virou metáfora para nossos insucessos em outras áreas, além do futebol.

Em poucos meses, fomos do céu ao inferno numa esfera que, apesar de tudo, sempre nos consideramos entre os melhores. Mas essas não são as únicas “vantagens comparativas” que estamos colocando em risco diante do mundo.

Há alguns dias, vazou na imprensa a taxa oficial revisada de desmatamento da Amazônia, entre agosto de 2014 e julho de 2015. Foram destruídos 6.207 km2 de floresta, e não 5.831 km2, como divulgado preliminarmente em novembro, um acréscimo de 6,45%. Assim, o aumento em relação a 2013-2014 foi de 24%, e não de 16% – o maior em quatro anos.

Ainda não há uma justificativa para uma diferença tão grande e inusual entre o dado preliminar e o definitivo, mas espera-se que isso seja esclarecido no seminário que o Ministério do Meio Ambiente promoverá, nesta semana, sobre o assunto. O evento contará com pesquisadores e representantes da sociedade civil e resgata uma prática de avaliação participativa abandonada no governo anterior. A expectativa é que a discussão aponte sugestões e prioridades para a retomada do Plano de Combate ao Desmatamento na Amazônia.

O novo aumento da taxa reforça movimento de alta iniciado em 2012, quando se encerrou um ciclo virtuoso de cinco anos seguidos de redução do índice. Ele também finaliza o período de cinco anos e meio do governo Dilma Rousseff, cujo início beneficiou-se desse ciclo construído anteriormente (veja gráfico abaixo). Apesar disso, na administração Dilma o Código Florestal foi fragilizado e intensificou-se a execução de grandes obras na Amazônia, indutoras do desflorestamento. Nos últimos anos, o desmatamento também vem crescendo em outros biomas, especialmente no Cerrado.

A extensão desmatada entre 2014 e 2015 na Amazônia está ainda distante de nossos recordes pornográficos: 29 mil km2, em 1994-1995; 27,7 mil km2, em 2003-2004; 19 mil km2, em 2004-2005. Essas taxas suscitaram fortes pressões internacionais sobre o Brasil, que alcançava, então, os primeiros lugares no ranking dos maiores emissores mundiais de gases do efeito estufa, responsáveis pelo aumento da temperatura média do planeta, do nível dos oceanos e da intensidade das catástrofes climáticas.

E as nossas metas de redução de emissões?

Emissões de gases decorrentes de queimadas e desmatamento constituem a parte menor das emissões globais, que provém majoritariamente da queima de combustíveis fósseis. No caso do Brasil, diferentemente, a destruição da floresta representa hoje cerca de 40% das emissões, segundo o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) do Observatório do Clima.

A taxa revisada de desmatamento anunciada agora lança dúvidas sobre a capacidade do Brasil de cumprir a meta de redução das emissões decorrentes de desmatamento para 2020, incluída na legislação: uma queda de 80% do corte raso da floresta amazônica em relação à média entre 1996 e 2005, ou seja, 3,9 mil km2 de desflorestamento. Esse compromisso foi voluntariamente apresentado na Conferência da ONU de mudanças climáticas de 2009, em Copenhague, quando o presidente Lula foi o primeiro chefe de estado de um país emergente a comprometer-se com uma meta absoluta de redução de emissões.

Também preocupa o impacto da nova tendência de alta sobre a meta de redução das emissões totais assumida pelo Brasil na Conferência de Paris, em dezembro, igualmente transformada em lei: uma redução de 37%, em 2025, e de 43%, em 2030, em comparação aos níveis de 2005, por meio, entre outras ações, do fim do desmatamento “ilegal” na Amazônia em 2030 (saiba mais).

“A cada ano que mantemos a taxa atual por volta dos 5 mil km2, oscilando um pouco para mais ou para menos, estamos anulando o sucesso de redução que tivemos no período de 2005 até 2011”, analisa Paulo Moutinho, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). “A redução do desmatamento a zero, mesmo que seja somente o ilegal, precisa acontecer muito antes de 2030. Se nós não tivermos, efetivamente, medidas para que isso aconteça, dada a manutenção do patamar de 5 mil km2, atingir o que a meta estabelece vai ficar, a cada ano, mais difícil”, completa.

O pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) Paulo Barreto associa o novo salto nas taxas não apenas à flexibilização do Código Florestal e à redução de Unidades de Conservação promovidos nos últimos anos, mas também à sinalização política dessas iniciativas. “A queda do desmatamento, que indicava que o Brasil atingiria suas metas, foi baseada em políticas bem específicas e bem sucedidas. Essas políticas foram enfraquecidas”, avalia.

O que mais surpreende no salto da taxa de desmatamento é a sua ocorrência num período de inédita depressão econômica. Via de regra, as crises econômicas implicam em queda nas emissões, mas o Brasil caminha para ser uma exceção. Mesmo com uma redução de 3,8% do PIB em 2015, que será seguida por outra queda em 2016 na mesma ordem, e mesmo supondo que a depressão resulte na redução de emissões em outros setores da economia, deve haver aumento nas emissões brasileiras em geral. O impacto relativamente menor da crise econômica sobre as atividades agropecuárias e a capacidade delas de impulsionar o desflorestamento podem ajudar a explicar essa perversa situação.

A verdade é que os governos Lula e Dilma apresentaram metas que tinham como níveis de referência taxas altas de desmatamento, mas o fizeram em momentos em que já estava estabelecida uma tendência de decréscimo da destruição da floresta – que agora parece estar sendo revertida. A intenção foi fortalecer a posição do Brasil nas negociações internacionais, o que é legítimo, mas não evitou que o país se aproximasse de 2020 e do início do período de compromissos do Acordo de Paris na contramão do processo de redução das emissões globais.

O fato é que estamos colocando em risco uma meta que, num período de euforia com a queda do desflorestamento, chegamos a considerar que cumpriríamos facilmente. Será que as mudanças climáticas serão nosso novo 7 x 1?

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