A Bacia do Rio Negro se estende pelos estados do Amazonas e de Roraima, no Brasil, e também avança pelos territórios vizinhos da Colômbia, Venezuela e Guiana. Na sua porção no Amazonas, a bacia é uma das regiões mais preservadas de todo o bioma amazônico, com biodiversidade incalculável. Por outro lado, a parte da bacia localizada em Roraima vem sofrendo grande degradação ambiental causada pelo garimpo ilegal de ouro, desmatamento e roubo de terra, ou "grilagem de terra".
Aproximadamente 68% da Bacia do Rio Negro no Brasil está formalmente protegida por um conjunto de unidades de conservação e terras indígenas legalmente reconhecidas. A diversidade cultural da região é enorme: ali vivem 45 povos indígenas e estão localizados dois patrimônios culturais do Brasil – a Cachoeira de Iauaretê e o Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro – além do ponto mais alto do Brasil, o Pico da Neblina, lugar sagrado do povo Yanomami.
No Rio Negro, o ISA mantém trabalho de longo prazo e parceria institucional - que nos enche de orgulho - com associações indígenas e suas lideranças, entre elas a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), a Hutukara Associação Yanomami (HAY) e o Conselho Indígena de Roraima (CIR).
Mantemos escritório e equipe na cidade de São Gabriel da Cachoeira (AM), considerado o município mais indígena do Brasil, localizado no Alto Rio Negro. De São Gabriel, também descemos com as águas do Negro para apoiar comunidades e associações indígenas dos municípios de Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos, ambos no Amazonas. Em 2009, o ISA incorporou a organização Comissão Pró-Yanomami (CCPY), sua equipe e legado, abrindo escritório em Boa Vista (RR) e passando a atuar diretamente com o povo Yanomami e outros povos de Roraima.
Atualmente, o ISA atua na Bacia do Rio Negro com a promoção de processos formativos, articulando parcerias para a proteção dos territórios indígenas, valorização da diversidade socioambiental, segurança alimentar das comunidades, desenvolvimento de cadeias de valor da economia da floresta para geração de renda e produção de pesquisas interculturais que dêem visibilidade aos conhecimentos tradicionais e modos de vida das populações que, há muitos anos, mantém as florestas da região preservadas.
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Articulações pelos direitos indígenas ganham força na tríplice fronteira Brasil, Venezuela e Colômbia
ISA e Foirn receberam homenagem da Defensoria Pública do Amazonas; agenda incluiu ainda reuniões com Corregedoria de Justiça do Estado e Segunda Brigada de Infantaria de Selva do Exército
Construir caminhos para o acesso à Justiça na Amazônia foi o mote da Defensoria Pública do Estado do Amazonas na celebração dos seus 33 anos de atividade, comemorados em 17 de abril na Maloca Casa do Saber, no município mais indígena do Brasil, São Gabriel da Cachoeira (AM).
No evento, a Defensoria ressaltou a importância do trabalho interinstitucional e a parceria com organizações da sociedade civil que trabalham pelos direitos indígenas na tríplice fronteira e concedeu ao Instituto Socioambiental (ISA) e à Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) uma menção honrosa pela promoção do acesso à Justiça no Noroeste Amazônico.
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Representantes do ISA e da Foirn recebem a homenagem da Defensoria Pública em São Gabriel da Cachoeira|Juliana Albuquerque Baré/Rede Wayuri
“Sem a parceria das instituições que conhecem a fundo a realidade dos povos indígenas, da cultura local e dos problemas sociais existentes na região, seria inviável realizar o nosso trabalho. Por isso, nesse primeiro ano de atuação do Pólo Alto Rio Negro, agradecemos aos parceiros por somar esforços conosco na melhoria do acesso à Justiça na região”, ressaltou a defensora Isabela do Amaral Sales, coordenadora do Polo Alto Rio Negro, durante solenidade com a presença do defensor geral do Estado do Amazonas, Ricardo Queiroz de Paiva.
Iniciativas conjuntas para promover melhor acesso à Justiça e aos serviços prestados pela Defensoria foram realizadas pelas instituições, dentre elas o atendimento em línguas indígenas, como na língua Hup, feita pelo comunicador Álvaro Socot, do povo Hupd'äh, integrante da Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas, apoiada e articulada pelo ISA junto com a Foirn. “Grande parte do meu povo Hupd'äh vem para a cidade para pegar documentos e não sabe falar bem português e não conhece como fazer esses trabalhos. Por isso, é importante o papel do tradutor”, comentou Socot.
A comunicação da Defensoria com as comunidades se estreitou a partir da aproximação das defensoras Isabela Sales e Danielle Mascarenhas com os meios de comunicação indígenas que levam informação para as comunidades, como o programa Papo da Maloca e o podcast Wayuri.
Os veículos divulgam os serviços, informações e eventos realizados pela Defensoria. Além da assistência jurídica, judicial e extrajudicial integral e gratuita a quem não pode arcar com os custos de um advogado, a Defensoria também presta serviços relacionados a separação, divórcio, pensão alimentícia, guarda e visita de filhos, inventários e investigação de paternidade.
Visita de novo general e corregedor geral de Justiça do AM
A agenda de articulações com instituições do Estado que possuem atuação estratégica na região do Alto Rio Negro incluiu ainda a visita do novo general em São Gabriel da Cachoeira, Nilton Diniz Rodrigues, à sede do ISA.
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General Nilton Diniz Rodrigues com representantes do ISA|Arthur de Queiroz Campos Araújo/ISA
Rodrigues assumiu o comando da Segunda Brigada de Infantaria de Selva em 17 de abril, no lugar do general Ricardo Augusto do Amaral Peixoto.
A reunião contou com a presença de integrantes da equipe do Programa Rio Negro do ISA, que atuam na região em áreas como economia da sociobiodiversidade, turismo indígena de base comunitária, articulação de políticas socioambientais, comunicação e operação logística.
Durante o encontro, foi possível transmitir ao general Diniz alguns desafios do trabalho no Alto Rio Negro e um panorama sociocultural de uma das regiões mais diversas e extensas do Brasil.
Ali, habitam 23 povos indígenas, falantes de 16 línguas, na maior bacia hidrográfica de águas pretas do mundo – considerada a região mais preservada da Amazônia brasileira.
Colaborações e parcerias institucionais em benefício das comunidades indígenas, como apoio logístico para regiões mais remotas onde se localizam os seis pelotões de fronteira (Pefs) do Exército, também foram articuladas durante a conversa.
General Diniz, que foi adido militar nas relações diplomáticas com a Noruega e com o Reino Unido, comentou sobre a extrema relevância da preservação da Amazônia e da diversidade cultural indígena para o Brasil e para o mundo.
Ressaltou ainda que o trabalho de organizações da sociedade civil, como o ISA, junto à opinião pública nacional e internacional, é fundamental para que esforços em prol da valorização, preservação e desenvolvimento sustentável da Amazônia sejam efetivos.
Com foco na defesa dos direitos indígenas, foi realizada ainda reunião em 18 de abril com o corregedor de Justiça do Estado do Amazonas, o desembargador Jomar Ricardo Saunders Fernandes, que esteve em São Gabriel da Cachoeira para acompanhar a primeira visita da Corregedoria Nacional ao município.
A missão teve a presença do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Mauro Campbell Marques, e do corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, também conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
“Estivemos na Comarca de São Gabriel da Cachoeira para mais uma fase dos trabalhos de correição extraordinária no município, que tem o objetivo de verificar a atuação judicial e dos serviços notariais e de registro em ações que envolvam os direitos dos povos originários. E nós, da Corregedoria, conversamos com representantes de entidades, órgãos públicos e instituições do município que tenham relação direta e indireta com os povos indígenas para conhecer o trabalho e os projetos voltados a essa população”, contou Saunders.
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Corregedor estadual de Justiça, Jomar Ricardo Saunders (de camisa azul), em visita ao ISA em São Gabriel|Acyane do Valle/TJ-AM
Durante a reunião no ISA, Saunders conheceu o trabalho realizado pelo Instituto em parceria com a Foirn, com ênfase na defesa de direitos, proteção e gestão territorial, assim como aspectos relacionados à valorização cultural e acesso a políticas públicas. O corregedor recebeu os planos de gestão territorial e ambiental das Terras Indígenas do Rio Negro (PGTAs), realizados a partir do acordo de cooperação técnica entre o ISA, Foirn e a Funai, que visa implementar uma série de ações, projetos e políticas públicas voltadas ao bem viver indígena.
Menção honrosa recebida pelo ISA pela promoção do acesso à Justiça no Alto Rio Negro|Juliana Radler/ISA
Passagem de comando e o desfile da Brigada em frente ao herói indígena Araribóia que dá o nome a Brigada localizada em São Gabriel da Cachoeira|Juliana Radler/ISA
Reunião no ISA com a equipe do Programa Rio Negro e o general em São Gabriel da Cachoeira, Nilton Diniz Rodrigues, em sua primeira visita ao Instituto|Ana Amélia Handam/ISA
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Rio Negro tem nomeações de indígenas para coordenações da Funai e do Dsei-ARN
Dadá Baniwa e Luiz Baré foram indicados pelo movimento indígena local; “momento ímpar e inédito”, comemorou o diretor-presidente da Foirn, Marivelton Barroso
O Abril Indígena na região do Alto Rio Negro, no Amazonas, ganhou nos últimos dias novos motivos para comemoração, com as nomeações de indígenas para a coordenação local em órgãos federais.
Maria do Rosário Piloto, conhecida como Dadá Baniwa, assumirá a coordenação regional do Rio Negro da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai CR-Rio Negro), sendo a primeira mulher a ocupar o posto. Já Luiz Brasão dos Santos, do povo Baré, assume a coordenação do Distrito Sanitário Especial Indígena do Alto Rio Negro (Dsei-ARN), cargo que ainda não havia sido ocupado por um indígena.
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Dadá Baniwa assume coordenação da Funai CR-Rio Negro reforçando o protagonismo da mulher na política indígena|Pedro Hassan/ISA
“É um momento histórico. A coordenação regional da Funai já foi ocupada por indígenas, mas é a primeira vez que será assumida por uma mulher e uma mulher indígena”, comemorou Dadá Baniwa. “Não será fácil, sabemos que ainda há muito machismo em todos os locais. Mas eu fui indicada pelo movimento e aceitei esse desafio”, salientou.
Segundo ela, o primeiro ano de atividades será dedicado à reconstrução da Funai local, para deixar o órgão “com a cara indígena”. Nascida na região do Rio Içana, em São Gabriel da Cachoeira, Dadá Baniwa é cientista política e mestra em Linguística e Línguas Indígenas. Em 2021, foi eleita coordenadora do Departamento de Mulheres Indígenas do Rio Negro (Dmirn/Foirn).
Outras prioridades são a retomada dos processos de demarcação, das Coordenações Técnicas Locais (CTLs) e das barreiras de fiscalização para atuação na proteção territorial e monitoramento das Terras Indígenas.
Em nota divulgada nas redes sociais, a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) reforçou a importância da nomeação de Dadá Baniwa para o protagonismo da mulher no movimento e na política indígenas do Rio Negro e do país.
"É um momento ímpar e inédito. São lideranças que conhecem o território, a política do movimento indígena e vão ter a responsabilidade de coordenar e trabalhar em conjunto com as organizações indígenas”, celebrou o diretor-presidente da Foirn, Marivelton Barroso, do povo Baré.
“O momento reafirma o compromisso do Governo Lula com os povos indígenas, conforme prometido na campanha. Mostra respeito à representatividade da Foirn, de seus povos, comunidades e a todos os anos de luta, seja pela melhoria na política indigenista – na Funai –, seja pela política de atenção à saúde indígena no Rio Negro”, completou.
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Luiz Baré é o primeiro indígena a assumir a coordenação do Dsei-ARN|Divulgação
Saúde indígena
Luiz Baré, novo coordenador do Dsei-ARN, nasceu na comunidade Santa Maria, no Rio Jurubaxi, em Santa Isabel do Rio Negro, e é técnico de enfermagem. Está no movimento indígena desde 1988 e ocupou o cargo de diretor-executivo da Foirn.
Também, fez parte do primeiro distrito sanitário implantado na região do Alto Rio Negro, chamado Distrito Sanitário Yanomami (DSY). Entre 1996 e 1999, participou das discussões e implantação do DSEI-ARN.
“Como movimento indígena, estamos há muitos anos discutindo e lutando para assumir os cargos nas pontas, sejam do Governo Federal, Estadual e Municipal, já que nós somos os protagonistas das discussões. A partir dessas nomeações, essa luta está se tornando uma realidade para nós, para todo o movimento indígena”, afirmou.
“Diminuir a mortalidade infantil é um grande desafio. Precisamos reduzir a desnutrição e várias doenças preveníveis. Estamos no século XXI e precisamos buscar instrumentos para não perdermos crianças indígenas”, defendeu.
Entre as prioridades para o Dsei-ARN, estão a melhoria da estrutura para levar saúde de qualidade às comunidades indígenas, muitas delas em áreas remotas. “Precisamos melhorar a gestão para reconstruir e dar ao Dsei a cara de uma instituição indígena”, resumiu.
A Funai - CR Rio Negro e o Dsei-ARN têm sede em São Gabriel da Cachoeira (AM) e atendem também às populações dos municípios de Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos. Juntas, as três cidades têm uma população de 101.369 pessoas, segundo estimativa do IBGE de 2021, sendo a grande maioria indígena.
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Livro 'Povos Indígenas no Brasil' é lançado em Manaus com histórias da luta de mulheres na Amazônia
Evento na GaleriAmazônica reforçou importância da região, que tem cerca de 90% das Terras Indígenas do país
Vanda Witoto, Dadá Baniwa e Cris Baré (da esq à direita), lideranças indígenas que lançaram livro 'Povos Indígenas no Brasil' em Manaus|Paulo Desana/ISA
Um encontro de povos da Amazônia e parceiros marcou o lançamento nesta quarta-feira (05/04), na GaleriAmazônica, em Manaus, da publicação Povos Indígenas no Brasil 2017-2022, do Instituto Socioambiental (ISA), dando início às comemorações do Abril Indígena.
Representantes dos povos Baré, Baniwa, Wanano, Witoto, Tukano, Hup´däh, Desano, Kanamari, Tikuna, Waimiri Atroari, Galibi, entre outros, estiveram presentes num dabacurii – a tradicional cerimônia de trocas da região do Alto Rio Negro – de saberes, história, experiências, resistência e futuro.
O mestre e cacique Luiz Laureano, do povo Baniwa, conduziu uma apresentação de flautas japurutu.
Participaram do lançamento representantes do movimento indígena, dos movimentos negro e LGBTQIA+ do Amazonas, sociedade civil organizada, do governo, do judiciário, universidades e coletivos, indicando a ampla rede de apoio à causa dos povos originários.
A chegada da publicação à capital do Amazonas tem contornos especiais pelo papel central da Amazônia e dos povos da região em discussões sobre organização e fortalecimento da política indígena e a emergência climática.
Concentrando cerca de 90% de todas as Terras Indígenas do país e aproximadamente 55% dos povos tradicionais brasileiros, a Amazônia é a casa-floresta, local de resistência, luta, cultura e vivências reinventadas pelos indígenas.
O período retratado pela publicação é considerado o de maior ameaça a esses povos desde a pós-redemocratização, com a dupla ameaça de um governo anti-indígena e a crise sanitária provocada pela Covid-19. No Amazonas, a pandemia foi acentuada pela crise do oxigênio, o que colocou os povos indígenas em situação de especial vulnerabilidade.
Lideranças indígenas compuseram a mesa de discussão, com o tema “Nunca mais um Brasil sem nós – A demarcação da política pelos povos indígenas”, com a presença de Cris Baré, Dadá Baniwa e Vanda Witoto.
A conversa conduzida pelas mulheres mostrou a força das mulheres no movimento indígena, que vem se refletindo na vida pública. “Esse livro fala da luta de nossos povos nos últimos cinco anos, que são marcados por uma grande resistência, sobretudo nesse enfrentamento da política anti-indígena do nosso país. Essa luta não é de agora”, ressaltou Vanda Witoto.
Ela alertou para a importância de a Amazônia conhecer a sua própria história indígena para pensar o futuro dos povos originários. “A Amazônia é extremamente preconceituosa com a sua história indígena e vem elegendo pessoas com discurso de ódio contra a sua própria história”, lamentou.
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"Precisamos ressignificar a história indígena da Amazônia, não apenas a partir das violências sofridas", afirmou Witoto na mesa|Paulo Desana/ISA
“A gente prospecta o futuro indígena, mas sem olhar para o passado. Para falarmos que o futuro é indígena, é extremamente importante a gente pensar a história não contada sobre nós mesmos, qual o nosso papel nessa história enquanto indígena, qual a nossa identidade, que foi usurpada da nossa narrativa, do nosso território, do tempo histórico. A gente precisa ressignificar a história indígena da Amazônia, não apenas a partir das violências sofridas, para pensar o futuro ancestral, o futuro indígena”, disse.
Vanda Witoto citou a importância da publicação para a reconstrução dessa história e para que as informações cheguem a pessoas que desconhecem a realidade indígena. “É a primeira vez que uma mulher Witoto faz parte do livro. A minha avó faleceu aos 87 anos sem poder dizer que éramos Witoto. Essa é a história de muitas mulheres na Amazônia que foram silenciadas por toda a violência histórica da colonização, da imposição da Igreja”, pontuou.
“Hoje, a minha geração e minhas sobrinhas pequenas estão nesse evento podendo se afirmar como Witoto, trazendo a memória das nossas avós”, celebrou. Vanda Witoto, que estava acompanhada no evento pela mãe, irmã e sobrinhas, faz parte da publicação e é uma das protagonistas do minidocumentário que acompanha esta edição.
Da esquerda à direita, Juliana Radler, Vanda Witoto e Dadá Baniwa escutam Cris Baré durante lançamento na GaleriAmazônica, em Manaus|Paulo Desana/ISA
Pautas indígenas
Durante a conversa com o público, foram abordados temas diversos, desde o atual cenário de fortalecimento da política indígena, passando pelas lutas das mulheres indígenas, desafios para a juventude, acesso a universidades e território.
Assessora jurídica da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Cris Baré trouxe o alerta de resistência dos povos indígenas no Congresso Nacional, que tem se mantido com uma pauta anti-indígena mesmo após a mudança no Poder Executivo.
Ela falou do aumento da atuação de advogados e advogadas indígenas e da ADPF 709. No livro, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF nº 709) é abordada em texto de Eloy Terena, ex-coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e atual Secretário Executivo do novo Ministério dos Povos Indígenas. No artigo, ele aponta que as resistências dos povos indígenas foram pautadas no entendimento da “luta com a caneta, não mais apenas com o arco e flecha”.
Para Cris Baré, as informações do livro são de grande importância na luta dos povos indígenas também no Judiciário. “O livro traz a realidade dos povos indígenas e muitas dessas informações servem de subsídios em peças processuais nesse espaço jurídico que a gente ocupa em nome das nossas organizações indígenas”, refletiu a advogada.
Liderança indígena, ex-coordenadora do Departamento de Mulheres Indígenas da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Dmirn-Foirn), Dadá Baniwa compartilhou sua história de luta – inspirada na mãe –, na ampliação da atuação das mulheres na política e na necessidade de ações que envolvam a juventude no território indígena.
“Essa publicação é muito importante para que os povos indígenas e todo o povo brasileiro conheçam a sua história. Como mulher indígena, posso dizer que essa é uma história de resistência, nosso território, nossa vida de mulher. É muito importante para que nossos filhos e netos possam conhecer essa história”, refletiu.
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Dadá Baniwa ressaltou a ampliação da atuação das mulheres na política e a necessidade de ações que envolvam a juventude indígena|Paulo Desana/ISA
Vem do Rio Negro – região onde vivem povos de 23 etnias – outra potente voz feminina. Nascida em Assunção do Içana, na Bacia do Rio Negro, a antropóloga Francy Baniwa não esteve presente no lançamento, mas está no livro. A seção “Palavras Indígenas”, com pensamentos de oito lideranças indígenas, começa com as palavras de Francy. Ela rememora os ataques e resistência nos anos do Governo Bolsonaro e traz um forte relato sobre a ligação dos indígenas com seus territórios.
“Para meu povo Baniwa, território significa um lugar sagrado, porque o povo Baniwa se originou de um lugar sagrado chamado ripana, que é o umbigo do mundo. É uma cachoeira e, segundo as nossas narrativas, as nossas metodologias, nós nascemos de uma vagina feita de pedra. Então, nossa conexão com o território é sagrada, porque a gente nasceu desse Hipana, dessa cachoeira, chamada atualmente Uapuí, e a gente está ligada a esse lugar”, escreveu.
Já o comunicador Ray Baniwa, integrante da Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas, que atua no Alto Rio Negro, elaborou um artigo sobre as redes de comunicadores indígenas.
“O livro fala desse período de 2017 a 2022, quando houve a criação e o fortalecimento de redes de comunicadores. A Rede Wayuri foi criada nesse período e hoje é inspiração para várias redes que ainda continuam sendo criadas. Os comunicadores passaram a se apropriar de meios digitais e usá-los para comunicar como estratégia pelos direitos e territórios. Essa história está no livro”, disse ele, que esteve no lançamento em Manaus.
Uma construção constante da história com peças arqueológicas, narrativas indígenas, mapas, fotos e documentos sobre o Rio Negro em diversas épocas foi a proposta da exposição “Memórias das Paisagens Ancestrais”, realizada na Casa do Saber/Maloca da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), em São Gabriel da Cachoeira (AM).
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Peças arqueológicas encontradas em São Gabriel da Cachoeira (AM)|Ana Amélia Hamdan/ISA
A mostra, realizada em fevereiro, foi produzida pelo Museu da Amazônia (MUSA) e reuniu parte do resultado dos trabalhos do Programa Arqueológico Intercultural do Noroeste Amazônico (Parinã), desenvolvido por pesquisadores indígenas e não indígenas das áreas da arqueologia, cartografia, antropologia e história. Visitantes puderam contribuir com a exposição por meio de um mapa interativo da região.
“Com a exposição, demos um retorno do que foi feito até agora dentro do Parinã, com várias camadas de conhecimento que incluem de peças arqueológicas à narrativa oral de um mito. De documentos e fotos antigas à história de uma pessoa que sabe o que aconteceu naquele lugar, porque o avô contou", afirmou Filippo Stampanoni, arqueólogo e diretor-adjunto científico do MUSA.
"Propusemos aos visitantes uma caminhada pela trajetória do que é essa experiência coletiva da história na região do Rio Negro”. A mostra foi financiada pela British Academy.
Iniciado em 2018, o Programa Parinã envolve diversos parceiros, como o Instituto Socioambiental (ISA), o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), o MUSA, o Instituto de Arqueologia da University College London (UCL) e a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), e com apoio da Foirn.
No caminho de histórias proposto pela exposição, os visitantes puderam ver fragmentos arqueológicos encontrados em escavações em São Gabriel da Cachoeira em 2019 e 2022, na praça da Diocese e na área da sede do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Elas indicam que a região é ocupada há pelo menos dois mil anos.
Com os fragmentos retirados do sítio arqueológico, foi possível reconstituir uma peça do período pré-colonial, possivelmente usada para decoração, que acabou se destacando das outras pela diferença de estilo, levantando uma série de hipóteses.
Uma dessas possibilidades é que a região onde hoje está o município de São Gabriel pode ter abrigado uma sociedade pluriétnica no passado. A cidade guarda essa característica atualmente, pois é um dos principais centros urbanos de um grande território onde vivem 23 povos indígenas.
“Nas escavações em São Gabriel, foram encontradas peças da chamada Tradição Polícroma da Amazônia, conjunto estilístico de distribuição ampla e padronizada datada do período de 800 a 1.600 (DC)”, explicou Stampanoni.
“Podemos imaginar que esse modelo é mais antigo que o período citado. Podemos pensar também que a peça é de um mesmo período, mas de grupos regionais que se encontraram nessa região onde hoje está São Gabriel, caracterizando uma sociedade pluriétnica”, definiu o arqueólogo.
Apesar da diferença de estilo, as peças encontradas trazem uma importante semelhança na forma de serem feitas. Todas são confeccionadas com o mesmo tipo de material – basicamente argila e caraipé (casa de árvore queimada e moída) – usado ainda hoje pelas ceramistas da região.
“Podemos dizer que existe uma tradição tecnológica no fazer cerâmica que começa há dois mil anos e chega até hoje e está continuando para o futuro. Se a gente for pensar de forma geral, o Alto Rio Negro é uma região onde é possível esticar uma linha do tempo, uma continuidade cultural desde muito antigamente até hoje em dia”, contou.
A cerâmica é um dos parâmetros para se observar essa continuidade.
A antropóloga Fran Baniwa, que pesquisa o papel das mulheres na sociedade Baniwa, visitou a exposição e trouxe reflexões sobre a ligação dos povos do Rio Negro com o território. “Nunca imaginei ver utensílios antigos, usados para comer e fazer comida, ornamentações e rituais. Feitos da forma que ainda hoje utilizamos”, descreveu. “Essa exposição vem comprovar, por meio de outras metodologias, o que já está nas nossas narrativas: que desde sempre, desde a construção desse mundo, estamos aqui. O estudo é fundamental e reafirma a nossa presença nesse território”, completou.
Essas narrativas citadas por Fran Baniwa fizeram parte da exposição. Um minidocumentário produzido pela antropóloga Aline Scolfaro e pelo cineasta Moisés Baniwa mostrou conhecedores indígenas andando por São Gabriel e explicando pontos considerados como espaços de importantes acontecimentos relatados nas narrativas míticas. O filme ainda não está disponível para exibição.
Para a arqueóloga Meliam Gaspar, do MUSA, que também esteve em São Gabriel da Cachoeira, o diferencial da mostra foi ver as pessoas se identificando com a exposição e contando a história delas ou recontando o já escrito.
Um dos painéis trouxe um mapa onde as pessoas podiam acrescentar pontos de locais sagrados que eles conhecem, mas que ainda não estão descritos. “As pessoas gostam de ver o que está relacionado com a história delas, falar de sua própria história. Essa é uma das partes especiais da exposição”, refletiu.
A exposição foi visitada por conhecedores e lideranças indígenas da região, estudantes e público em geral. Moradora da Ilha de Duraka, às margens do Rio Negro, em São Gabriel da Cachoeira, Maria Odicleia Freitas Escobar, do povo Baré, foi uma das monitoras da exposição. Recém-formada em arqueologia, ela fez esse exercício da construção de saberes, rememorando a história de sua comunidade.
“A ilha de Duraka é um dos lugares onde a canoa de transformação ancorou. Ela ancorou e amarrou sua canoa no tronco da árvore chamada Duraka e saiu para ver se podia dar continuidade à viagem, pois logo acima desse ponto há muitas pedras no trecho do rio. Esse tronco ainda está lá, mas em forma de pedra e é um lugar sagrado”, disse.
O mito da cobra-canoa ou canoa da transformação fala sobre a origem dos povos Tukano da região.
A exposição contou ainda com painéis narrativos, imagens e documentos referentes ao período colonial e da presença dos europeus na região. O material cartográfico possibilitou a visualização de São Gabriel com suas diversas camadas de histórias.
Para marcar a realização da exposição foi realizada uma roda de conversa com a presença do antropólogo Manuel Arroyo-Kalin, do Instituto de Arqueologia da University College London (UCL), também pesquisador do Parinã.
Participaram do encontro a bióloga Natália Pimenta, analista do Instituto Socioambiental (ISA), e o diretor da Foirn, Dário Cassimiro, do povo Baniwa.
No encerramento, a artista indígena Rose Waikhon, do povo Piratapuya, fez uma performance trazendo elementos culturais e ancestrais dos povos indígenas do Rio Negro. “A exposição traz páginas das narrativas que sempre estiveram na nossa oralidade”, refletiu. A mostra contou com um poema de autoria da artista.
Ainda não está prevista a exibição de “Memórias das Paisagens Ancestrais” em outras cidades.
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Lula reforça compromisso com retirada de garimpeiros da Terra Indígena Yanomami
Presidente atendeu ao convite para a 52ª assembleia geral dos povos indígenas de Roraima, realizada na Terra Indígena Raposa Serra do Sol
Lula chega à 52ª Assembleia Geral dos Povos Indígenas de Roraima com o xamã Davi Kopenawa e o coordenador do CIR, Edinho Batista|Ricardo Stuckert/PR
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reforçou o compromisso com a retirada de garimpeiros da Terra Indígena Yanomami durante discurso na 52ª assembleia geral dos povos indígenas de Roraima. O evento, organizado pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR), ocorreu no Lago Caracaranã, no município de Normandia, entre os dias 11 e 14 de março. O tema deste ano foi “Proteção Territorial, Meio Ambiente e Sustentabilidade”
“Vamos começar a visitar todas as aldeias para que possamos dar cidadania, defesa e respeito aos milhares de indígenas que moram lá [na Terra Indígena Yanomami] e foram massacrados pelos garimpeiros. Nós vamos tirar definitivamente os garimpeiros”, afirmou Lula.
Lula foi acompanhado pelo coordenador do CIR, Edinho Batista, o xamã yanomami Davi Kopenawa, a primeira-dama, Janja da Silva, a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, e a presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana.
Também integravam a comitiva presidencial o ministro da Defesa, José Múcio, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta, e o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Márcio Macedo.
De acordo com o CIR, Lula também pediu a participação do governador Antonio Denarium (PP), para ter a presença de um representante do estado. No entanto, os indígenas negaram a entrada de Denarium no território e justificaram que ele tinha um histórico de atuação pró-garimpo e exclusão dos indígenas das discussões políticas do estado.
Senadores, deputados estaduais e federais também foram barrados pelo CIR pelo mesmo motivo que o governador. A solução encontrada pela presidência e o Conselho foi a participação dos prefeitos de Normandia, Dr. Raposo (SD), e de Boa Vista, Arthur Henrique (MDB). O coordenador do CIR fez questão de pontuar que o emedebista estava no evento por um pedido do presidente, mas que não era a vontade do CIR.
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Presidente Lula visita com comitiva ministerial feira de produtos e artesanatos indígenas na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima|Fabrício Araújo/ISA
Na feira, os indígenas apresentaram a Lula suas produções: artesanatos, bananas, cana, farinha, coco, mandioca, beiju e outros diversos alimentos. Em discurso, Lula afirmou estar impressionado com a capacidade de produção mesmo sem incentivo do governo estadual. Então, disse que levaria a proposta de financiamento da produção indígena aos ministérios do governo federal.
Antes de discursar para os indígenas, Lula ouviu as lideranças presentes, a ministra dos Povos Indígenas e a presidenta da Funai. Os indígenas também receberam as autoridades com um forró autoral de boas-vindas quando todos estavam reunidos no palco da plenária.
“Presidente Lula seja bem-vindo/ ministra Sonia seja bem-vinda / presidenta da Funai seja bem-vinda à nossa região / sejam bem-vindos à terra de Macunaíma / com muita alegria recebemos vocês”, cantava uma voz feminina.
Fora, garimpo
Davi Kopenawa falou após o coordenador do CIR e iniciou o discurso em língua Yanomami. Kopenawa cobrou a retirada de todos os garimpeiros da Terra Indígena Yanomami e pediu que as ações de saúde e distribuição de cestas básicas do governo federal cheguem a mais regiões do território. Segundo Davi, há apenas duas regiões atendidas desde que a situação de emergência foi decretada em janeiro deste ano.
“É isso que nós povos indígenas do Brasil precisamos. Isso é o que o Brasil precisa, não só nós povos indígenas. Presidente Lula, você cumpriu a sua palavra de retornar a Raposa Serra do Sol e precisamos lutar para tirar os garimpeiros da Terra Yanomami. Os garimpeiros agora estão se escondendo e quero que o senhor retire esses garimpeiros. Temos o apoio de todos os povos indígenas de Roraima”, pontuou.
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Davi Kopenawa e Lula|Ricardo Stuckert/PR
Em discurso de pouco mais de 20 minutos, Lula reconheceu que há necessidade de avançar nas ações de extrusão e saúde na TIY. Ele pediu para que os indígenas sigam cobrando o governo federal e demonstrou surpresa sobre a falta de apoio financeiro do governo estadual para a produção indígena. Lula pediu a Sonia Guajajara e a Joenia Wapichana para que entreguem com urgência uma lista de Terras Indígenas que precisam ser demarcadas e homologadas.
“Nós estamos há pouco tempo no governo, menos de três meses. Pegamos um país desmontado pelo governo anterior. Era um país que não respeitava indígena, agricultura familiar, sindicalista, mulher, negro, artistas e era um país que o respeito havia desparecido de dentro do Palácio do Planalto. Eu vou reunir a Sonia com outros ministros para que possamos colocar vocês dentro de um programa de financiamento da produção agrícola”, disse.
Antes de Lula se despedir dos indígenas, lideranças entregaram uma panela de barro, uma carta com uma série de reivindicações e um feixe de varas que é o símbolo histórico do CIR sobre a união indígena. “Esse momento marcará a nossa geração, a nossa história de mais de 50 anos e os nossos passos”, afirmou o coordenador do CIR, Edinho Batista.
Quando a fala de Joenia Wapichana foi anunciada, foi entoado um coro de “força, Joenia, estamos com você”. Ela começou o seu discurso com um cumprimento em sua língua Wapichana e agradeceu por estar à frente da Funai.
“Agradeço a oportunidade de estar à frente de um órgão de extrema importância para os povos indígenas, um órgão que já teve a missão de acabar com os povos indígenas na época da ditadura, na época em que mais precisava proteger os direitos humanos. A nossa Constituição mudou o papel da Funai para fazer valer o direito de demarcação das terras, a fiscalização como ocorreu na Raposa Serra do Sol.
Eu acompanhei essa situação quando ainda atuava como advogada destas comunidades que estão presentes, isso representou um avanço dos nossos direitos institucionais, a forma correta de demarcar terras indígenas e hoje agradeço por estar a frente da Funai, não como Fundação Nacional do Índio, mas sim como Fundação Nacional dos Povos Indígenas”, declarou.
Demarcação e homologação da Raposa Serra do Sol
Lula retornou à Terra Indígena Raposa Serra do Sol após 13 anos. Ele foi o responsável por homologar o território, em seu primeiro mandato, e retirar fazendeiros que ocupavam a região vivendo em conflito com os indígenas.
A região foi demarcada em 1998 pelo então ministro da Justiça, Renan Calheiros. Ele assinou o documento declarando a terra como posse permanente dos povos indígenas. A medida se tornou uma longa batalha judicial com o governo de Roraima e o Supremo Tribunal Federal (STF), que só chegou a uma decisão em 2009, cinco anos após Lula assinar a homologação.
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As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Rede Wayuri faz jornada de intercâmbio, articulação e inovação em Manaus
Comunicadores indígenas também lançaram na capital amazonense o documentário "Wayuri", que conta os cinco anos de trabalho do coletivo no Rio Negro
Adelson Ribeiro, do povo Tukano, Claudia Ferraz, Wanano, Plinio Guilherme, Baniwa, e Juliana Albuquerque, Baré, comunicadores indígenas de São Gabriel da Cachoeira (AM) e integrantes da Rede Wayuri, participaram em Manaus, entre os dias 7 e 11 de março, de uma semana de intercâmbio e inovação em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA) com objetivo de fortalecer o premiado trabalho da Rede Wayuri de Comunicação Indígena da Amazônia.
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Comunicadores da Rede Wayuri participam de intercâmbio com a rádio web indígena Sapupema, sediada em Manaus |Naiara Bertoli/ISA
A Rede, criada em 2017 para produzir informação para 750 comunidades indígenas nos municípios de Barcelos, Santa Isabel do Rio Negro e São Gabriel da Cachoeira, completou cinco anos de atividade e para celebrar a data lançou o documentário Wayuri, que traz um recorte destes primeiros anos de trabalho da pioneira rede de comunicadores indígenas.
O documentário está em circulação em festivais de cinema (com exibições previstas no Japão, Ucrânia, Portugal e no Brasil) e teve sua estreia na V Oficina de Comunicação da Rede Wayuri, realizada em janeiro deste ano, na sede do ISA em São Gabriel.
Intercâmbio, articulação e inovação
No dia de 10 de março, no Centro Cultural Casarão de Ideias, centro de Manaus, a Rede Wayuri recebeu 40 convidados para mostrar o documentário na sala de cinema e na sequência promover uma roda de conversa.
Os quatro comunicadores indígenas dialogaram com professores e estudantes de comunicação da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), com comunicadores indígenas da rede Makira-Êta, com antropólogos, lideranças do movimento indígena no Amazonas, além de representantes de organizações como Funai, GIZ-Cooperação Alemã, Abaré Comunicação e Fundo Podáali – Fundo Indígena da Amazônia Brasileira.
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Rede Wayuri reuniu convidados para debater comunicação indígena na Amazônia, inclusive professores e estudantes da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) 📷 Juliana Radler/ISA
O objetivo do evento foi o de articular parcerias para novas formações dos comunicadores indígenas, como, por exemplo, ter o apoio dos professores da Comunicação da UFAM em oficinas e processos formativos que já vem ocorrendo em São Gabriel da Cachoeira desde 2017, quando a Rede foi criada.
Além disso, a própria Rede Wayuri também pode colaborar com a universidade, levando a diversidade e a pluralidade do seu jornalismo de base comunitária e multilinguístico para a UFAM, como já vem ocorrendo com outras universidades, que procuram a Rede e seus componentes para intercâmbios e outras atividades de extensão acadêmica, além de serem tema de monografias e dissertações de estudantes indígenas e não indígenas.
“A Rede Wayuri está crescendo. Hoje temos 80 comunicadores ligados à Rede e nossas demandas por formação e especialização aumentam, pois nosso trabalho está se tornando cada vez mais importante para a nossa região”, afirmou Claudia Ferraz, do povo Wanano, que coordena a Rede Wayuri, premiada em 2022 em Haia, na Holanda, pelo trabalho de defesa da democracia e combate a fake news na Amazônia.
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Rede Wayuri também exibiu o documentário no Parque das Tribos, primeiro bairro indígena de Manaus |Plínio Baniwa/Rede Wayuri
No Parque das Tribos, primeiro bairro indígena em Manaus, que fica no Tarumã Açu, a Rede Wayuri fez uma apresentação especial do documentário, no dia 9 de março, com a presença do cacique Ismael Munduruku, um dos líderes do Parque das Tribos e para moradores, em especial crianças e adolescentes. Cerca de 760 famílias vivem no local, totalizando mais de três mil indígenas de 35 etnias diferentes.
A Rede Wayuri irá disponibilizar o documentário online nos próximos meses, após o período de exibições especiais e em festivais de cinema. Quem tiver interesse em promover uma exibição do documentário da Rede Wayuri pode entrar em contato com o e-mail redewayuri@gmail.com.
Rádio web
Os comunicadores da Rede Wayuri também fizeram dois dias de intercâmbio na rádio web Sapupema, em Manaus, coordenada pelo comunicador do povo Sateré-Mawé, Yuri Magno.
A Rede Wayuri, que produz um podcast semanal e tem um programa de rádio ao vivo, Papo da Maloca, na rádio FM O Dia, em São Gabriel da Cachoeira, também pretende investir na rádio web.
“Temos muitos indígenas do rio Negro que estão nas universidades e vivendo em outros lugares do Brasil e querem acompanhar nosso trabalho, vai ser muito importante estarmos levando nossa cultura e nossas notícias pela rádio web”, reforça Plinio Guilherme, do povo Baniwa.
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Coordenada por Yuri Magno, do povo Sateré-Mawé, Rádio Sapupema promove intercâmbio com comunicadores indígenas do Rio Negro |Juliana Radler/ISA
Na rádio Sapupema, os comunicadores da Rede Wayuri deram entrevista e contaram sua história para um público ouvinte de aproximadamente 12 mil pessoas. O intercâmbio entre comunicadores indígenas no Brasil e no Amazonas fortalece as redes de apoio, as conexões e trocas de informação fundamentais para a proteção dos direitos indígenas, para a valorização cultural e para a criação de uma potente network indígena de comunicação.
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Mostra "Faces da Floresta" leva retratos do povo Yanomami à Fundação Stickel, em São Paulo
Davi Kopenawa e Ailton Krenak participam de abertura da exposição, que reúne fotografias de Valdir Cruz e fica em cartaz até 29 de abril
Valdir Cruz despertou para a realidade do povo Yanomami através do xamã Davi Kopenawa, em 1994, quando o líder indígena discursava na sede da Organização das Nações Unidas (ONU) em Nova York. Nesta ocasião, o fotografou em seu estúdio, dando início ao projeto Faces da Floresta. Já então, o contato contínuo e irrestrito com garimpeiros ilegais e outros invasores do território Yanomami trazia aos indígenas epidemias devastadoras e degradação cultural irreversível.
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Exposição "Faces da Floresta - Os Yanomami" estreia em 18 de março no Espaço Fundação Sticke, em São Paulo|Valdir Cruz
Tocado por essa realidade brutal, que se estende até os dias hoje, o fotógrafo se comprometeu a apoiar os Yanomami com sua fotografia. Foram quatro expedições às comunidades encravadas na fronteira do Brasil com a Venezuela, entre os anos de 1995 e 1997. Dos registros gerados nesse período, 26 fotografias em preto e branco ocuparão, a partir de 18 de março, o Espaço Fundação Stickel, em São Paulo. Acesse aqui o folder da exposição.
A exposição inédita, com curadoria de Rubens Fernandes Junior, inclui o icônico retrato de Davi Kopenawa, que estará presente na abertura da exposição, acompanhado de Tuira Kopenawa Yanomami e Edmar Tokorino Yanomami e também do líder, escritor e ambientalista Ailton Krenak. Faces da Floresta – Os Yanomami, uma realização da Fundação Stickel em parceria com a Galeria Bolsa de Arte e conta com o apoio da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e do Instituto Socioambiental (ISA), pretende chamar a atenção para a triste realidade de destruição de um povo e sua cultura que se estende há décadas na Amazônia.
Imagens do projeto fotográfico de Valdir Cruz em parceria com os Yanomami já foram reunidas no livro Faces da Floresta – Os Yanomami, com 89 registros. A primeira edição foi publicada pela powerHouse Books, em 2002. No Brasil, foi lançado pela Cosac & Naify em 2004, com prefácio da Ministra do Meio Ambiente e Mudanças do Clima Marina Silva. Ambas as edições estão esgotadas.
Serviço:
FACES DA FLORESTA – Os Yanomami
Exposição de fotografias de Valdir Cruz
Abertura: 18 março, sábado, a partir das 11h; em cartaz até 29 abril
Horário: de segunda a sexta, das 11h às 18h; aos sábados, das 14h às 17h
Local: Espaço Fundação Stickel - Rua Nova Cidade, 195 – Vila Olímpia, São Paulo
Entrada gratuita
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Unifesp concede título de doutor honoris causa a Davi Kopenawa
Xamã e liderança do povo Yanomami terá reconhecimento por sua luta em defesa dos povos indígenas e do meio ambiente
Davi Kopenawa, xamã e liderança Yanomami|Felipe Medeiro / Amazônia Real
Davi Kopenawa, xamã e liderança do povo Yanomami, vai receber o título de doutor honoris causa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) nesta quarta-feira (15/03). Ele será a primeira pessoa a ser agraciada com o título pela instituição.
Segundo a Unifesp, o título de doutor honoris causa é concedido a personalidades eminentes, nacionais ou internacionais, que tenham se destacado nas ciências, nas artes, na cultura, na educação, e na defesa dos direitos humanos.
Davi Kopenawa é conhecido por sua luta de décadas em defesa dos povos indígenas e do meio ambiente. Ele foi figura-chave para a demarcação da Terra Indígena Yanomami e co-escreveu o livro A Queda do Céu, um relato sobre a cosmovisão yanomami e os impactos do contato com o “povo da mercadoria”.
Neste ano, Davi repete a parceria com Bruce Albert para a publicação de O Espírito da Floresta.
Vítima do avanço do garimpo ilegal, o povo Yanomami tem resistido para manter a própria cultura e defender o direito à existência. Davi é uma das grandes vozes globais na denúncia da crise humanitária em curso na Terra Indígena Yanomami.
A cerimônia será transmitida pelo canal no YouTube da Unifesp a partir das 10h. Acompanhe através deste link.
Como parte da entrega do título a Davi, a Unifesp homenageia no Sesc Vila Mariana o xamã com o evento "Efeito Kopenawa", às 15h do dia 15, com a presença de convidados como o escritor Ailton Krenak, a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha e o artista Denilson Baniwa. A cenografia conta com imagens de Joseca Yanomami e Claudia Andujar.
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Daiara Tukano: celebrar a ancestralidade e desenhar o mundo!
#ElasQueLutam! Comunicadora, ativista e uma das principais artistas visuais indígenas da atualidade, ela leva adiante os saberes do seu povo com criatividade, força e beleza
“Daiara, de origem Nambikwara, quer dizer ‘minha amiga’; e Hori quer dizer ‘desenho, luz, cor e miração [na língua Tukano]'”, conta. “Eu desenho desde antes do que me lembro por mim”.
A arte corre pelas veias de Daiara Hori desde o princípio, como não poderia deixar de ser com um nome tão significativo. Nascida em São Paulo, no início dos anos 1980, ela ainda se recorda do primeiro rabisco: um quadrado em giz de cera, que a mãe fez questão de guardar. “Sempre fui uma pessoa tímida e eu passava meu tempo, na minha solidão, desenhando”, explica. “[É] a imagem que eu tenho da infância: desenhando, em cima de uma árvore ou lendo em algum canto”.
Ela não teria como saber lá atrás, mas essa relação tão íntima e carinhosa com a plataforma só poderia crescer com o tempo. Quase quarenta anos depois, ela se estabelece como uma das mais proeminentes artistas visuais indígenas da atualidade, agora mais conhecida por Daiara Tukano.
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“Eu desenho desde antes do que me lembro por mim”, conta Daiara Tukano |Claudio Tavares/ISA
“Esse perfil sempre esteve presente na minha vida”, Daiara relembra, contando que, nos primeiros anos da adolescência, era ela quem fazia a capa do jornal estudantil. “No segundo grau, eu me dediquei mais a pintar. Fui experimentar mais técnicas e estudar artes plásticas. É muito gostoso não apenas estudar a história da arte e das artistas, mas principalmente quantas maneiras você tem de brincar com imagem, com som, com corpo, com essas histórias”, conta.
Mais tarde, ela continuou seus estudos na Universidade de Brasília (UnB), onde se formou em Artes Visuais, período de extrema importância para seu crescimento enquanto artista e mobilizadora cultural. “Fui monitora de desenho, anatomia artística, ilustração científica, figurino, iluminação e maquiagem”, recorda.
Fora da sala de aula, também foi presidente do Centro Acadêmico, diretora do Circuito Universitário de Cultura e Arte da União Nacional dos Estudantes (UNE) e coordenadora de artes visuais do Coletivo Palavra, grupo de produção artística urbana e multimídia de Brasília. “[Estava] nesse meio jovem, universitário, da cidade, conhecendo muitas pessoas e aprendendo a fazer junto”, diz.
Mas foi nessa época, também, que Daiara começou a se aproximar da cultura do seu povo, os Yepá Mahsã, ou Tukano, uma das 23 etnias que vivem na região do Rio Negro, no Amazonas. Seu pai tinha muito o que transmitir aos filhos e ela, a primogênita, demonstrou curiosidade e interesse em aprender.
“A gente começou a fazer cerimônias, a virar a noite ouvindo as histórias da criação, ouvindo ele cantar, também tomando o Kahpi”, relembra. “É como se fosse uma graduação dentro da própria cultura. E de repente eu fui me dando conta de quantas histórias eu já conhecia e o quão mais complexas elas eram quando eu parava para pensar sobre elas”.
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Daiara prepara obras para exposição na Galeria Millan, em São Paulo: a ancestralidade e espiritualidade do povo Tukano fundamentam seu fazer artístico |Wuara Antezana/ISA
A experiência com o Kahpi (nome dado pelos Yepá Mahsã ao cipó da ayahuasca), em particular, deu outros rumos para sua arte. A planta é central para a cosmologia Tukano, afinal, foi a partir dela que surgiu a humanidadee todo conhecimento a ela associado: os diversos povos, as diferentes línguas, os cantos, as artes - tudo vem junto ao nascimento do Kahpi, contam os indígenas. Provar a ayahuasca e mirar o mundo sob o efeito dela pela primeira vez abriu todo um universo para Daiara.
“Eu fiquei muito tocada, encantada, chocada. Foi muito revelador ter essa sensação, essa evidência, de como a nossa cosmovisão é real. Não é um mito, não é uma maneira poética de falar as coisas. É aquilo mesmo”, afirma.
A partir de então, ela passou a experimentar com luzes e cores, pesquisar as origens e significados dos grafismos dos povos rionegrinos, observar as tramas das cestarias e padrões das cerâmicas, bancos e malocas e infusionar seu trabalho com os hori, ou mirações, que ela enxerga a partir do Kahpi.
“A miração é uma visão que a gente vê e não vê, é uma visão espiritual, pode ser uma visão do sonho, intuitiva, da imaginação”, explica. Desde 2013, ela desenvolve a série Kahpi Hori, onde busca justamente apreender em tela essas visões, a partir de padrões geométricos, cores vibrantes e feixes de luz.
A cada passo dado, mais claro ficava aquilo que ela já sabia desde pequena: os Yepá Mahsã são um povo que desenha no mundo. “Eu vim de uma panela de ayahuasca cheia de desenhos e essa panela é o Alto Rio Negro”, sublinha. E é através da sua arte que Daiara resgata esse saber e o passa adiante.
“Estou aproveitando para contar essas histórias, mas também para imaginar como é andar nesse mundo”, comenta. “Nós, povos indígenas, precisamos usar todas as plataformas possíveis para fazer a [nossa] valorização. Então, para mim, pintar é uma celebração desse mundo da transformação, esse mundo Tukano”.
Entre prédios e museus
Enquanto conversava com o Instituto Socioambiental (ISA), Daiara preparava uma série de obras para a exposição Amõ Numiã, em cartaz até 11 de março na Galeria Millan, em São Paulo. Ao redor, oito telas verticais tomavam as paredes, do teto ao chão, representando as figuras femininas que são parte das histórias da criação Tukano; matriarcas cujas histórias, segundo a artista, são pouco contadas ou somente em espaços reservados.
“Cada um desses desenhos tem um motivo, uma história,” ressalta, apontando elementos característicos da cultura e ancestralidade do seu povo. “[É importante] celebrar e conhecer profundamente cada um desses significados, para que a gente possa reconhecê-los quando estão ali presentes. Essa é uma maneira de construir uma arte que é Tukano para os Tukano. Não é só para mostrar para o branco – é uma arte que é nossa”.
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“Pintar é uma celebração desse mundo da transformação, desse mundo Tukano”, reflete Daiara Tukano |Wuara Antezana/ISA
Ao mesmo tempo, Daiara assina a curadoria da mostra Nhe’ẽ Porã: Memória e Transformação, disponível até 23 de abril no Museu da Língua Portuguesa, também em São Paulo – uma coletânea de áudios, fotos históricas, peças de artesanato, vídeos e estações interativas que convidam a mergulhar no patrimônio linguístico e cultural dos povos originários, reflorestar os pensamentos e ouvir suas palavras com mais respeito.
As duas exposições estão entre as mais recentes com a presença de Daiara. Elas ilustram a crescente abertura da cena cultural às vozes e sabedorias indígenas no Brasil, e ajudam a demonstrar uma outra vertente de seu trabalho: o da arte enquanto política.
“Na história da arte do Brasil, a figura do índio é a de um índio morto ou ajoelhado em frente da cruz”, assinala. Ela recorda particularmente da primeira vez que entrou na Pinacoteca do Estado de São Paulo, onde, em 2020, participou da mostra Vexoá: Nós Sabemos, e viu, com seus próprios olhos, a escultura de Moema, uma menina indígena representada morta na praia, nua e sensualizada. “É um negócio tão grotesco, tão brutal, e ainda sendo celebrado daquele jeito [pelas galerias e museus]”.
Por isso, ela reflete, é tão importante adentrar e dialogar criticamente com espaços que, tradicionalmente, relegaram aos povos indígenas uma imagem de morte, sujeição e colonização.
“Essas narrativas são armadilhas, então, a gente tem que aprender a desarmá-las e também montar armadilhas para os outros caírem na nossa onda”, aponta. “A nossa arte é uma grande armadilha para permitir que o nosso mundo respire. Uma armadilha que convida à nossa cosmovisão, a romper com narrativas eurocêntricas, a ouvir e falar outras línguas, que são as línguas originárias”.
Para além de exibir suas obras em museus e outros espaços clássicos da cena artística brasileira – que também incluem, por exemplo, a 34ª Bienal de Arte de São Paulo, o Centro Cultural São Paulo (onde assinou a exposição individual Pameri Yukese, Cobra-Canoa da Transformação), e o Museu Nacional da República (onde participou da mostra Brasil Futuro: as formas da democracia) –, Daiara também assina intervenções urbanas de grande porte.
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“Selva Mãe do Rio Menino”, maior mural urbano pintado por uma artista indigena no mundo | Caio Flávio/Área de Serviço
Em 2020, ela se tornou conhecida como a artista indígena a pintar o maior mural de arte urbana do mundo, chamado Selva Mãe do Rio Menino, como parte do Circuito Urbano de Cultura e Arte de Belo Horizonte (CURA). No meio da Avenida Amazonas, a obra apresenta a colorida imagem de uma mãe-floresta carregando seu filho, o menino-rio, no colo, a qual ocupa mais de 1000 metros quadrados da parede lateral do Edifício Levy, o mesmo onde nasceu o Clube da Esquina de Milton Nascimento.
Como o prédio que iria pintar estava localizado em Minas Gerais, estado com um histórico de mineração predatória e onde o crime de Mariana havia poucos anos antes matado o Rio Doce, Daiara quis trazer esse passado como inspiração para o desenho que criaria. “Eu lembro do Ailton [Krenak] falando do Rio Doce como um avô; e eu pensava sempre no meu avô e o imaginava criança, brincando no rio”, diz. “[Então me veio] a figura desse rio, que é avô, também [ter sido] um menino. E esse menino tem mãe, que com certeza é a floresta, porque o rio só brota na floresta”.
E acrescenta: a intervenção mineira foi tão bem recebida que crianças reproduzem seu desenho na escola e a marcam nas redes sociais quando a obra aparece ao fundo em dias de marchas pela Avenida Amazonas. “Não dá para falar daquele prédio sem falar de Mariana, do Rio Doce, da luta do movimento indígena, de outros artistas indígenas também. Então, isso me move muito”.
Num ambiente também repleto de monumentos dedicados aos colonizadores, Daiara marca a ancestralidade indígena na paisagem da cidade – ela também assina o mural Alento, em São Paulo. “Já que não temos como fazer esculturas gigantes com as nossas lideranças, pelo menos pintar prédios nós estamos conseguindo”, ri
Comunicação, militância e arte
Certa vez, o xamã Davi Kopenawa, do povo Yanomami, pegou Daiara pela mão e a apresentou como uma “fruta da nossa luta”. Ela explica a metáfora: “nossos avós foram para a roça, plantaram uma árvore, aí nossos pais cuidaram daquela árvore, e ela deu fruta. Essa fruta deu muito trabalho para manter viva, ter saúde, ter acesso à educação, se munir de armas, mas agora ela está madura”, conta. “Nós somos a fruta da luta de muitas gerações antes de nós”.
Filha de um líder Tukano e uma antropóloga, Daiara nasceu literalmente dentro do movimento indígena. No início dos anos 1980, época de intensa mobilização em favor dos direitos indígenas que antecede a construção da Constituição Federal de 1988, ela já participava, ainda bebê, de encontros e articulações, observando as lideranças e aplaudindo as conversas, mesmo sem saber exatamente o que tudo aquilo significava.
“Tem uma hora em que você começa a entender um pouco mais a dimensão da violência, da dor, que faz com que essas pessoas se conheçam, se reúnam, lutem juntas. E também [como] essa dor, essa violência, deixam marcas nas nossas vidas”, reflete, lembrando de como passou os primeiros anos da infância longe dos pais por conta desses caminhos ativistas e riscos à sua segurança.
Porém, como era de se esperar, essas influências foram essenciais para a sua formação enquanto jovem ativista. “A gente cresce e tenta somar de algum jeito. Eu, pessoalmente, escolho contribuir [por meio] da comunicação, da cultura [e] da arte”, afirma. Ela também completou um Mestrado em Direitos Humanos e Cidadania pela UnB, com estudo sobre o direito à memória e à verdade dos povos indígenas e sua relação com o ensino brasileiro.
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Daiara articula arte, educação, comunicação e ativismo para fortalecer as resistências e culturas indígenas |Claudio Tavares/ISA
Após se graduar, Daiara lembra que foi trabalhar como professora de artes em escolas públicas de Brasília. Foi nessa época que sentiu com mais força o peso do racismo. “Eu tinha que ouvir perguntas dos colegas, dos alunos, e todo dia lidar com ignorância, com preconceito”, lembra. “Foi muito chocante. E aí eu sempre ficava procurando como falar com essas pessoas de maneira criativa”.
Na internet, se deparou pela primeira vez com portais criados pelos próprios parentes, para discutir suas pautas – caso da Rádio Yandê, a primeira web rádio indígena do Brasil, pela qual se apaixonou perdidamente. Não só a Yandê era feita pelos indígenas e para os indígenas, ela não se debruçava apenas sobre as pautas de luta e violência, mas também sobre outras expressões culturais, como música, cinema e literatura, tão essenciais quanto.
“Eu era super fã da Yandê, mostrava na escola, e uma vez eu mandei mensagem para eles, elogiando, agradecendo. E alguém me respondeu: ‘a gente também adora o seu trabalho, será que você não quer se juntar à nós?’”, conta.
Ali, Daiara iniciou um caminho de colaboração com a Yandê que duraria seis anos. Em Brasília, virou jornalista e passou a cobrir reuniões das lideranças com órgãos indigenistas e mobilizações na capital. “Eu imprimi um crachá de imprensa, plastifiquei, botei no pescoço e conseguia furar os bloqueios policiais, entrar nos lugares”, recorda. Também se tornou articuladora cultural e apresentadora, organizando espaços de diálogo com parentes que eram músicos, professores, antropólogos, advogados, os quais transmitia ao vivo no Facebook.
Mais tarde, assumiu a coordenação da rádio. Foi nessa época, quando a pandemia de Covid-19 impediu a realização do Acampamento Terra Livre, que ela organizou o Abril Indígena, um mês inteiro de programação sobre os mais variados temas, de saúde à educação, passando por sexualidade, espiritualidade, arte e empreendedorismo.
A experiência com a Yandê, diz Daiara, demonstra a grande proximidade que ela vê entre comunicação, militância e arte. Foi pela rádio, por exemplo, que ela introduziu discussões que a interessavam profundamente, mas com poucorespaldo no movimento indígena brasileiro – como as experiências de resistência de povos em outros países latinos e norte-americanos e temas como apropriação cultural e altos índices de suicídio entre indígenas.
“A estratégia mais eficiente para a gente combater a violência é a cultura, é a arte”, sublinha a artista – que, em 2021, foi indicada ao Prêmio PIPA, o mais relevante das artes visuais brasileiras. “[São elas] que levantam a autoestima dos jovens, que começam a reconhecer seu lugar, a valorizar sua história e a querer construí-la junto com as gerações que vêm antes, para aquelas que vêm depois. A arte é política”, finaliza.
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Há 5 anos no ar, Rede Wayuri fortalece comunicação indígena na Amazônia
Oficina anual em São Gabriel da Cachoeira discutiu novos formatos e gerou documento que organiza estrutura do coletivo de comunicação
Adelina Sampaio, jovem liderança do povo Desana, ensinou grafismo na V Oficina de Comunicação da Rede Wayuri, em São Gabriel da Cachoeira|Raquel Uendi/ISA
A Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas, que atua há cinco anos na região do Médio e Alto Rio Negro, no Amazonas, está crescendo e agora foca no seu fortalecimento e na exploração de diferentes formatos de comunicação.
Após dias intensos de trabalho na V Oficina de Comunicação, que aconteceu de 23 a 27 de janeiro na sede do Instituto Socioambiental (ISA) em São Gabriel da Cachoeira, comunicadores de várias etnias – como Wanano, Tukano, Baré, Hupda, Yanomami, Baniwa – aprovaram uma Carta de Princípios, documento que organiza a estrutura do coletivo de comunicação indígena.
Durante o encontro, foram abordadas as diversas formas de comunicação utilizadas na região, desde a rádio-poste até o TikTok, passando pelo podcast. Também foram foco de conversas segurança digital, contexto e fortalecimento da política indígena e comunicação como forma de proteção do território.
Um dos convidados da oficina da Rede Wayuri foi Denilson Baniwa, considerado um dos principais artistas contemporâneos do país. Nascido em Barcelos, na região do Rio Negro, ele teve uma conversa inspiradora com os comunicadores, comparando o ofício da comunicação à construção de barcos, trabalho de extrema utilidade no Rio Negro, já que os caminhos – e a comunicação – se dão pelos rios.
“Comunicação é tão importante quanto saber consertar um barco. São ferramentas e conhecimentos diferentes e que têm a mesma importância para a nossa sobrevivência, nossa luta, nosso movimento”, disse.
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Um dos principais artistas contemporâneos do país, Denilson Baniwa falou sobre a importância da comunicação indígena na região|Raquel Uendi/ISA
Na abertura do encontro, o benzimento do conhecedor Luiz Laureano, do povo Baniwa, marcou o início dos trabalhos. Logo após a cerimônia, foi lançado o documentário Wayuri – sobre os cinco anos iniciais da rede. As imagens – muitas feitas pelos comunicadores – mostram rostos e vozes dos comunicadores indígenas que navegam pelas águas do Rio Negro e pelos mais diversos meios de comunicação levando adiante cultura e informações.
O filme também mostra as atividades da rede durante a pandemia da Covid-19, o que rendeu à Wayuri o título de herói mundial da comunicação, concedido pela Repórteres Sem Fronteiras (RSF).
Além disso, foi feita a entrega do Prêmio Estado de Direito 2022, do World Justice Project (WJP), concedido na cidade de Haia, na Holanda, e que chegou agora às mãos dos comunicadores. O diretor-presidente da Foirn, Marivelton Barroso, do povo Baré, e a diretora da Foirn, Janete Alves, fizeram a entrega do prêmio a Cláudia Wanano e a outros comunicadores da sede e das bases.
Já o comunicador Ray Baniwa, que integra a Rede Wayuri desde a sua criação, falou sobre a sua trajetória e das conquistas do coletivo de comunicação. Ele criou a identidade visual da V Oficina de
Comunicação.
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Moisés Baniwa, comunicador e cineasta, filma seu pais, Luiz Laureano, do povo Baniwa, que fez o benzimento no início da oficina|Raquel Uendi/ISA
Governança
Criado coletivamente, o documento de governança da Rede Wayuri segue a forma de trabalho da rede, que traz essa característica no próprio nome. Em nheengatu – uma das línguas faladas no Rio Negro – Wayuri quer dizer “trabalho coletivo”.
“Sinto que a Rede Wayuri está amadurecendo e caminhando para fazer vários tipos de trabalho com a participação dos comunicadores. E, para a gente acolher esses novos projetos, precisamos de estrutura e do documento de governança”, afirmou Cláudia Ferraz, do povo Wanano, comunicadora e coordenadora da Rede Wayuri.
Uma versão inicial do documento de governança foi elaborada ao longo de 2022 pelos comunicadores da Rede Wayuri – com parceria do ISA e apoios dos Repórteres Sem Fronteiras. Depois de o documento ser lido e debatido, recebeu as sugestões trazidas pelos comunicadores.
Durante os debates, os comunicadores mostraram que querem uma rede que realmente represente os 23 povos indígenas do Rio Negro e propuseram, por exemplo, que o documento tenha pontos sobre a produção de conteúdo nas línguas indígenas e equidade étnica e de gênero na composição do coletivo e nas oficinas.
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Cláudia Wanano, coordenadora do coletivo de comunicadores indígenas, aposta no futuro: "sinto que a Rede Wayuri está amadurecendo"|Raquel Uendi/ISA
O articulador e comunicador Hélio Lopes, do povo Tukano, trouxe a preocupação sobre a participação dos povos Hupda, considerados de recente contato. “Esse povo fica em áreas mais distantes, mas devemos nos organizar para possibilitar a participação deles”, disse.
A Carta de Princípios foi encaminhada à Foirn, que avaliará o documento em consulta ao Conselho Diretor. A Rede Wayuri está vinculada à Foirn e tem parceria do ISA.
Na oficina – realizada pelo ISA em parceria com a Foirn – participaram cerca de 70 comunicadores e colaboradores das áreas urbanas de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos e das comunidades em áreas das coordenadorias regionais da Foirn: Diawii, Coidi, Nadzoeri, Caimbrn e Caibarnx.
Comunicação diversa
Nesta edição do encontro, os próprios comunicadores tiveram a oportunidade de dar uma oficina. Apoiados pela geógrafa Jéssica Lozovei, os indígenas Irinelson Piloto, Tukano, Plínio Guilherme, Baniwa, e Josy Pereira, Tariano, repassaram seus conhecimentos em uma oficina de rádio-poste, equipamento montado com megafone e bastante utilizado nas comunidades.
Foi lançado um manual de rádio-poste, também elaborado em conjunto com os comunicadores. O equipamento usado na oficina foi doado para a coordenadoria Caibarnx, a única que ainda não contava com esse equipamento em sua área de abrangência. A escolha foi feita em votação em assembleia.
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Grupos de trabalho foram formados para discutir a elaboração da Carta de Princípios, novo documento de governança da Rede Wayuri|Raquel Uendi/ISA
Plínio Baniwa, que faz parte da rede desde o início, repassou conhecimentos para outros comunicadores, sobretudo os mais jovens. “Nós, que participamos da Rede Wayuri há mais tempo, estamos vendo jovens chegando. Isso quer dizer que estamos avançando”, comemorou.
Liderança jovem do povo Desana, Adelina Sampaio conduziu uma oficina sobre grafismo – importante forma de comunicação para os povos do Rio Negro. “Esses grafismos significam alegria e são utilizados em momentos festivos”, explicou.
Para enriquecer as discussões, o influenciador digital indígena Christian Wariu, do povo Xavante, falou sobre seu trabalho e deu uma oficina sobre vídeos para as redes sociais.
Christian Wariu também trouxe sua experiência nas redes sociais. “Muitos criadores de conteúdo, comunicadores, influenciadores, estão em torno de uma coisa muito vazia que é a influência de números: quem tem mais seguidores. Eu acho que os comunicadores indígenas têm uma visão diferente [pois estão dedicados à] utilização dessas ferramentas em prol de algo, seja em prol do movimento, da divulgação da própria cultura ou da denúncia de ameaça a seus territórios”, refletiu.
Em sua oficina, Wariu orientou os comunicadores a produzirem pequenos vídeos para o TikTok, abordando todo o processo, como construção de roteiro, gravação e edição. Os grupos produziram vídeos com temas sobre a cultura, projetos e vivências locais.
Parceiros
A realização da V Oficina da Rede Wayuri teve o apoio da GIZ (Cooperação Internacional Alemã) e a presença da assessora técnica da organização, Sarah Flister, que trouxe à discussão temas como segurança digital e comunicação para defesa dos territórios, mostrando ferramentas tecnológicas que podem ser utilizadas como recurso pelos povos indígenas.
Um dos projetos apresentados foi o Territórios Vivos, que tem entre suas propostas a divulgação de informações por meio da Plataforma de Territórios Tradicionais. Flister também apresentou a plataforma DEK, que possibilita a identificação de conteúdos digitais de segurança duvidosa, combatendo as fake news e outros problemas.
O encontro também foi acompanhado pela Diálogo Brasil, instituição que apoia a Rede Wayuri com o projeto Jornada de Comunicação para Organizações Indígenas, focado em redes de comunicação indígena. “A Rede Wayuri é modelo e inspiração para outras redes, por ter uma estrutura estabelecida há cinco anos e por atuar em território extenso”, disse Dirce Quintino, da Diálogo.
Jornalista, podcaster e à frente da produtora Vem de Áudio, Letícia Leite, que acompanha a Rede Wayuri desde a sua criação, também participou da oficina pela Diálogo Brasil. Ela conversou com os comunicadores sobre o formato podcast e trouxe reflexões sobre o cenário da política indígena no país, com a mudança de governo e a criação do Ministério dos Povos Indígenas.
Um exemplo de podcast citado é o da Sumaúma, agência de comunicação com foco na defesa da Amazônia e de seus povos. O programa é ancorado pela comunicadora da Rede Wayuri, Elizângela Baré.
“Na Sumaúma eu trabalho com jornalistas que são formados, fizeram faculdade. Mas nós também somos graduados nas nossas histórias, nos nossos mitos, nosso território, nosso lugar de origem”, disse em conversa com os comunicadores.
Jornalista da Unicamp, Juliana Sangion conversou com os estudantes sobre vestibular indígena e sobre o podcast Ecoa Maloca, desenvolvido pelos universitários indígenas.
Quem faz a Rede Wayuri
Atualmente, a principal produção da Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas é o programa de rádio semanal Papo da Maloca, que vai ao ar na FM 92,7, de São Gabriel, com produção e locução de Cláudia Ferraz e Juliana Albuquerque, do povo Baré. Em seguida, o programa é editado por Cláudia Wanano e fica disponível nas plataformas de áudio como o podcast Wayuri.
Os comunicadores Adelson Ribeiro, do povo Tukano, Irinelson Piloto, do povo Tukano, e Álvaro Socot, do povo Hupda, apoiam essa e outras produções. A Rede também produz conteúdo para o Instagram, onde se concentrou a cobertura ao vivo da eleição presidencial em São Gabriel da Cachoeira.
Em 2022, outro destaque foi a participação dos comunicadores em intercâmbios, entre eles os realizados com apoio da organização RSF.
Até ano passado, a Rede Wayuri contava com cinco bolsistas atuando a partir de São Gabriel da Cachoeira e com cerca de 50 voluntários. A partir deste ano, a rede ampliará o número de bolsistas atuando no território indígena e em área urbana, se aproximando cada vez do seu trabalho colaborativo com os voluntários.
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