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Indígenas, ribeirinhos, jovens e cientistas no centro do debate sobre o futuro da Amazônia

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Isabel Harari

Cerca de 300 pessoas se reuniram em Altamira (PA) no evento “Amazônia Centro do Mundo” para discutir soluções sustentáveis para a floresta

Entre os dias 17 e 19 aconteceu em Altamira (PA) o encontro "Amazônia Centro do Mundo', com debates, manifestações culturais e rodas de conversa. Mais de 300 pessoas, entre indígenas, ribeirinhos, agricultores, quilombolas, movimentos sociais, jovens ativistas pelo clima e cientistas se reuniram na Universidade Federal do Pará (UFPA) para firmar seu compromisso em defesa da Amazônia.

O cacique Raoni Metuktire, liderança histórica do povo Kayapó, pediu paz. “Estou aqui para defender a Amazônia e pedir que todos tenham calma, que a paz venha até nós. Venho para pedir que os não indígenas respeitem nossas matas, porque a floresta é a nossa vida. Eu não quero violência”.

“Diante da catástrofe em curso, nós, movimentos sociais e sociedade organizada, povos indígenas, ribeirinhos e quilombolas, cientistas e ativistas climáticos do Brasil e do Mundo vencemos muros e barreiras para unirmos nossas vozes em torno de um objetivo comum: salvar a floresta e lutar contra a extinção das vidas no planeta”, diz o manifesto lido por nove mulheres indígenas, ribeirinhas, quilombolas e representantes de movimentos sociais. [Assine o manifesto aqui e leia na íntegra abaixo]

Após a mesa de abertura com mais de 15 oradores, os participantes se dividiram em grupos de trabalho temáticos para debater soluções sustentáveis para a Amazônia. Durante os dois dias, os participantes puderam expressar de forma democrática suas demandas e ideias pelo futuro da floresta em diversos espaços no evento.

“Liberdade e democracia só se faz quando há respeito às diferenças. Importantes momentos como esse onde paramos para escutar uns aos outros com respeito”, disse Dom João Muniz, bispo da Prelazia do Xingu.

“O evento foi muito importante para a nossa região, que historicamente está no centro das discussões relativas ao meio ambiente e ao desenvolvimento sustentável. O caminho é construir pontes entre os setores que produzem e querem viver com qualidade”, ponderou Claudomiro Gomes, ex prefeito de Altamira.

Na tarde do dia 19/11, cerca de 200 pessoas marcharam pelas ruas de Altamira segurando cartazes com os dizeres como “Viva a juventude de Altamira”, “Viva as mulheres da Amazônia” e “Justiça climática já”. Os participantes percorreram as ruas da cidade até o Parque Igarapé Altamira, onde plantaram dezenas de mudas de árvores em homenagem às vítimas da violência e aos defensores do direitos humanos.

19 de novembro de 2019, Altamira (PA)

Manifesto Amazônia Centro do Mundo

Na época da emergência climática, a Amazônia é o centro do mundo. Sem manter a maior floresta tropical do planeta viva, não há como controlar o superaquecimento global. Ao transpirar, a floresta lança 20 trilhões de litros de água na atmosfera a cada 24 horas. A floresta cria rios voadores sobre as nossas cabeças maiores do que o Amazonas. O suor da floresta salva o planeta todos os dias. Mas esta floresta está sendo destruída aceleradamente pelo desenvolvimento predatório e corre o risco de alcançar o ponto de não retorno em alguns anos.

Diante da catástrofe em curso, nós, movimentos sociais e sociedade organizada, povos indígenas, ribeirinhos e quilombolas, cientistas e ativistas climáticos do Brasil e do Mundo vencemos muros e barreiras para unirmos nossas vozes em torno de um objetivo comum: salvar a floresta e lutar contra a extinção das vidas no planeta.

Nós, que nos unimos no centro do mundo, perguntamos:
- Diante da emergência climática, estamos todos no mesmo barco?

E declaramos:

Não.

A maioria tem um barco de papel, uma minoria um transatlântico. Aqueles que provocaram a crise climática serão os menos afetados por ela. Aqueles e aquelas que não a provocaram já estão sofrendo e são os que mais sofrerão os impactos e também os que sofrerão primeiro. Já sofrem. Deslocaremos o que é centro e o que é periferia, unindo as comunidades urbanas às comunidades da floresta, para que assumam o lugar ao qual pertencem: o centro. Combateremos o apartheid climático e o racismo ambiental que tenta cercar o planeta com muros para os mais afetados não poderem entrar. Não permitiremos que este planeta se torne um condomínio.

Lutaremos contra todas as formas de morte.

Nós, que nos unimos no centro do mundo, perguntamos:
- Que soberania é esta em que uma empresa, a Norte Energia S.A., controla a água do rio Xingu para mover a Usina Hidrelétrica de Belo Monte? E, assim, tem poder de vida e morte sobres povos e ecossistemas inteiros?

E declaramos:

Isso não é soberania, isso é ecocídio. E é também genocídio.

Lutaremos contra todas as formas de morte.

Nós, que nos unimos no centro do mundo, perguntamos:
- Que nacionalismo é este que pretende entregar a Volta Grande do Xingu para uma mineradora canadense, a Belo Sun, explorar ouro e depois deixar como legado um cemitério tóxico para o Brasil?

E declaramos:

Isso não é nacionalismo, é submissão. E é crime.

Lutaremos contra todas as formas de morte.

Nós, que nos unimos no centro do mundo, perguntamos:
- Que governo é este que suspendeu as demarcações das terras indígenas, públicas, e pretende abrir as terras já demarcadas para exploração e lucros privados?

E declaramos:

Este não é um governo para todos os brasileiros, mas uma ação entre amigos. Exigimos que o governo demarque as terras indígenas, quilombolas e ribeirinhas de acordo com a Constituição.

Lutaremos contra todas as formas de morte.

Nós, que nos unimos no centro do mundo, perguntamos:
- Que desenvolvimento para a Amazônia é este, que reduz milhões de espécies a soja, boi, minério, especulação de terras e obras de destruição ?

E declaramos:

Isso não é desenvolvimento. É predação. Lucro de poucos à custa da morte de muitos. Em vez de desenvolvimento, queremos envolvimento. Queremos Consulta Livre prévia e Informada. Queremos salvaguardas para os povos nas negociações climáticas. É a floresta e a economia da floresta que precisam crescer.

Agricultores familiares e produtores rurais que respeitam os limites legais e estão buscando modelos de múltiplas espécies para um envolvimento ajustado a tempos de crise climática, devem ser valorizados. Reflorestemos as áreas destruídas.

Lutaremos contra todas as formas de morte.

Nós, que nos unimos no centro do mundo, perguntamos:
- Como a supremacia branca e patriarcal determinou a violência contra a Amazônia e contra as mulheres?

E declaramos:

Parte das elites políticas e econômicas do Brasil enxergam a floresta da mesma forma que enxergam as mulheres: como um corpo para violação e exploração.
As mulheres lideram as lutas na Amazônia e, como a floresta, são também, junto com a juventude negra e pobre, as que mais sofrem violência. Precisamos barrar a violação dos corpos.
Lutaremos contra todas as formas de morte.

Nós, que nos unimos no centro do mundo, perguntamos:
- Quem são vocês, os que cortam as árvores e as vidas, os que envenenam os rios e as matas com agrotóxicos, mercúrio e cianeto, os que secam as águas, os que arrancam as crianças das florestas e as jogam nas periferias urbanas destituídas de tudo e também de memória?

E declaramos:

Vocês veem a floresta e os rios como mercadoria, como recursos a serem explorados. Vocês veem os humanos e os não humanos como descartáveis. Vocês são os que tiveram a alma asfixiada por concreto. Vocês são os que não amam nem mesmo os próprios filhos porque não se importam se eles não tiverem futuro.
Lutaremos contra todas as formas de morte.

Nós, que nos unimos no centro do mundo, perguntamos:
- Quem somos nós?

Nós somos aqueles e aquelas que não possuem a floresta. Nós somos floresta. Nós somos aqueles e aquelas que não destruímos a natureza. Nós somos natureza. Nós somos aqueles e aquelas que temos várias cores e formas e línguas e sexualidades e cosmologias e culturas.
Somos também aqueles e aquelas que fazemos das diferenças a nossa força. Os que respeitam todas as gentes, as humanas e as não humanas. Aqueles e aquelas que querem viver e fazer viver. Somos também aqueles e aquelas que sabem que não há os de dentro e os de fora. Somos todos e todas de dentro na única casa que temos. Nós somos aqueles e aquelas que queremos garantir um futuro até mesmo para os filhos daqueles que tentam nos destruir.

Nós, que nos unimos no centro do mundo, perguntamos:
- Qual é a nossa aliança?

E declaramos:

Nossa aliança é pela descolonização de almas e mentes. Unidos no centro do mundo, somaremos o conhecimento dos intelectuais da floresta ao dos intelectuais da universidade; articularemos a experiência dos mais velhos à potência dos mais jovens; faremos o diálogo das identidades; respeitaremos todos os corpos. Sonhamos uma educação com a comunidade e não para a comunidade. Sabemos que só existirá floresta enquanto existirem os povos da floresta. Estaremos juntos, como múltiplos de um, nas lutas de todas as Amazônias. Onde a floresta sangrar, nós estaremos.
Lutaremos contra todas as formas de morte.

Nós, que nos unimos no centro do mundo, perguntamos:
- O que queremos?

E declaramos:

Queremos amazonizar o mundo e amazonizar a nós mesmos.
Liderados pelos povos da floresta, queremos refundar o que chamamos de humano e voltar a imaginar um futuro onde possamos viver.

Associação dos Moradores da Reserva Extrativista Rio Iriri
Associação dos Moradores da Reserva Extrativista do Riozinho do Anfrísio
Coletivo de Mulheres Negras Maria Maria
Coletivo de Mulheres do Xingu
Coletivo de Poetas Marginais
Comissão Justiça e Paz
Conexão África Brasil
Conselho Ribeirinho
Fórum da Amazônia Oriental
Fórum em Defesa de Altamira
Fundação Tocaia
Fundação Viver Produzir e Preservar
Instituto Socioambiental
Movimento dos Atingidos por Barragens
Movimento de Mulheres do Campo e Cidade
Movimento Negro de Altamira
Movimento Xingu Vivo
Oficina Território Livre
Pastoral da Criança
Prelazia do Xingu
REPAM Brasil
REPAM Xingu
Sintepp Regional
Sintepp Subsede
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos
Universidade Federal do Pará – Campus Altamira

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