A Bacia do Rio Xingu é uma região entre os estados do Mato Grosso e do Pará que simboliza a diversidade socioambiental brasileira. Uma diversidade de povos, florestas e rios que nascem no Cerrado e desembocam na floresta Amazônica, no centro do território nacional.
Essa diversidade socioambiental do Xingu está em grande parte abrigada dentro de um "corredor" de áreas protegidas (terras indígenas e unidades de conservação) que representa 50% da área da Bacia do Xingu. Essas áreas protegidas e suas florestas, conectadas entre si, abrigam uma das mais ricas biodiversidades do planeta e 26 povos indígenas e populações ribeirinhas, que resistem e insistem em existir como parte do presente - e do futuro - do Brasil.
Hoje, o Xingu é palco de conflito entre estes modos de vida e um modelo econômico baseado em atividades predatórias que envolvem desmatamento, queimadas, uso intensivo de agrotóxicos, garimpo, exploração ilegal de madeireira, grilagem de terras, construção de hidrelétricas, ferrovias e estradas.
As florestas, rios e povos do Xingu são o escudo contra a devastação que avança Brasil adentro. Na bacia estão localizados os municípios e terras indígenas com as maiores taxas de desmatamento dos últimos 10 anos na Amazônia Legal. As nascentes do rio Xingu já perderam mais de 40% de sua cobertura florestal.. Apesar disso, a diversidade socioambiental e a incrível resiliência dos povos do Xingu representam uma oportunidade concreta de pactuação de um novo modelo de desenvolvimento e de relacionamento com a floresta e seus povos.
É para isso que nós do ISA trabalhamos há quase três décadas com o pé no chão, com equipes e escritórios nas cidades de Canarana (MT) e Altamira (PA), junto a nossos parceiros locais, em três linhas de trabalho: Economia da Floresta, Restauração Florestal e Proteção Territorial.
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A Bacia do Rio Xingu é uma região entre os estados do Mato Grosso e do Pará que simboliza a diversidade socioambiental brasileira. Uma diversidade de povos, florestas e rios que nascem no Cerrado e desembocam na floresta Amazônica, no centro do território nacional.
Essa diversidade socioambiental do Xingu está em grande parte abrigada dentro de um "corredor" de áreas protegidas (terras indígenas e unidades de conservação) que representa 50% da área da Bacia do Xingu. Essas áreas protegidas e suas florestas, conectadas entre si, abrigam uma das mais ricas biodiversidades do planeta e 26 povos indígenas e populações ribeirinhas, que resistem e insistem em existir como parte do presente - e do futuro - do Brasil.
Hoje, o Xingu é palco de conflito entre estes modos de vida e um modelo econômico baseado em atividades predatórias que envolvem desmatamento, queimadas, uso intensivo de agrotóxicos, garimpo, exploração ilegal de madeireira, grilagem de terras, construção de hidrelétricas, ferrovias e estradas.
As florestas, rios e povos do Xingu são o escudo contra a devastação que avança Brasil adentro. Na bacia estão localizados os municípios e terras indígenas com as maiores taxas de desmatamento dos últimos 10 anos na Amazônia Legal. As nascentes do rio Xingu já perderam mais de 40% de sua cobertura florestal.. Apesar disso, a diversidade socioambiental e a incrível resiliência dos povos do Xingu representam uma oportunidade concreta de pactuação de um novo modelo de desenvolvimento e de relacionamento com a floresta e seus povos.
É para isso que nós do ISA trabalhamos há quase três décadas com o pé no chão, com equipes e escritórios nas cidades de Canarana (MT) e Altamira (PA), junto a nossos parceiros locais, em três linhas principais de trabalho: economia da floresta, restauração florestal e proteção territorial.
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Mulheres restauram florestas e vidas: conheça histórias de luta de coletoras de sementes
Com saberes ancestrais e trabalho coletivo, mulheres no Redário impulsionam a restauração ecológica e transformam realidades
Detalhe de mãos de coletoras separando sementes de carvoeiro, uma das mais caras devido a dificuldade de limpá-la|Ayrton Vignola
As mulheres são maioria na coleta de sementes e por meio de um trabalho detalhado, cuidadoso e persistente, elas restauram e preservam a natureza.
No Redário, articulação entre redes e grupos de coletores de sementes nativas que impulsiona o mercado e viabiliza a distribuição das melhores sementes para a recomposição de cada ecossistema, grupos de coletores de sementes presentes em cinco biomas, reúnem mais de 1200 coletores, sendo 64% mulheres.
Por meio desta atividade, elas sustentam suas famílias, superam problemas e se fortalecem em redes para enfrentar a violência de gênero. Com força e determinação, promovem intercâmbios de experiências, se firmam como lideranças locais e guardiãs de sementes. A união resulta na base da cadeia de restauração em larga escala, pautada pelo comércio justo, ampla base genética e rastreabilidade.
São indígenas, agricultoras familiares, quilombolas, ribeirinhas, geraizeiras, catingueiras, cujas vidas foram impactadas positivamente pela restauração ecológica.
Vera Alves da Silva Oliveira, de 55 anos, é um desses exemplos. Coletora da Rede de Sementes do Xingu há 12 anos, ela conta que foi a partir do trabalho realizado com espécies como caju, cajá, jatobá, mirindiba, que ela conseguiu comprar sua casa e sua moto, além de apontar as mudanças em sua qualidade de vida. Atualmente, ela compõe essa rede e coleta em Nova Xavantina, no Mato Grosso.
Esta é uma série especial de vídeos produzida pelo ISA e pelo Redário, destacando histórias de luta e transformação das coletoras de sementes.
Conheça a história de Adenildes Santana, a Muja, indígena do povo Pataxó que há 11 anos coleta os frutos da floresta que a Aldeia Boca da Mata, na Terra Indígena Barra Velha, protege:
Diversina Silveira compartilhou um pouco de sua caminhada com a coleta de sementes nativas. Ela coleta espécies como xixa, urucum, copaíba e jatobá desde 2011 no Assentamento Gleba Jacamim (MT).
Neli Soares fala sobre sua trajetória coletando sementes de jatobá do cerrado, veludo e lobeira, entre outras. Com seu trabalho, ela fortalece um ciclo de restauração e de cuidado com as florestas, regenerando a água, a vida e o território.
Zélia Morato é mãe e lavradora, planta sua roça e coleta mais de 40 espécies nativas e frutíferas da Mata Atlântica sementes pelo caminho desde 2018. Saiba mais abaixo:
Ouça também Milene Alves, mãe e coletora de sementes. Inspirada em sua mãe, Dona Vera, que também compartilhou sua história, ela hoje é técnica do Redário.
Castanhas-do-pará coletadas na Terra do Meio|Rogério Assis/ISA
A seca extrema em regiões da Amazônia registrada no ano passado causou danos ao Rio Xingu, no Pará, interferindo em toda a bacia. E esses impactos - que vão desde a insegurança alimentar até a alteração nos meios tradicionais de vida, como pesca e roças - permanecem após o pico da seca. Alimento tradicional que sustenta famílias e os negócios dos ribeirinhos na região da Terra do Meio (PA), a castanha este ano não apareceu. Não haverá safra para venda e, talvez, nem para consumo das famílias.
É a menor safra que já se viu, conforme o relato dos próprios produtores. A tradicional coleta de castanha não acontecerá em 2025. O chão da floresta, que fica coberto com os ouriços entre dezembro e maio, não sentirá o impacto da queda do fruto da castanheira no chão. Além da sazonalidade natural, a emergência climática está impactando na colheita tradicional dos povos ribeirinhos e indígenas.
“A baixa da safra da castanha faz parte da sazonalidade da espécie. A questão é que esse ano deve ser a menor desde que estamos acompanhando. E é esse também o relato dos extrativistas”, explica Jeferson Straatmann, analista sênior em economia da sociobiodiversidade do Instituto Socioambiental (ISA). Ainda segundo Straatmann, o relato dos ribeirinhos, indígenas e extrativistas indicam que a produção da castanha vem caindo ano a ano.
Na região da Resex Riozinho do Anfrísio, na Terra do Meio, os ribeirinhos também relatam perdas nas roças e na produção de cacau. Além disso, áreas que antes não pegavam fogo, no ano passado registraram incêndios.
O relato dos ribeirinhos que vivem nas Reservas Extrativistas (Resex) na região conhecida como Terra do Meio, em Altamira (PA), está coincidindo com as informações oficiais, como a do Centro de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden). Além da seca ser mais severa, ela vem se alongando, ou seja, começando antes e terminando depois do esperado. Normalmente a seca dura seis meses, indo de junho até novembro. Em 2024, a época da chuva chegou, mas as águas não acompanharam o calendário. Os impactos durante a seca são inúmeros. O rio é a estrada dos ribeirinhos: é por onde eles transportam desde alimentos até informações.
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Mouko Arara segura sementes da castanha-do-pará|Daniel Costa Viana/Excelência Divulgações/ISA
Em 2024, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básica (ANA) declarou situação crítica de escassez hídrica nos principais rios de Altamira: rio Xingu e seu afluente, o rio Iriri. Às margens deles, há três Resex - Rio Iriri, Riozinho do Anfrísio e Rio Xingu. As famílias que vivem na região foram impactadas.
No ano passado, houve a necessidade de distribuição de cesta básica. Este ano, a opção foi abastecer a Rede de Cantinas com alimentos para serem trocados.
Rede Terra do Meio
Em 2024, a Rede Terra do Meio - que reúne ribeirinhos, beiradeiros, extrativistas, indígenas e agricultores familiares - movimentou cerca de R$ 2 milhões, sendo que cerca de R$ 500 mil foram para o comércio da castanha. O que não é consumido pelas famílias, é encaminhado para venda ou troca na rede de cantinas num processo que promove o comércio justo.
A Rede é um exemplo concreto de como a sociobioeconomia pode aliar cultura, conservação e geração de renda. Com produtos como castanha, babaçu, óleo de andiroba e artesanatos, a Rede promove uma economia que mantém a floresta viva, garantindo sustentabilidade para as comunidades e reduzindo os impactos das mudanças climáticas.
Os impactos da emergência climática sobre as safras serão debatidos durante a Semana do Extrativismo - Semex, que acontece em maio, na Terra Indígena Koatinemo, em Altamira, no Pará.
Este ano, como não haverá a receita vinda da castanha, está sendo estruturado um plano emergencial. Uma alternativa é a aquisição de produtos não perecíveis que podem ser armazenados e comercializados em Altamira. Outra possibilidade é a compra de estoque de farinha e óleo de babaçu para armazenamento e posterior venda.
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As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Estudo revela falhas graves na análise de viabilidade da Ferrogrão e questiona impactos socioeconômicos
Relatório do Instituto Socioambiental (ISA) aponta erros metodológicos, custos subestimados e ausência de análise de riscos na avaliação do projeto ferroviário
Vista aérea da Ferrogrão, um projeto de uma ferrovia que vai formar corredor ferroviário de exportação pela Bacia Amazônica|Alberto César Araújo/Amazônia Real
Um estudo realizado pelo Instituto Socioambiental (ISA) aponta falhas metodológicas e conceituais na Análise Socioeconômica de Custo e Benefício (ACB) da Ferrogrão, comprometendo os resultados positivos esperados para o projeto. Segundo o relatório, erros nos cálculos de custos e benefícios, omissão de externalidades relevantes, definição inadequada do escopo da análise e ausência de uma avaliação de riscos tornam os resultados apresentados pouco confiáveis.
“As falhas comprometem a validade dos resultados apresentados pela ACB Ferrogrão como instrumento de apoio à tomada de decisão”, destaca o estudo. A falta de rigor metodológico pode levar a decisões equivocadas, com impactos negativos para a sociedade e o meio ambiente. O relatório alerta que a análise pode mascarar custos para grupos vulneráveis, como comunidades tradicionais e trabalhadores informais, enquanto beneficia setores como produtores rurais e usuários da infraestrutura, incluindo tradings.
Custos subestimados e riscos ignorados
O estudo também sugere que os custos de construção e operação da ferrovia podem estar subestimados. De acordo com o ISA, a análise desconsidera despesas com compensações ambientais e sociais, adaptação ao risco climático e utiliza parâmetros de custo irrealistas, baseados no custo de construção da Ferrovia de Integração Centro-Oeste (FICO 1) pela Vale.
Mariel Nakane, assessora técnica do ISA, ressalta que ainda há discussões fundamentais a serem realizadas antes de submeter o projeto à concessão. “As externalidades socioambientais negativas recaem sobre terceiros, como comunidades tradicionais. O projeto só se torna viável com uma redistribuição de benefícios, em forma de compensações. As comunidades entendem o que vão perder e estão de acordo em serem compensadas? Isso deve ser discutido antes de o projeto ser submetido à concessão. Caso contrário, o concessionário herdará um legado de conflitos distributivos e futuras judicializações. Quem quer ser o concessionário de uma nova Belo Monte?”, questiona.
Problemas na metodologia da ACB Ferrogrão
A Análise Socioeconômica de Custo e Benefício da Ferrogrão foi realizada pelo Ministério dos Transportes em parceria com as empresas Tetra+ e EDLP. Esse estudo complementa o "Caderno Socioambiental" do projeto, que integra os Estudos de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA), a serem protocolados no Tribunal de Contas da União (TCU) no primeiro semestre de 2025.
A ACB concluiu que “condicionado aos impactos diretos e indiretos estudados, a implementação do projeto EF-170 traz à sociedade ganhos que suplantam as possíveis perdas, sugerindo ser interessante o prosseguimento do projeto sob esta ótica”. No entanto, o estudo do ISA afirma que a análise não seguiu as diretrizes metodológicas do Guia Geral de Análise Socioeconômica de Custo-Benefício de Projetos de Investimento em Infraestrutura, lançado pelo governo federal em 2022.
A análise original não considera a hidrovia do Tapajós como parte essencial do projeto, ignorando custos e externalidades, especialmente os impactos socioambientais do complexo de Estações de Transbordo de Carga (ETCs) e da hidrovia sobre povos e comunidades tradicionais.
“A Ferrogrão pretende aumentar em cinco vezes a movimentação na hidrovia do Tapajós, mas não a considera na análise de viabilidade. Seria como atestar a viabilidade de uma usina hidrelétrica na Amazônia sem considerar os custos de sua linha de transmissão! É exatamente isso que aconteceu com o desastre de Belo Monte e que esperamos que nunca venha a acontecer com o Tapajós”, alerta Daniel Thá, economista da Kralingen Consultoria.
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Ferrogrão prevê uma ferrovia de mais de 900 km cortando a Amazônia|Acervo ISA
Externalidades socioambientais ignoradas
A ACB desconsidera adequadamente as externalidades do desmatamento induzido e da ampliação do sistema de transporte, que afetam povos e comunidades tradicionais. O estudo presume que não haverá indução de desmatamento, justificando-se na disponibilidade de áreas de pastagem para conversão agrícola na região.
Ausência de análise de risco
Outro ponto crítico é a ausência de uma avaliação de riscos e de sensibilidade, elementos fundamentais para a ACB. Não há consideração sobre riscos climáticos, tanto em relação à resiliência da infraestrutura quanto à perda de produtividade agrícola.
“O próprio Ministério dos Transportes desenvolveu o AdaptaVias, projeto que traz o estado da arte na avaliação de riscos climáticos para ferrovias e rodovias, mas não o aplicou no caso da Ferrogrão. A análise do risco climático deveria se tornar de praxe, informando, inclusive, a matriz de riscos de uma eventual concessão”, afirma Thá.
O risco de sobrecustos da construção também é destacado como um problema grave. O estudo aponta que, ao atravessar a floresta amazônica, os custos poderiam ser consideravelmente mais altos. Enquanto o projeto da Ferrogrão prevê um custo de R$ 11 milhões por quilômetro, o valor considerado para a FICO 1, executada pela Vale, foi de R$ 28 milhões por quilômetro.
Conclusão
O estudo do ISA alerta que as falhas metodológicas na análise distributiva e na avaliação de alternativas de implementação da Ferrogrão podem gerar impactos significativos sobre grupos prejudicados e comprometer a estruturação do investimento. Além disso, o relatório sugere que o projeto não deve ser financiado pelo governo, seja por implementação direta ou subsídios, pois não geraria externalidades positivas suficientes para justificar o aporte público.
“O principal critério para o governo decidir sobre subsidiar um projeto deve ser a geração de benefícios sociais líquidos, especialmente quando o projeto não é viável sob a ótica privada. Um exemplo no setor de transportes é a oferta de transporte público coletivo, que, apesar de ser geralmente deficitário em termos operacionais devido à baixa capacidade de pagamento dos usuários, gera significativas externalidades positivas e precisa, portanto, ser subsidiado. Evidentemente, esse não é o caso da Ferrogrão”, conclui o estudo.
O que é a ACB?
A Análise Socioeconômica de Custo-Benefício (ACB) é um método utilizado para avaliar projetos de investimento com base nos efeitos ao longo de seu ciclo de vida, comparando-os a um cenário sem o projeto. Esse modelo considera custos e benefícios, incluindo intangíveis e externalidades, expressos em métrica monetária.
“A Análise Socioeconômica de Custo-Benefício é uma ferramenta essencial para darmos racionalidade aos investimentos de interesse público no Brasil, sejam diretos ou na forma de subsídios, e não podemos desperdiçar a oportunidade de usá-la no caso da Ferrogrão”, afirma Daniel Thá.
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Monitoramento ambiental territorial independente (MATI) da Volta Grande do Xingu lança perfil no Instagram
Coletivo de pesquisadores indígenas, ribeirinhos e acadêmicos analisa desde 2013 os impactos da usina de Belo Monte
O Monitoramento Ambiental Territorial Independente (MATI), grupo de pesquisadores indígenas, ribeirinhos e acadêmicos que atua na Volta Grande do Xingu (VGX), no Pará, começa a partir deste sábado (08/02) a divulgar no Instagram o trabalho realizado desde 2013 e que consiste na coleta de dados para a comprovação das mudanças no fluxo do Rio Xingu e seus efeitos sobre a vida aquática e nas florestas.
O perfil do MATI no Instagram vai compartilhar informações sobre a origem do coletivo de pesquisadores e sua luta para que o monitoramento ambiental seja reconhecido pelos órgãos responsáveis pelo licenciamento das obras na região. Também, vai falar sobre temas essenciais, como as piracemas, os hidrogramas adotados pela UHE Belo Monte e a proposta dos pesquisadores, além de esclarecer aspectos fundamentais sobre o licenciamento e o funcionamento da usina.
O coletivo conta com o apoio do Instituto Socioambiental (ISA), a Iniciativa Amazônia + 10, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM), a Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (Fapespa), a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Universidade de São Paulo, a Universidade Federal do Pará e o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA).
Pioneirismo dos Yudjá/Juruna
O monitoramento começou em 2013, pela Associação Yudja Muratu da Volta Grande do Xingu (AYMIX), uma organização que representa o povo Yudjá/Juruna da Volta Grande do Xingu e atua para defender os direitos dos povos indígenas e das comunidades ribeirinhas da região.
Antes da construção da usina, as comunidades viviam em relações multiespécies de intensas trocas com o Rio Xingu e seus peixes, plantas, praias, insetos, tracajás e animais domésticos. Mas, em apenas sete minutos, tempo que durou o leilão da UHE Belo Monte, as vidas dos povos da região mudaram drasticamente, graças aos impactos da obra e seu sistema de operação. Belo Monte matou o pulso do rio ao cortar a vazão da Volta Grande e sequestrar a maior parte das águas. As drásticas mudanças vêm provocando a morte dos ecossistemas locais e danos graves aos moradores.
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Criança juruna na aldeia Mïratu, na Terra Indígena Paquiçamba (PA). Indígenas vivem próximo à barragem e sofrem graves consequências|Marcelo Soubhia/ISA
Sobre o MATI
O MATI, como é hoje, é fruto da ampliação, em 2020, do trabalho da AYMIX. Seu propósito é registrar as alterações provocadas pela relação entre a vazão do Rio Xingu e os impactos ambientais causados por Belo Monte, utilizando diferentes métodos de produção de dados e unindo os conhecimentos tradicionais e científicos, que resultam em uma pesquisa colaborativa e intercultural.
O projeto foi ampliado para outras três aldeias da Terra Indígena Paquiçamba e seis comunidades ribeirinhas e as informações coletadas são utilizadas para dar visibilidade aos problemas, apoiar denúncias junto aos órgãos de fiscalização, como Ibama, Funai e Ministério Público, além de subsidiar a construção de planos de viabilidade econômica e sustentabilidade ambiental.
Os pesquisadores vêm registrando os impactos terríveis provocados pelo desvio de 70% a 80% das águas do Rio Xingu para as turbinas da UHE Belo Monte. O coletivo vem lutando por uma partilha de “água justa” e mostrando que o monitoramento realizado pela Norte Energia, concessionária de Belo Monte, não é isento, já que os dados levantados pelo MATI mostram que o hidrograma utilizado vem provocando a morte de peixes e até o desaparecimento de espécies na região da Volta Grande do Xingu.
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Belo Monte mudou drasticamente o fluxo do Rio Xingu. Na imagem, pescadores na Volta Grande do Xingu, na 5ª Canoada Xingu|Marcelo Soubhia/ISA
“O nosso monitoramento tem uma grande importância tanto para os indígenas como para os ribeirinhos que moram ao longo da VGX, pois, desta forma, podemos mostrar a nossa realidade e comparar os resultados com os da empresa, que vem afirmando que não há impactos. No entanto, o nosso acompanhamento mostra os impactos sociais, na fauna, na flora e, principalmente, na saúde da população local”, afirma Josiel Juruna, coordenador do MATI.
Data simbólica
No dia 8 de fevereiro de 2023, os pesquisadores chegaram na margem do Rio Xingu, no local conhecido como piracema do Odilo, e se depararam com milhões de ovas de peixes mortas nos barrancos secos e incapazes de eclodir e gerar novos peixes. O local era um berçário de peixes e foi transformado em um túmulo a céu aberto, em decorrência dos níveis de volume de água (hidrogramas A e B) liberados pela hidrelétrica, após o barramento do rio.
Assista à animação e entenda mais sobre os hidrogramas:
As pesquisas do MATI têm evidenciado que o monitoramento realizado pela Norte Energia é insuficiente para captar a real dimensão dos impactos sobre a pesca tradicional. Os estudos apontam que a ausência de um monitoramento adequado contribui para o aumento de pragas, a redução e mortalidade de peixes, a dificuldade de navegação no Xingu e a consequente precarização da alimentação, da saúde e dos meios de subsistência das populações indígenas e das comunidades tradicionais.
O grupo vem lutando para que o “Hidrograma das Piracemas” seja aplicado para garantir o ciclo de reprodução dos peixes, especialmente em áreas de piracema, para onde os peixes migram na época de reprodução. Sem essa mudança no hidrograma, as fêmeas de várias espécies continuarão encontrando a seca, onde deveria haver alagamento, e perdendo suas ovas.
Sobre a UHE Belo Monte
O histórico da Usina Hidrelétrica de Belo Monte é marcado por muita luta, resistência e controvérsia. Desde a sua concepção, os povos indígenas e comunidades tradicionais denunciam os impactos não compensados e nem reparados devidamente pela empresa.
Belo Monte recebeu a Licença Prévia em 2010 e iniciou as suas operações em 2015. A construção da usina causou o deslocamento de pelo menos 20 mil pessoas das comunidades tradicionais e indígenas, desrespeitando o direito de consulta e impedindo a continuidade de modos de vida especializados há séculos em proteger o rio e as florestas.
Ao alterar o curso do Rio Xingu, Belo Monte provoca a perda de biodiversidade na região, com a mortandade de peixes e outras espécies aquáticas e o desaparecimento de florestas alagáveis. Para ambientalistas, indígenas e ribeirinhos, os impactos negativos são tão graves que configuram um ecocídio. Os alegados benefícios da usina não justificam a gravidade e profundidade de seus custos socioambientais.
A redução da pesca e a dificuldade de acesso a outros alimentos têm causado insegurança alimentar nas comunidades afetadas e, em 2021, a licença de operação venceu e aguarda a análise do Ibama das informações complementares apresentadas pela Norte Energia.
Segundo um parecer do Ibama, de 2022, a empresa cumpriu apenas 13 das 47 condicionantes socioambientais impostas no período de concessão da licença.
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As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Alimentação tradicional nas escolas de Mato Grosso gera renda e fortalece cultura, saúde e meio ambiente
Articulações entre Catrapovos - MT, sociedade civil, poder público e povos e comunidades tradicionais ampliam acesso ao PNAE
Das roças e rios para a merenda escolar: peixe com farinha são alguns dos alimentos que estão chegando às escolas de Mato Grosso|Jéssica Daiane/ISA
Banana, manga, mamão, pequi, cana, macaxeira, murici, tucunaré, matrinxã, pintado, amendoim, mel, pirão, beiju. Já pensou ter seus filhos e filhas matriculados em uma escola que ofereça aos alunos produtos recém-colhidos nas roças e na floresta, além de peixes frescos?
Alimentos como esses, que saem das mãos e do trabalho de pequenos produtores — muitos deles pais e parentes dos estudantes — estão chegando a algumas escolas de Mato Grosso.
Um exemplo é a Escola Estadual Indígena Hadori, na Terra Indígena São Domingos, do povo Iny, conhecido como Karajá, no município de Luciara (MT), que está desenvolvendo um projeto-piloto e este ano irá fornecer a seus cerca de 90 alunos alimentos produzidos na própria comunidade.
Essa mudança está acontecendo com a articulação da Comissão de Alimentos Tradicionais dos Povos em Mato Grosso (Catrapovos – MT). A comissão reúne parceiros e busca a adequação e ampliação do acesso ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), possibilitando que agricultores indígenas, quilombolas, extrativistas, retireiros, pantaneiros, morroquianos e ribeirinhos consigam fornecer seus produtos às escolas das comunidades.
No cardápio da Escola Hadori, a língua indígena já indica a mudança que vai aparecer no prato. Os alunos vão poder comer Irá mare (mandioca e beiju), Krose (cucuz), Ijore Benôra (sopa de peixe), Uxé (farofa de peixe) e Iwerú (canjica).
Diretor da escola, Célio Kawina Ijavari comemorou. “Nosso povo vai vender peixe, farinha, abóbora, batata doce, mandioca. Vai melhorar a merenda!”
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Roças tradicionais indígenas preservam o meio ambiente e enriquecem alimentação escolar|Guaíra Maia/ISA
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Alimentos cultivados nas roças viram merenda nutritiva e adequada aos hábitos locais|Samara Souza/ISA
A chamada pública específica para aquisição dos alimentos dos povos e comunidades tradicionais aconteceu no início deste ano, sendo que seis produtores da comunidade foram cadastrados.
Célio Kawina Ijavari conta que, no ano passado, a escola promoveu uma atividade sobre alimentação saudável e serviu pratos tradicionais, usando os produtos locais. A comunidade escolar aprovou. “A comunidade pensou em vender o seu produto para os alunos comerem, valorizando a alimentação do nosso povo e incentivando o cultivo. Essa é a nossa ideia”, relatou.
Segundo o diretor, na comunidade, as pessoas estão consumindo muitos industrializados. O programa pode apoiar no resgate da alimentação tradicional e mais saudável. E, ainda, incentivar o sistema agrícola tradicional do povo Iny, inclusive despertando o interesse dos mais jovens.
Catrapovos
As ações que vêm acontecendo a partir da Catrapovos – MT têm como semente a Comissão de Alimentos Tradicionais dos Povos no Amazonas (Catrapoa), criada por iniciativa do Ministério Público Federal (MPF) e que busca a adequação de políticas públicas de aquisição de alimentos à realidade local dos povos e comunidades tradicionais. A iniciativa acabou se transformando em uma mesa nacional permanente de debates sobre o tema e dando origem às comissões nos estados.
Catrapovos - MT
Em Mato Grosso, os trabalhos da Catrapovos vêm sendo impulsionados pela sociedade civil. Fazem parte da Secretaria Executiva da Catapravos - MT o Instituto Socioambiental (ISA), o Instituto Centro de Vida (ICV) e a Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq).
A entidade parceira é o MPF com a colaboração da Secretaria de Estado de Educação (Seduc-MT); Empresa Mato-Grossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural (Empaer-MT); Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai); Companhia Nacional de Abastecimento (Conab); Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição Escolar (Cecane - IFMT).
Também fazem parte da Catrapovos - MT: Pacto das Águas, Centro de Tecnologias Alternativas (CTA), Operação Amazônia Nativa (Opan), WWF, Conexus - Instituto Conexões Sustentáveis; Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Fase - Solidariedade e Educação - MT, Instituto Comida e Cultura (ICC), Instituto de Pesquisa, Educação e Sustentabilidade Samaúma, Associação Xaraiés, além de associações indígenas, quilombolas, ribeirinhas, retireiras, extrativistas e pantaneiras.
“A política impulsiona toda uma cadeia positiva. E a Catrapovos busca desburocratizar e ampliar acessos e benefícios, fortalecendo os sistemas agrícolas, a alimentação saudável e as tradições por trás de cada alimento. Também, promove a geração de renda local, sendo alternativa a outros sistemas que trazem grandes impactos aos territórios e aos modos de vida tradicionais, como madeira, soja e garimpo”, explicou o engenheiro agrônomo Marcelo Martins, analista do ISA e atuante na Catrapovos - MT.
Em Mato Grosso, o grupo foi formalizado em junho de 2022 e se reúne mensalmente. Marcelo Martins contou que um dos primeiros passos foi a elaboração do regimento e da carta de princípios.
A antropóloga Luísa Tui Rodrigues Sampaio, analista do ISA, também integra a Catrapovos – MT. “Com nossa atuação, estamos unindo as pontas, ou seja, os produtores, as escolas e as entidades parceiras, como a Secretaria de Estado de Educação, a Seduc”, disse.
Outro trabalho que vem sendo desenvolvido junto às comunidades a partir da Catrapovos é o levantamento da produção: qual alimento pode ser fornecido e em qual quantidade.
A informação é repassada para a Seduc, que elabora o cardápio incluindo os produtos tradicionais. A Funai também está produzindo um diagnóstico da produção em algumas das comunidades indígenas.
“Buscamos soluções por meio do debate sobre a alimentação. E esse diálogo se relaciona com a segurança e a soberania alimentar e com outros temas urgentes, como mudanças climáticas, queimadas, desmatamento e uso de agrotóxicos. As comunidades já vêm percebendo, há mais tempo, impactos como a perda de sementes e a dificuldade em alguns cultivos.”
Gestor de projetos no ICV, Eriberto Muller relatou que, em dois anos de atuação, a Catrapovos - MT conseguiu avanços importantes ao reunir instituições em torno da pauta da alimentação tradicional nas escolas.
Um dos impactos positivos que ele cita é na saúde. “As mulheres indígenas relatam aumento de doenças como diabetes e colesterol alto que foram trazidas pelas alimentação convencional nas aldeias e nas escolas. Esse depoimento é preocupante”, afirmou.
Ele apontou ainda que a mobilização da comunidade para participação no PNAE promove o reconhecimento do potencial produtivo dos povos tradicionais, abrindo possibilidades de novos caminhos, como fornecimento de produtos para outros mercados institucionais, por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
Yaiku Suyá, representante da Associação Terra Indigena Xingu (Atix) na Catrapovos - MT, reforçou que é muito importante que a alimentação tradicional esteja nas escolas. “O alimento tradicional é muito rico, traz saúde. A comida de fora, da cidade, a gente não sabe a maneira que foi feita e pode fazer mal. Sabemos que tem muito agrotóxico”, refletiu. Ele ponderou que a lista de alimentos que podem ser vendidos às escolas deve ser ampliada, com inclusão de itens locais.
Projeto-piloto
A Escola Estadual Indígena Hadori foi escolhida para desenvolver o projeto-piloto porque reuniu as condições para participar do PNAE — a escola estava mobilizada e havia agricultores interessados em fornecer seus produtos. Mas, ainda assim, não conseguia acessar o programa.
Um grupo de trabalho envolvendo a Secretaria Executiva da Catrapovos e o MPF-MT, por meio do procurador Ricardo Pael Ardenghi, foi responsável pela mobilização para a execução do projeto-piloto e irá acompanhar de perto as ações para identificar gargalos e potenciais. A experiência poderá ser expandida para outras comunidades e escolas.
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Escola Estadual Indígena Hadori, na Terra Indígena São Domingos, recebe projeto-piloto para desenvolver o PNAE|Luísa Tui/ISA
“Com esse projeto, vamos monitorar a política enquanto a sua implementação está acontecendo, verificando os gargalos e as forças, de forma a alimentar ideias que vão fazer o PNAE rodar melhor e chegar a outros territórios”, avaliou Marcelo Martins.
Uma das atividades foi a promoção, em 2024, de uma oficina para que produtores e a própria escola pudessem entender como acessar o PNAE e o PAA. A oficina foi realizada pelo Cecane e Empaer, com acompanhamento do ISA, ICV, Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e Seduc, através da Diretoria Regional de Educação (DRE) de Confresa.
Outra iniciativa da Catrapovos – MT busca identificar alimentos que têm maior escala e podem ser oferecidos para escolas de todo o Estado e até do país, como baru, jatobá, pequi, babaçu, castanha do Brasil e mel.
“A adequação da política pública valoriza os modos de vida desses povos e as adaptações que eles desenvolveram no tempo para estarem nesses espaços. Os povos e comunidades tradicionais aprenderam a viver em cada ambiente e em cada bioma. Fazer com que os alimentos produzidos por eles cheguem à merenda escolar é descolonizar pela alimentação, o que é importante para a resiliência desses povos e seus sistemas agrícolas”, contou Marcelo Martins.
Outra ação da Catrapovos em 2024 foi a participação na 2ª Semana de Agroecologia, com a promoção de uma mesa com a participação do ISA, ICV, Conab, Seduc. Representantes da Escola Indígena Estadual Kamadu e de quilombolas puderam relatar suas experiências sobre a alimentação escolar tradicional.
“Durante o encontro, representantes da Seduc informaram que, com a articulação da Catrapovos, está havendo uma maior participação das escolas indígenas e quilombolas ao PNAE”, disse Luísa Tui.
No final de 2024, ao menos 30 escolas indígenas e três quilombolas de Mato Grosso tinham apresentado preparos tradicionais na alimentação escolar a ser servida em 2025.
Estima-se que nas escolas estaduais do Território Indígena do Xingu (TIX), o recurso movimentando pelo PNAE gire em torno de R$1 milhão ao ano. Formado por quatro Terras Indígenas contíguas — Parque Indígena do Xingu, Wawi, Pequizal do Naruvôtu e Batovi — o TIX abriga 16 povos.
Procurador da República no Amazonas, Fernando Merloto Soave, que juntamente com outros três procuradores coordena a Catrapovos Brasil, considera que o PAA e o PNAE são políticas públicas que podem causar impactos positivos em diversas áreas, além da alimentar, como segurança pública nos territórios, saúde, empoderamento dos jovens e crise climática.
“Possibilitar acesso a uma geração de renda sustentável é, muitas vezes, afastar esses povos do aliciamento do garimpo, do narcotráfico, do desmatamento, além da cooptação de jovens e lideranças para atividades ilícitas. Hoje, infelizmente parte dos jovens indígenas, quilombolas, ribeirinhos estão saindo de seus territórios por ausência de políticas públicas, de perspectivas e ainda alguns acabam se envolvendo com álcool e drogas, com impactos negativos em questões de saúde mental, depressão, suicídios. Com a facilitação e a adequação do acesso à política pública, podemos mitigar inúmeros problemas, contribuir para a segurança alimentar e a alimentação saudável, mas também para a segurança pública e a saúde mental”, considerou.
Adequação
Pode parecer fácil levar o alimento da roça para a escola. Mas não é. A legislação complexa estava impedindo muitos agricultores de acessarem a política. Para agregar as adequações à política foram realizadas várias rodadas de negociação.
Em outubro de 2023, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) divulgou a Nota Técnica nº 3744623/2023. Anteriormente já havia a Nota Técnica nº 3/2020/6ªCCR/MPF. Os documentos são resultados de articulações promovidas pela Mesa de Diálogos Permanente Catrapovos Brasil.
Entre as inovações trazidas pelas notas técnicas está a ampliação do leque de produtos que podem ser entregues diretamente às escolas das comunidades, em um sistema de compra direta. Além dos produtos vegetais in natura, entram produtos processados, como farinhas e bolos, e produtos de origem animal, como os pescados e frango.
Houve ainda a simplificação na documentação a ser apresentada pelo produtor e a abertura de uma chamada pública específica para povos e comunidades tradicionais.
Outros desafios estão por ser resolvidos para a ampliação do programa, que ainda não atinge a totalidade do Estado e do sistema escolar. Entre eles, os que envolvem a expedição de nota fiscal, questão que será debatida em 2025. Com as adequações, os órgãos públicos trazem os indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais — e seus modos de vida — para o centro da discussão.
“As adequações à política pública reconhecem que essas populações têm um jeito próprio de produção e conservação dos alimentos e têm conhecimentos sobre a comida que são importantes de serem contemplados. Isso é muito inovador em termos de política pública”, concluiu Luísa Tui.
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Organizações indígenas cobram escuta e regras ambientais na pavimentação da MT-322
Instituto Raoni e Atix alertam em nota para impactos da pavimentação da rodovia e cobram condução federal do licenciamento
Em nota conjunta divulgada nesta quarta-feira (29/01), o Instituto Raoni e a Associação Terra Indígena do Xingu (Atix) defenderam que o licenciamento ambiental da pavimentação da rodovia estadual MT-322 seja conduzido pelo Ibama e pela Funai, garantindo a escuta das comunidades indígenas e a realização de estudos de impactos socioambientais.
O governador de Mato Grosso, Mauro Mendes (União Brasil), por outro lado, declarou durante encontro com lideranças Kayapó, na semana passada, querer que o processo fique sob responsabilidade da Secretaria de Meio Ambiente do estado (SEMA/MT) para agilizar as obras.
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Imagem de 2016 da rodovia estadual MT-322, no norte do Mato Grosso. Associações indígenas exigiram condução federal do paviamento|André Villas-Bôas/ISA
No entanto, a estrada atravessa Terras Indígenas, como Capoto-Jarina e o Território Indígena do Xingu, o que exige a condução federal do processo de licenciamento. Também, a pavimentação da MT-322 pode favorecer a expansão do agronegócio e atrair atividades ilegais, como invasões e roubo de madeira.
O Instituto Raoni e a Atix destacam que não se opõem ao asfaltamento, mas exigem respeito aos direitos indígenas e às leis ambientais. “O governo estadual não solicitou autorização ao Ibama para manutenção da via, mas agora quer acelerar o asfaltamento sem considerar os impactos ambientais e sociais”, apontam no texto.
A nota foi divulgada após a repercussão de reunião no dia 20 de janeiro entre lideranças indígenas, incluindo o Cacique Raoni, com o governador de Mato Grosso. A publicação de fotos e declarações pelo governo estadual gerou mal-estar entre os indígenas.
Abundância é a palavra que define o plantio realizado em dezembro do ano passado na Aldeia Sapezal, em Querência (MT). Mais do que cumprir metas globais de restauração, a iniciativa busca resgatar e proteger tradições culturais e recursos naturais essenciais para a sobrevivência da comunidade.
O plano integrou a semeadura direta com muvuca e a implantação de um Sistema Agroflorestal (SAF) utilizando sementes locais, promovendo sustentabilidade e fortalecendo os laços com os saberes ancestrais.
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Plantio na Aldeia Sapezal (MT) com a técnica da muvuca utilizou sementes locais, como pequi, buriti, jenipapo e urucum|Lara Aranha/ISA
Na área de 12,5 hectares - outros 12 foram implantados em 2023 -, às margens do Rio Kuluene, nos limites do Território Indígena do Xingu, teve semeadura direta de muvuca para restauração e implantação do SAF com plantio em covas de sementes das espécies de interesse cultural.
Na agrofloresta, também tem pequi de sementes das próprias aldeias, que, além de alimentar a comunidade, poderá ser comercializado.
Na ambiciosa lista de objetivos estão:
1 - Manejo do fogo - Plantar aproveitando para manejar o capim à beira da estrada
2 - Restauração - substituir capim por floresta
3 - Preservar tradição da cultura alimentícia, artística e ritualística
4 - Cultivar plantas de interesse cultural e econômico
“Eles querem abundância de pequi dos indígenas do Xingu, buriti, jenipapo e urucum. Pequi para alimentação, buriti para cobertura, utensílios e artesanato e jenipapo e urucum para pintura corporal, porque o Alto Xingu está deixando de pintar os corpos com jenipapo e urucum, usando nankin no lugar”, explicou a ecóloga Kátia Ono, do Instituto Socioambiental (ISA).
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Pequi faz parte da alimentação tradicional do povo Kalapalo|Eduardo Malta/ISA, Édemo Corrêa
Segundo ela, a comunidade escolheu estas espécies para resgatar e manter os costumes alimentares e culturais, para consumo interno e externo. “Estão colocando floresta no lugar do capim, evitando o fogo, resgatando aspectos culturais importantes e também com geração de renda”, completou.
Cuidado com a floresta
O trabalho de semear durou oito dias e envolveu não apenas a comunidade kalapalo da Aldeia Sapezal, como também técnicos do ISA, Redário e Rede de Sementes do Xingu. “Nós temos mais de cinco mil pés de pequi. Temos que plantar roça, frutas e plantar uma coisa que pode sustentar a comunidade, que pode tornar essa área em uma renda e a gente tá falando do pequi, do urucum. A gente compra bananas e frutas no mercado, sabendo que a gente tem uma área para plantar”, afirmou Bilú Kalapalo, responsável da comunidade pela ação.
De acordo com as informações da engenheira florestal e técnica do ISA, Lara Aranha Costa, o preparo do solo foi mecanizado e a muvuca semeada manualmente. “A muvuca de 1,5 toneladas foi composta por 69 diferentes espécies - nove espécies de adubação verde e 60 espécies arbóreas e arbustivas nativas. Com esse plantio, a área total é de 24,5 hectares, implantados entre 2023 e 2024, e sete hectares de regeneração natural”, informou.
“Os indígenas cuidam quando algo faz sentido. Por isso, trazer a lógica agroflorestal para a restauração e a ideia de colocar pequi, urucum e jenipapo. Os indígenas têm uma relação de cuidado com as espécies, porque se relacionam com elas, fazem sentido para eles. Elas os engajam para o cuidado. E o cuidado melhora a qualidade da floresta que virá”, finalizou Kátia Ono.
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PGTA e Protocolo da TI Kayapó: o caminho para cuidar da terra, da floresta, dos rios e das pessoas
Instrumentos fortalecem aliança histórica dos Mẽbêngôkre-Kayapó na gestão do território, um dos mais afetados pelo garimpo
Ireô Kayapó puxa o 'metoro' de celebração no lançamento do PGTA e Protocolo de Consulta da TI Kayapó, no Memorial dos Povos Indígenas|Kubekàkre Kayapó/Coletivo Beture 2024
Representantes das sete associações Mẽbêngôkre-Kayapó da Terra Indígena Kayapó (Pará) se reuniram no Memorial dos Povos Indígenas, em Brasília, no último dia 4 de dezembro, para lançar oficialmente o Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) e o Protocolo de Consulta da TI Kayapó. Estes instrumentos, construídos de forma coletiva, são considerados marcos para a proteção do território e do modo de vida do povo Kayapó.
O evento de lançamento reuniu lideranças indígenas, autoridades e representantes de organizações parceiras. Em uma cerimônia marcada pela emoção, os presidentes das sete associações Mẽbêngôkre-Kayapó - Associação Floresta Protegida (AFP), Associação Angrôkrere, Associação Pôre, Associação Tuto Pombo, Associação Kranhmeiti, Associação Piôkrere e Associação Pykôre - receberam das mãos das lideranças mais velhas as publicações do PGTA e do Protocolo de Consulta.
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Sandro Takwyry e os presidentes das Associações da TI Kayapó: Po’Y Kayapó, Kenkrô Kayapó, Patkàre Kayapó e Pàtkôre Kayapó|Kubekàkre Kayapó/Coletivo Beture 2024
Quem conduziu a cerimônia foi Tânia Paiakan, filha da histórica liderança Kayapó Paulinho Paiakan. Honrada, ela celebrou o crescimento do protagonismo feminino na luta de seu povo e deu voz à Vice-Presidente da AFP Nhakton Kayapó, que fez um discurso mobilizador na língua Mẽbêngôkre-Kayapó.
A família Paiakan também esteve representada por Oé Paiakan, chefe da unidade regional da Funai no Sul do Pará, que participou de diálogo sobre o território com outros convidados, Maial Paiakan, Bep’tori Paiakan e Irekran Paiakan, respectivamente filhas, neto e esposa de Paulinho.
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Tânia Paiakan conduziu a cerimônia de lançamento de publicação que reúne o Protocolo e o PGTA da Terra Indígena Kayapó|Kubekàkre Kayapó/Coletivo Beture 2024
O que são PGTAs?
De caráter dinâmico, os PGTAs têm como pano de fundo a expressão do protagonismo, autonomia e autodeterminação dos povos indígenas no seu, até agora, exitoso processo de proteção ambiental e controle territorial. Por essa razão, são tomados como estratégicos para a reflexão e planejamento do uso sustentável dos territórios indígenas, de forma a assegurar a melhoria da qualidade de vida e as condições plenas de reprodução física e cultural das atuais e futuras gerações e, de outro lado, tendo o não menos importante papel de fornecer subsídios para orientação de políticas públicas ambientalistas e indigenistas, ao demonstrar demanda, por meio de informações válidas e consistentes, de ações estruturantes nas Terras Indígenas a partir de uma correlação entre a política pública e a política indígena. Clique aqui para saber mais.
Para os kuben (termo para “não indígena” na língua Mẽbêngôkre-Kayapó), o protocolo de consulta estabelece as diretrizes e os procedimentos que devem ser seguidos quando decisões ou ações externas possam impactar diretamente direitos, territórios ou modos de vida, de povos indígenas e comunidades tradicionais. Já para os Kayapó é, além disso, um instrumento de união e futuro:
“Esses documentos são muito importantes não só para nós, mas para os nossos filhos e nossos netos. Os kuben, senadores e deputados, precisam respeitar esse documento. Hoje é um dia histórico e eu estou muito feliz por fazer parte disso,” declarou Kenkrô Kayapó, presidente da Associação Kranhmeiti.
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Lideranças das Terra Indígena Kayapó unidas pela proteção do modo de vida Mẽbêngôkre-Kayapó|Kubekàkre Kayapó/Coletivo Beture 2024
Durante o processo de elaboração do PGTA, os Mẽbêngôkre-Kayapó traduziram o termo "Plano de Gestão Territorial e Ambiental" como Pyka mẽ bà mẽ ngô mẽ mẽ’ĩ mẽ ‘ã no am kadjy amĩ pry karõ djiri, que significa "o caminho para cuidar da terra, da floresta, dos rios e das pessoas". Essa tradução reflete a visão dos Kayapó sobre a gestão de seu território, mostrando que, para eles, o significado da promoção da gestão territorial e ambiental sustentável em Terras Indígenas transcende os limites de uma política pública ou de um plano técnico. Para os indígenas, cuidar da terra, da floresta, dos rios e das pessoas é um ato que perpassa o passado, presente e futuro. É a garantia de que os ensinamentos dos seus mais velhos continuam vivos, protegendo não apenas o território físico, mas a essência cultural e espiritual que sustenta o modo de ser Kayapó.
A gestão territorial, para os Mẽbêngôkre-Kayapó, é um compromisso com a vida. Não se trata apenas de proteger a biodiversidade ou evitar o desmatamento — embora isso também seja crucial —, mas de proteger a relação entre a floresta e os Mẽbêngôkre-Kayapó. Cada árvore, cada rio, cada animal carrega um significado profundo, conectado à história, aos mitos e às práticas cotidianas que nutrem as vidas das 70 aldeias da TI Kayapó.
Ao lançar o PGTA e o Protocolo de Consulta, os Kayapó reafirmaram sua autonomia e o direito de decidir sobre os rumos de suas terras, enfrentando as ameaças externas com organização e união. Esses instrumentos representam o fortalecimento de um caminho coletivo, onde o futuro do território é construído a partir de suas próprias perspectivas e prioridades, promovendo não apenas a proteção territorial, mas também de suas vidas.
PGTA e Protocolo de Consulta: União em Defesa do Território
A atualização do PGTA e a elaboração do Protocolo de Consulta da TI Kayapó tiveram início em 2021, articulado pela Associação Floresta Protegida. Durante o processo de construção, as associações Angrôkrere, Pôre, Tuto Pombo, Kranhmeiti, Piôkrere e Pykôre se uniram à AFP, formando uma aliança histórica em defesa da TI Kayapó.
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As sete associações da Terra Indígena Kayapó se reuniram na Aldeia Gorotire para firmar um pacto pela proteção dos seus territórios|Beptemexti Kayapó/Coletivo Beture 2024
Durante a atualização do PGTA, as associações Mẽbêngôkre-Kayapó decidiram unir o Protocolo de Consulta ao PGTA. A decisão reflete a preocupação dos Kayapó com os impactos das pressões e ameaças sobre os seus territórios e comunidades. Os instrumentos se complementam: se por um lado o PGTA apresenta o planejamento para gestão ambiental e territorial dos Mẽbêngôkre-Kayapó, o Protocolo estabelece regras claras para consultas públicas que afetem o território, garantindo que o direito à consulta prévia, livre e informada seja respeitado.
“O PGTA e o Protocolo de Consulta são caminhos para o fortalecimento da nossa organização e do nosso modo de viver. O Protocolo de Consulta é muito importante para nós, pois nosso território está cercado de kuben, que querem expandir o plantio de soja. Quando houver qualquer autorização do Estado sem o nosso consentimento, teremos este instrumento fundamental para apresentar. Devemos fortalecer a nossa tradição, e este documento se torna um meio de reforçar a nossa própria organização social” destacou Kenaka Pombo, presidente da Associação Pôre Kayapó.
Setenta aldeias e sete associações participaram da construção do PGTA e do Protocolo de Consulta, fortalecendo a união entre diferentes regiões da Terra Indígena Kayapó. Para Adriano Jerozolimski, Diretor do Projeto Kayapó no Brasil da International Conservation Fund of Canada (ICFC), o processo foi tão significativo quanto o resultado obtido.
“Exigiu muita articulação política e um esforço de muitas lideranças para reduzir distâncias, estabelecer diálogos e quebrar uma polarização histórica na Terra Indígena Kayapó. Que essa união, propiciada pela construção dessas ferramentas, continue sendo fortalecida, e que os Kayapó possam contar com cada vez mais parceiros na sua luta,” afirmou.
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Sandro Takwyry, da Aldeia Gorotire, esteve à frente das oficinas realizadas na TI Kayapó para a atualização do PGTA e construção do Protocolo de Consulta|Kubekàkre Kayapó/Coletivo Beture 2024
O PGTA e o Protocolo de Consulta também criaram um espaço para que lideranças de diferentes aldeias refletissem sobre os desafios e o futuro de seu território. “Foi um processo de discussões longas, com temas complexos, conduzido de forma propositiva e harmoniosa. Reunimos caciques que raramente têm a oportunidade de sentar juntos para deliberar sobre um território comum. O sentimento que fica é de união e a certeza de que, mesmo antes de sua publicação, o PGTA já está gerando frutos,” destacou Pàtkôre Kayapó, presidente da Associação Floresta Protegida.
Em janeiro de 2024, a Aldeia Gorotire se tornou o centro de um momento histórico para os Mẽbêngôkre-Kayapó. Representantes das sete associações indígenas da Terra Indígena Kayapó se reuniram para validar o Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) e o Protocolo de Consulta. Mais de 500 Mẽbêngôkre-Kayapó participaram ativamente, firmando um pacto pela proteção da TI Kayapó.
A escolha da Aldeia Gorotire para sediar esse encontro simboliza um marco na relação entre os Mẽbêngôkre-Kayapó, pois Gorotire é a área mais afetada pelo garimpo ilegal dentro da Terra Indígena Kayapó e o palco de uma das maiores invasões de terras indígenas da história do Brasil. Nas décadas de 1980 e 1990, a região foi alvo da corrida do ouro incentivada pelo Estado, que trouxe destruição e violações de direitos.
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Garimpo de Maria Bonita em 1990|José Carlos Libânio
O garimpo Maria Bonita, localizado nas proximidades da Aldeia Gorotire, foi símbolo da exploração predatória da região. Segundo o líder Kayapó Paulinho Paiakan (in memoriam), a invasão da região foi diretamente incentivada pelo governo, que não apenas facilitou a entrada dos garimpeiros, mas também organizou e participou ativamente da exploração de garimpo ilegal. “A Caixa Econômica Federal estava no garimpo Maria Bonita, também estava a Polícia Federal, a Polícia Militar do Pará. Era um garimpo muito grande”, relatou Paiakan no PGTA da Terra Indígena Kayapó.
Em 1985, os Mẽbêngôkre-Kayapó da aldeia ocuparam o garimpo Maria Bonita em um ato de resistência para exigir a demarcação de seu território. Apesar das negociações terem levado à criação oficial da Terra Indígena Kayapó, os Mẽbêngôkre-Kayapó foram forçados a aceitar a continuidade do garimpo em troca da demarcação da Terra Indígena Kayapó.
“A demarcação mesmo dessa terra, a decisão política sobre os limites que tinham que ser demarcados é de 1985, três anos antes da constituição de 1988. O povo Kayapó conquistou esse território antes da constituição brasileira, em um tempo em que a política indigenista ainda era decidida pelos militares. Os limites desse território tem 3 milhões de hectares e foi duramente conquistado, durante as negociações pelos velhos kayapó com os militares. Em um tempo em que não tinha demarcação do estado. Nesse tempo, tempo duro. Eu lembro que quando foi tomada essa decisão ela foi muito criticada pelos outros militares, que falaram que tinha muita terra para os Kayapó. E foi criticado por outros, que defendiam que para poder ter essa demarcação os kayapó tiveram que aceitar a imposição dos militares em deixar o garimpo dentro do território, relatou Márcio Santilli, presidente do Instituto Socioambiental (ISA), durante o cerimonial de lançamento do PGTA e Protocolo de Consulta.
Agora, quase quatro décadas depois, a validação do PGTA e do Protocolo de Consulta na Aldeia Gorotire representa uma virada na luta dos Kayapó para a proteção de seu território, com a consolidação de uma aliança entre os benadjwyre (líderes), benadjwyre-nire (jovens líderes) e guerreiros das diferentes aldeias, mostrando que a memória do passado pode inspirar a força coletiva do presente. A decisão de realizar esse encontro na ngàbe (casa central) de Gorotire reforça o pacto dos Mẽbêngôkre-Kayapó contra o garimpo ilegal com a transformação das memórias de invasão em inspiração para proteger seus territórios e modos de vida.
Confira o vídeo manifesto produzido pelos Comunicadores Mẽbêngôkre-Kayapó, em forma de vídeo na Aldeia Gorotire
Uma das regras do Protocolo de Consulta é que o governo tem o dever de consultar os Mẽbêngôkre-Kayapó sobre qualquer medida administrativa ou legislativa que os afete diretamente. “Qualquer decisão, seja do governo federal, estadual ou municipal, que tenha impacto sobre o nosso território, nosso meio ambiente e nossas vidas deve ser consultada. A construção de estradas nas proximidades do nosso território, mudanças nos órgãos que trabalham conosco e novas leis e políticas públicas que nos dizem respeito, assim como empreendimentos e grandes projetos que afetem o território, são exemplos de decisões que não podem ser tomadas antes de sermos consultados”, afirmam os Mẽbêngôkre-Kayapó na publicação.
Em relação às empresas que queiram fazer contratos com os Mẽbêngôkre-Kayapó, da Terra Indígena Kayapó, caso demandem decisões que impactem todo território ou que dizem respeito a todas as comunidades - como, por exemplo, o desenvolvimento de projetos de crédito de carbono - as empresas também devem seguir o Protocolo de Consulta. “Nenhum cacique, nenhuma liderança nem nenhuma associação pode decidir em nome de toda a Terra Indígena Kayapó. As decisões que impactam a vida dos Mẽbêngôkre-Kayapó devem ter participação de todos e devem ser tomadas seguindo os procedimentos deste Protocolo”, reforçam no Protocolo de Consulta.
Como enfatizado na tradução do termo PGTA para o Kayapó, "o caminho para cuidar da terra, da floresta, dos rios e das pessoas" é também um caminho de resistência e de esperança. É o compromisso de um povo que vê na gestão de seu território a base para garantir a dignidade de suas gerações futuras e a contribuição para um planeta mais equilibrado e respeitoso com a diversidade de formas de vida. Para os Mẽbêngôkre-Kayapó, promover a gestão territorial e ambiental é preservar a alma da floresta e, com ela, a essência Mẽbêngôkre-Kayapó.
Ao final da cerimônia, os Mẽbêngôkre-Kayapó entregaram o PGTA e o Protocolo de Consulta a Márcio Santilli, presidente do ISA e aliado histórico do povo Kayapó. Em um discurso emocionante, Santilli recordou momentos marcantes da luta pela demarcação da Terra Indígena Kayapó e prestou uma homenagem aos ancestrais que abriram caminho para as conquistas atuais.
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Márcio Santilli, Pàtkôre Kayapó e Sandro Takwyry apresentam o histórico da Terra Indígena Kayapó|Kubekàkre Kayapó/Coletivo Beture 2024
“Esse documento que vocês estão me entregando tem muito valor. É a prova de que, quando a gente ganha a guerra, a memória e o legado se tornam ferramentas para o futuro”, disse Márcio. Ele compartilhou a história de sua primeira visita ao território, em 1986, quando foi convidado para uma reunião no Gorotire sobre a Constituinte. Dessa conversa nasceu a decisão dos Kayapó de irem a Brasília lutar pela inclusão dos direitos indígenas na Constituição de 1988.
Santilli lembrou especialmente Kànhõk, um velho chefe guerreiro que, na época, havia decidido trocar a guerra pela paz em nome do futuro de seu povo. “Kànhõk me disse: ‘Eu nasci e cresci guerreando contra vocês. Se fosse por mim, eu continuaria até o fim. Mas eu sou cacique e preciso pensar no meu povo. Meu povo precisa de paz para que nasçam muitas crianças e ocupem todo esse território. Essas crianças serão os guerreiros Mẽbêngôkre do futuro.”
Ele destacou que o legado de Kànhõk está presente na força e na união dos Kayapó de hoje. “Esse documento une vocês na memória dos velhos que iniciaram essa luta e garantiram o território que hoje vocês protegem. Vocês têm a obrigação de cumprir o que está escrito aqui, porque ele é fruto do sacrifício de muitos que já não estão entre nós.”
Santilli finalizou com uma homenagem ao território e ao povo Kayapó, propondo uma reflexão: “Esse lugar é chamado oficialmente de Terra Indígena Kayapó, mas, se vocês quiserem, podem chamá-lo de Território da Paz. Foi o acordo e a luta que deram a vocês o tempo para crescerem e se tornarem um povo grande e forte, como são hoje.”
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Kànhõk Kayapó mostra mapa de concessões mineirais em terras Kayapó ao deputado Tadeu França|Beto Ricardo/ISA
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Raoni Metuktire, Kànhõk Kayapó e Paulinho Paiakan conversam com o deputado Ivo Lech, da Assembleia Nacional Constituinte|Beto Ricardo/ISA
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Rede Terra do Meio inova e busca novas trilhas para produtos e serviços da floresta
Beiradeiros, agroextrativistas e indígenas ampliaram formas de valorização de sua economia e modos de vida no 11º Encontro da Rede Terra do Meio, em Altamira (PA)
Castanha-do-Brasil ainda dentro do ouriço|Lilo Clareto/ISA
Você já provou a castanha-do-brasil retirada diretamente do ouriço? Wara Wara Xipaya, professora e extrativista, conta que o sabor é único. “A castanha, quando é retirada do ouriço, é fresca e tem um leite delicioso usado para alimentar as crianças e na culinária em geral. A castanheira é uma árvore muito grande que tem vários ouriços que caem no chão. Daí a gente faz a coleta e quebra esse ouriço, que guarda de 20 a 25 amêndoas. A gente descasca e come, mas também pode ralar e espremer essa amêndoa para tirar o leite. E aí já está no jeito pra beber, utilizar na comida, com beiju, que a gente chama de paru, e outros nossos alimentos”, detalha.
Essa riqueza, colhida às margens do Rio Iriri, na Terra Indígena Xipaya, e em toda a Terra do Meio, em Altamira (PA), é um exemplo dos conhecimentos e produtos da sociobiodiversidade que a Rede Terra do Meio transforma em sustento e conservação da floresta, dos povos e suas culturas.
Entre os dias 6 e 8 de dezembro, Altamira recebeu o 11º Encontro da Rede Terra do Meio, espaço de governança que reuniu 31 das 39 organizações que compõem o coletivo, representando 10 territórios indígenas, três reservas extrativistas – Resex Xingu, Resex Riozinho do Anfrísio e Resex do Iriri - e uma organização de agricultura familiar, localizadas em aproximadamente 7,9 milhões de áreas protegidas.
Durante o evento, foram aprovados instrumentos inovadores, como o Fundo Terra do Meio. Foram redefinidos valores de produtos e, ainda, discutido o aprimoramento de atividades, entre elas a coleta de sementes e comercialização para restauração e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
Além disso, o Governo do Pará apresentou uma proposta de projeto para pilotar e desenvolver mecanismos de Pagamentos por Serviços Territoriais e Ambientais (PSTA) – voltado para territórios coletivos.
Presidente da Rede Terra do Meio, Francisco de Assis Porto de Oliveira – o Seu Assis -, reforçou a importância da união do grupo, formada por agricultores familiares, beiradeiros e indígenas: “Desde a criação da primeira cantina, em 2009, vimos a Rede crescer. Hoje, cuidar dela é cuidar de algo que pertence a todos nós.”
Analista sênior em economia da sociobiodiversidade do Instituto Socioambiental (ISA), Jeferson “Camarão” Straatmann considera que o encontro da Rede Terra do Meio é mais do que um espaço de troca de experiências: trata-se de um momento de reafirmar compromissos e sonhar com novos horizontes. Ele integra a secretaria executiva da Rede.
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Wara Wara Xipaya, professora e extrativista|Ana Amélia Hamdan/ISA
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Francisco de Assis Porto de Oliveira, Seu Assis (de vermelho)|Joelmir Silva/Rede Xingu+
“A Rede promove a sociobioeconomia, levando em conta não só produtos e comércio, mas principalmente o fortalecimento dos saberes, conhecimentos e práticas de manejo que mantêm a floresta viva, desencadeando efeitos positivos para a cultura, biodiversidade, proteção da água, combate aos efeitos da mudança climática. Essa é uma economia que gera renda, promove culturas e entrega serviços ecossistêmicos para todas e todos nós”, explica.
Coordenadora adjunta do Programa Xingu, do ISA, Fabíola Silva reforça que o encontro é um momento único de articulação e planejamento coletivo dos povos e comunidades tradicionais. “Se governos e sociedade querem tratar de bioeconomia e de estratégias para promover povos e produtos da floresta, é preciso olhar para a Rede Terra do Meio”, diz.
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Jeferson “Camarão” Straatmann fala durante encontro que reuniu representantes de 31 organizações de três Resex e nove Terras Indígenas|Ana Amélia Hamdan/ISA
Sonhos e planejamentos
Os participantes do encontro aprovaram o Fundo Terra do Meio, que contará com recursos de projetos, doações e pagamentos por serviços ambientais (PSA), promovendo a execução de ações ligadas às estratégias e objetivos da Rede. O fundo deve promover atividades de governança, estruturas coletivas e manejo, com previsão de recursos para emergências.
"O Fundo Terra do Meio é uma construção inovadora, oficializada neste encontro. Ele é parte do regimento interno que foi atualizado e aprovado na assembleia. E vai nortear a aplicação e o investimento de recursos, com foco em governança, manejo e resposta a crises climáticas e outras emergências, melhorando a qualidade de vida das pessoas que vivem nas comunidades", explica Francinaldo Lima, membro da secretaria-executiva da Rede Terra do Meio.
Durante o encontro, João Luis Abreu, economista do ISA, desenhou um painel ilustrativo e explicativo da estrutura da Rede e do Fundo da Terra do Meio, tendo o apoio de Clara Assis, assessora da secretaria executiva do ISA.
“Neste espaço de troca, onde desafios são refletidos, sonhos ganham direção e decisões são tomadas em conjunto. Essa é a essência da construção de uma economia em rede que promove a floresta em pé e o bem estar das comunidades”, afirma João Luis Abreu.
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Clara Assis e João Luis Abreu, assessora da secretaria executiva e economista do ISA, respectivamente, desenham painel explicativo|Ana Amélia Hamdan/ISA
O fundo será utilizado com base em critérios claros, aprovados coletivamente, e contará com um sistema de premiação para incentivar boas práticas. Entre as possibilidades, está o fortalecimento da diversidade nas roças.
Além disso, a governança será marcada pela transparência. “É uma responsabilidade coletiva e um ganho para a Rede, que agora tem um novo instrumento para potencializar suas ações”, comenta Jeferson “Camarão”.
PSTA: valorizando os guardiões da floresta
Outro ponto alto do encontro foi a apresentação, pelo Governo do Estado do Pará, do projeto piloto do Programa de Pagamento por Serviços Territoriais e Ambientais (PSTA) em Territórios Coletivos.
O objetivo é construir o programa estadual de pagamentos por serviços ambientais para territórios coletivos a partir das experiências a serem construídas na região da Terra do Meio. O piloto, financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), deve iniciar em 2025 com o processo de consulta às comunidades.
O PSTA tem como objetivo reconhecer e recompensar as comunidades que mantêm a floresta em pé, preservando a biodiversidade e mitigando os impactos das mudanças climáticas.
Articulador do programa pelo Governo do Pará, Vanderson Serra destacou que as formas como esse pagamento será feito serão discutidas com as comunidades, com decisão conjunta.
A região da Terra do Meio foi escolhida para o piloto devido às estruturas de governança existentes, como a Rede Terra do Meio. Os representantes da rede concordaram em seguir em diálogo com o estado do Pará, acompanhando os processos de consulta, construção e teste dos mecanismos de pagamento e promoção dos serviços de conservação que realizam há séculos.
Alimentando escolas e fortalecendo comunidades
O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), acessado em 2024 pela Rede Terra do Meio, vem transformando a relação entre as comunidades e as escolas da região e gerando renda.
Assessora da Diretoria de Política Agrícola e Informação da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Maria Cazé esteve no encontro e promoveu uma oficina com representantes de 12 territórios – três Resex e nove terras indígenas – que vão começar a desempenhar o papel de agentes territoriais para apoiar a execução e comunicação do PAA, visando ainda maior participação da base de produtores na gestão de novos projetos.
“Esse, para nós, é um dos projetos de PAA mais importantes do Brasil. Aqui na Terra do Meio está o maior projeto executado pela Conab no Pará, no valor de R$ 1,5 milhão. É um projeto que tem a maior diversidade de alimentos entre todos os executados – são 82 tipos. Foram incluídos no programa 22 alimentos que não tinham sido registrados ainda. Ninguém no Brasil entrega alimentos como golosa, cacauí, peixe feito na massa da macaxeira. Esse projeto é grandioso tanto em diversidade de alimentos quanto em diversidade de povos”, explica.
Além de melhorar e trazer diversidade para a alimentação nas escolas dos territórios, o PAA impacta positivamente a economia das comunidades.
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Riqueza das roças, da floresta e dos rios vão para as escolas por meio do PAA.JPG|Ana Amélia Hamdan/ISA
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Peixes fazem parte dos alimentos que são entregues pelos ribeirinhos e indígenas nas escolas|Ana Amélia Hamdan/ISA
Moradora da comunidade Baliza, na Resex Xingu, Marinês Lopes de Souza faz entrega de alimentos para a escola local. “Faço entrega de manga, carambola, cheiro verde, feijão verde, arroz, galinha, bolo de babaçu”, enumera.
Com a atividade, ela reforça a renda e alimenta a própria família: seis de seus netos estudam na escola e podem comer na merenda os produtos do quintal, da roça e da floresta. “É um incentivo para continuar produzindo e preservando nossa cultura”, diz.
O articulador de políticas públicas Leonardo de Moura, do ISA, ressaltou o caráter inovador do PAA: “Estamos mudando a forma de executar políticas públicas, adaptando-as às realidades locais. Isso é essencial para promover justiça social e ambiental.”
Na Rede Terra do Meio, em 2024, a castanha – um dos principais produtos do coletivo - movimentou R$ 500 mil. O PAA movimentou R$ 1 milhão.
Modelo de sociobioeconomia
A Rede Terra do Meio é um exemplo concreto de como a sociobioeconomia pode aliar cultura, conservação e geração de renda. Com produtos como castanha, babaçu, óleo de andiroba e artesanatos, a Rede promove uma economia que mantém a floresta viva, garantindo sustentabilidade para as comunidades e reduzindo os impactos das mudanças climáticas.
Fazem parte da rede de beiradeiros, agricultores familiares e povos indígenas como Xipaya, Kuruaya, Xikrin, Kayapó, Arara, Araweté e Assurini.
Em 2024, foram movimentados mais de R$ 2 milhões em produtos como a castanha coletada por Wara Wara Xipaya e por grande parte dos moradores da Terra do Meio: o que não é consumido pelas famílias, é encaminhado para venda ou troca na rede de cantinas num processo que promove o comércio justo.
“Tudo o que fazemos, da roça ao manejo sustentável, é trabalho que gera conservação”, resume Francisco de Assis Porto de Oliveira.
Comunicadores amplificam vozes da Rede Terra do Meio
Conhecedores das Terras Indígenas e reservas da Terra do Meio, jovens comunicadores vêm fortalecendo os caminhos da sociobiodiversidade com suas câmeras e celulares. A Rede Terra do Meio agora conta com um grupo de comunicadores que desempenham um papel essencial na proteção dos modos de vida dos indígenas agroextrativistas e ribeirinhos da região e fortalecem a união entre os integrantes da Rede Terra do Meio, conectando e informando todos sobre as atividades da Rede.
Quem está à frente do grupo é Joelmir Silva e Silva, assessor de comunicação da Rede Terra do Meio. “Sou beiradeiro, neto de indígena e filho de seringueiro, da comunidade Maribel, às margens do rio Iriri, na Terra Indígena Cachoeira Seca”, descreve.
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Comunicadores, entre eles Joelmir Silva (de verde), fazem foto da liderança Nei Xipaya durante o encontro em Altamira|Ana Amélia Hamdan/ISA
Em 2019, ele foi escolhido por lideranças da sua comunidade para exercer a função de comunicador na Rede Xingu+. “Meu trabalho busca traduzir informações técnicas para uma linguagem acessível às comunidades, promovendo entendimento e integração”, explica.
"É uma forma de luta. Somos comunicadores e lideranças e atuamos através de câmeras e celulares para tirar nosso povo da invisibilidade", relata, destacando a importância de dar voz às narrativas locais. Agora, ele assume o desafio de fortalecer a comunicação da Rede Terra do Meio.
Clique aqui e confira a exposição Os Olhos do Xingu, onde o comunicador Joelmir Silva apresenta as belezas e desafios no Xingu.
A Rede Xingu+, por meio dos Comunicadores indígenas e ribeirinhos do Xingu, está fortalecendo a produção coletiva da comunicação na Rede Terra do Meio. Esse grupo é composto por 33 comunicadores engajados, que unem esforços para valorizar as vozes e as realidades das comunidades que vivem.
Parte dos Comunicadores da Rede Xingu+ integram a comunicação da Rede Terra do Meio, que atualmente conta com nove Comunicadores, entre eles, está Alice Freitas Kuruaya, comunicadora da Resex Rio Xingu.Outro exemplo é Maxiel da Silva Ferreira, da Resex Rio Iriri, que encontra na fotografia e no cinema poderosas ferramentas para divulgar e proteger a cultura ribeirinha. Ele ressalta como a troca de experiências entre os comunicadores da Rede Terra do Meio é fonte de aprendizado e inspiração para seu trabalho.
Já Yjapyka Xipaya, morador da TI Xipaya, iniciou sua jornada como comunicador no ano passado. Ele divide seu tempo entre as atividades tradicionais da aldeia e sua atuação como comunicador, aproveitando as reuniões e encontros para absorver conhecimento e aprimorar sua experiência. Como ele mesmo relata: “Agora eu estou criando mais experiência, encontrando com os comunicadores. Às vezes eu fico calado, prestando atenção, aprendendo nas reuniões.”
A Rede Terra do Meio se consolida como um espaço de aprendizagem colaborativa, onde os caminhos da sociobiodiversidade se encontram. Comunicadores como Joelmir, Alice, Yjapyka e Maxiel, junto a outros jovens, têm trabalhado para fortalecer as vozes da floresta, visibilizando as histórias dos membros que formam a Rede Terra do Meio e compartilhando com o mundo como os seus modos de vida contribuem no enfrentamento às mudanças climáticas
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“Os Olhos do Xingu” chegam a Brasília: exposição une arte, resistência e reconhecimento dos povos da floresta
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Comunicadores xinguanos conectam histórias e territórios na exposição “Os Olhos do Xingu”, no Museu Nacional da República, em Brasília|Ariel Gajardo/ISA
A exposição "Os Olhos do Xingu", inaugurada na última sexta-feira (06/12) no Museu Nacional da República, em Brasília, destaca a luta dos povos indígenas e ribeirinhos da Bacia do Rio Xingu. Por meio de fotografias e vídeos, a mostra oferece um olhar sensível sobre a cultura, os desafios e as ameaças enfrentadas no Corredor Xingu de Diversidade Socioambiental.
Os comunicadores que participam da exposição fazem parte da Rede Xingu+ e conectam, por meio da produção de fotografias e vídeos, o vasto território que se estende por 26,7 milhões de hectares entre os biomas Amazônia e Cerrado, abrangendo áreas protegidas nos estados do Pará e Mato Grosso.
Fundada em 2019, a Rede Xingu+ surgiu em resposta ao avanço das ameaças e pressões sobre o Corredor, demonstrando ao longo dos anos que sua atuação é crucial para a proteção do território e o enfrentamento à crise climática.
A rede congrega 53 organizações e movimentos indígenas, ribeirinhos e da sociedade civil, que operam nas nove unidades de conservação e 22 terras indígenas da Bacia do Xingu, articulados em torno da proteção das vidas do Xingu.
“A foto de uma criança representa a vida livre na aldeia. É isso que queremos: ser livres e saudáveis. Sinto que, como comunicadores, lutamos através da comunicação. Eu me vejo como uma liderança, não tradicional, mas uma liderança que luta pelos direitos, não só dos povos indígenas, mas de todos. Se a gente não falar, todos sofrerão as consequências”, afirma Kujãesage Kaiabi, curadora da exposição.
Durante a cerimônia de abertura, Kujãesage Kaiabi reforçou o papel das imagens como forma de resistência: “Estamos aqui não somente expondo uma foto bonita, mas fortalecendo a luta das nossas lideranças. Nosso papel é muito importante. Somos os olhos do Xingu e lutamos pela proteção contra as ameaças”.
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A curadora da exposição “Os Olhos do Xingu”, Kujãesage Kaiabi durante a cerimônia de abertura|Kamikiá Kisêdjê/Rede Xingu+/ISA
A abertura marcou não apenas um momento importante na trajetória profissional e pessoal da curadora Kujãesage Kaiabi e dos oito Comunicadores Xinguanos, mas também um avanço na ocupação de espaços de resistência pelos povos indígenas e ribeirinhos.
“Para mim, essa exposição representa que nós, povos indígenas, podemos ocupar qualquer espaço que desejarmos, incluindo aqueles que são fundamentais na luta pela resistência”, declarou a curadora.
Para o comunicador Kokoyamatxi Renan Suya, a exposição marca um momento histórico para o seu trabalho. “Levar o meu olhar até a capital do Brasil, no espaço mais importante do país, que é o Museu Nacional da República, é uma conquista para nós artistas indígenas e beiradeiros”, contou emocionado durante a abertura da exposição.
O evento contou com a presença de apoiadores e da presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, o que reforçou o reconhecimento da exposição idealizada pelos comunicadores indígenas e ribeirinhos. “Sentir esse apoio é uma confirmação de que nossa voz está sendo ouvida e valorizada”, afirmou Kujãesage Kaiabi.
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A presidenta da FUNAI, Joenia Wapichana, afirmou a importância da arte como ferramenta de comunicação e resistência|Kamikiá Kisêdjê/Rede Xingu+/ISA
Joenia Wapichana compôs o cerimonial de abertura e destacou a importância da arte como ferramenta de comunicação e resistência: “A sociedade brasileira precisa entender e se engajar nesses esforços, porque a luta por direitos indígenas deve ser uma responsabilidade compartilhada. Por meio do talento e potencial dos povos indígenas, mostramos que queremos apenas ser respeitados nos nossos modos de vida”, afirmou.
Além de Joenia Wapichana, participaram do evento Felipe Ramón Moro Rodríguez, representando a Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal e o Museu Nacional da República; Márcio Santilli, presidente do Instituto Socioambiental (ISA); e Jean-Pierre Bou, chefe-adjunto da Delegação da União Europeia no Brasil.
“Fico muito feliz e fortalecido pelo ministro Jean-Pierre Bou e a presidenta da Funai prestigiar a exposição e reconhecer o nosso papel que é importante na luta pela vida, território e direito”, compartilhou o comunicador Kokoyamatxi Renan Suya.
Também estiveram presentes na abertura Thiago Yawanawá, chefe de gabinete da deputada Célia Xakriabá, e Lucas Marubo, coordenador da Frente Parlamentar Mista em Direitos dos Povos Indígenas, bem como Tukumã Pataxó e Samella Sateré Mawé, representantes da comunicação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Serpenteando pelas curvas do Xingu
Após o cerimonial de abertura, o público foi convidado a conhecer as 20 fotografias pela voz dos comunicadores xinguanos, que conduziram uma visita guiada compartilhando as histórias que motivaram a produção das imagens.
Joelmir Silva e Silva, Kamatxi Ikpeng, Kokoyamaratxi Renan Suya, Kubenkàkre Kayapó, Kujãesage Kaiabi, Nharapá Juruna, Po yre Menkragnotire, Tauana Kalapalo e Yamony Muriki Yawalapiti Kuikuro explicaram os recursos escolhidos para a produção e o tratamento das imagens, além de apresentar as pessoas e lugares retratados.
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Graduandos do Departamento de Antropologia (DAN) da UnB, em visita guiada pelos Comunicadores Xinguanos|Kamikiá Kisêdjê/Rede Xingu+/ISA
A visita também contou com a presença de 15 alunos da graduação do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (UnB), acompanhados pelo professor e antropólogo Henyo Barreto. A presença dos comunicadores indígenas e ribeirinhos proporcionou um aprendizado enriquecedor, baseado no contato direto com narrativas de quem vive no Xingu.
Os estudantes tiveram a oportunidade de dialogar com os comunicadores xinguanos, que desempenham um papel ativo na representação de suas comunidades, aproximando os futuros antropólogos de uma abordagem mais participativa. Durante a visita guiada, os comunicadores não apenas compartilharam suas visões e conhecimentos, mas também desafiaram os estudantes a refletirem sobre a centralidade da voz indígena e ribeirinha na construção do saber antropológico.
A interação agregou às discussões teóricas a vivência prática, oferecendo uma compreensão mais rica e contextualizada das questões culturais e políticas dos povos do Xingu. Essa experiência sensibilizou os estudantes para as complexidades das relações interculturais, contribuindo para que atuem como profissionais mais conscientes e comprometidos com a justiça social e o respeito à diversidade.
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Kokoyamaratxi Renan Suya apresentou fotografia que retrata festa do povo Khisêtjê, cujo território está contaminado por agrotóxicos|Kamikiá Kisêdjê/Rede Xingu+/ISA
Para o comunicador Kokoyamaratxi Renan Suya, a visita dos alunos e professores universitários teve um papel essencial, pois permitiu que eles se conectassem com as obras e narrativas sobre a diversidade cultural, a importância da biodiversidade e os desafios enfrentados nos territórios do Xingu. Ele destacou que o conhecimento adquirido na exposição pode ser amplamente compartilhado em escolas e universidades, promovendo a conscientização e inspirando ações por um planeta mais saudável.
Formação do educativo do Museu Nacional da República
Um encontro entre os comunicadores xinguanos e o setor educativo de um museu foi essencial para garantir que a formação dos educadores fosse profunda, respeitosa e representativa das histórias que inspiraram a produção das obras fotográficas apresentadas, especialmente no contexto de uma exposição como “Os Olhos do Xingu”.
Esse tipo de encontro promove um diálogo direto, permitindo que o educativo do museu compreenda, de forma mais detalhada e sensível, as narrativas, os significados e as perspectivas que os comunicadores xinguanos desejam transmitir.
Por isso, antes da abertura da exposição, os comunicadores da Rede Xingu+ realizaram a formação do educativo do Museu Nacional da República e de Bianca Brivarez e Ro Silva, mediadores, que irão conduzir as atividades até o encerramento da exposição.
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Comunicadores conversam com o setor educativo do Museu Nacional da República, para alcançar os visitantes da exposição|Kamikiá Kisêdjê/Rede Xingu+/ISA
Esse encontro, realizado no dia 4 de dezembro, criou um espaço de aprendizado mútuo, no qual artistas e educadores compartilharam conhecimentos, fortalecendo a qualidade das mediações que serão realizadas ao longo da permanência da exposição “Os Olhos do Xingu”.
Os artistas xinguanos trouxeram vivências que formam o pano de fundo indispensável para que os educadores compreendam os valores e a simbologia dos temas retratados na exposição. A presença dos comunicadores xinguanos assegurou que a visão indígena e ribeirinha permanecesse central no processo de formação, reforçando o protagonismo dos povos do Xingu em narrar suas próprias histórias.
A interação entre os Comunicadores Xinguanos e o setor educativo contribuiu para a promoção de uma abordagem mais inclusiva e respeitosa sobre os temas retratados nas fotografias, tanto para os educadores quanto para o público que visitará o museu.
Com educadores bem formados e alinhados com a proposta dos artistas, o público terá acesso a uma experiência mais rica, ampliando sua compreensão sobre os modos de vida do Xingu. O conhecimento produzido durante a formação incentiva o diálogo entre as práticas educativas contemporâneas e a visão dos Comunicadores Xinguanos, garantindo que o público da exposição compreenda as inspirações que fundamentam “Os Olhos do Xingu”.
O conhecimento é circular
Em uma comunicação que não se separa da vida, as gerações mais antigas de Comunicadores Xinguanos seguem inspirando os mais jovens na produção de imagens criadas a partir de seus territórios de origem.
“Eu tirei essa foto na marcha das mulheres em 2023 para retratar a liderança de Ngrenhkàmôrô Kayapó. Fiz essa edição inspirada em uma fotografia do Kamikia Kisedje. Ele realizou uma edição bonita e poderosa utilizando preto, branco e vermelho em uma foto em que segura uma câmera. Isso me motivou a escolher essa linguagem para editar a foto dessa mulher guerreira da TI Kayapó”, relatou a comunicadora Yamony Muriki Yawalapiti Kuikuro.
Kamikia Kisedje expressou sua alegria ao ver seu trabalho servir como inspiração para Yamony Muriki Yawalapiti Kuikuro na criação de sua obra para a exposição. “Sinto-me verdadeiramente alegre por fazer parte desse grupo talentoso de comunicadores e por estar presente na exposição ‘Os Olhos do Xingu’”, afirmou o cineasta Khisêtjê.
Clique aqui para conferir o depoimento de Yamony Muriki Yawalapiti Kuikuro com os batidores sobre o tratamento da fotografia que compoe a exposição “Os Olhos do Xingu”.
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Yamony Yawalapiti apresenta a fotografia produzida a partir da inspiração dos tratamentos realizados por Kamikia Kisedje|Kamikiá Kisêdjê/Rede Xingu+/ISA
Ser comunicador, do ponto de vista das sociedades indígenas e ribeirinhas e dos próprios comunicadores, representa uma forma xinguana de produção de conhecimento. Esse processo é fundamental não apenas para os resultados finais das obras, mas também para os métodos de criação, que são inspirados nas trocas entre eles.
A produção fotográfica e audiovisual no contexto xinguano, como destacado na exposição, reflete um processo de conhecimento circular que conecta gerações, experiências e linguagens. Inspirar-se mutuamente é mais do que uma troca técnica; é um modo de criar narrativas visuais que valorizam a memória coletiva e a identidade dos povos do Xingu.
Essa dinâmica, exemplificada pelo diálogo entre Yamony Muriki Yawalapiti Kuikuro e Kamikia Kisedje, demonstra como a comunicação xinguana transcende o individual, reafirmando uma produção colaborativa baseada nos territórios de origem.
A exposição “Os Olhos do Xingu” torna-se, assim, um espaço onde não apenas as obras, mas também seus processos criativos, revelam a riqueza de uma visão xinguana de mundo — fundamentada no respeito, na ancestralidade e no fortalecimento contínuo das relações entre os “Olhos do Xingu”.
Serviço
Local: Museu Nacional da República – Setor Cultural Sul, Lote 2, Brasília (DF)
Visitação: 6 de dezembro de 2024 a 02 de fevereiro de 2025
Entrada gratuita
Realização: Rede Xingu+, União Europeia, Instituto Socioambiental (ISA)
Apoio: Fundação Rainforest da Noruega
Produção: Incentivem Soluções Culturais
Parceria: Secretaria de Relações Internacionais e Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Governo do Distrito Federal
Tauana Kalapalo, da Aldeia Kalapalo, ao lado de sua foto|Kamikiá Kisêdjê/Rede Xingu+/ISA
Kubenkàkre Kayapó, comunicador da aldeia Kôkrajmôro, na Terra Indígena Kayapó, aponta para sua foto|Kamikiá Kisêdjê/Rede Xingu+/ISA
Kamatxi Ikpeng mostra foto que fez de Ewelupi Waura na reunião da governança do Território Indígena do Xingu|Kamikiá Kisêdjê/Rede Xingu+/ISA
Joelmir Silva e Silva, comunicador beiradeiro e morador da Comunidade Maribel, no Rio Iriri mostra sua foto do por do sol refletido na água|Kamikiá Kisêdjê/Rede Xingu+/ISA
Nharapá Juruna, da aldeia Mïratu, Terra Indígena Paquiçamba, mostra sua foto do amanhecer no Encontro Xingu+|Kamikiá Kisêdjê/Rede Xingu+/ISA
Os fotógrafos expositores posam para foto na frente do cartaz da exposição|Kamikiá Kisêdjê/Rede Xingu+/ISA
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