A Bacia do Rio Xingu é uma região entre os estados do Mato Grosso e do Pará que simboliza a diversidade socioambiental brasileira. Uma diversidade de povos, florestas e rios que nascem no Cerrado e desembocam na floresta Amazônica, no centro do território nacional.
Essa diversidade socioambiental do Xingu está em grande parte abrigada dentro de um "corredor" de áreas protegidas (terras indígenas e unidades de conservação) que representa 50% da área da Bacia do Xingu. Essas áreas protegidas e suas florestas, conectadas entre si, abrigam uma das mais ricas biodiversidades do planeta e 26 povos indígenas e populações ribeirinhas, que resistem e insistem em existir como parte do presente - e do futuro - do Brasil.
Hoje, o Xingu é palco de conflito entre estes modos de vida e um modelo econômico baseado em atividades predatórias que envolvem desmatamento, queimadas, uso intensivo de agrotóxicos, garimpo, exploração ilegal de madeireira, grilagem de terras, construção de hidrelétricas, ferrovias e estradas.
As florestas, rios e povos do Xingu são o escudo contra a devastação que avança Brasil adentro. Na bacia estão localizados os municípios e terras indígenas com as maiores taxas de desmatamento dos últimos 10 anos na Amazônia Legal. As nascentes do rio Xingu já perderam mais de 40% de sua cobertura florestal.. Apesar disso, a diversidade socioambiental e a incrível resiliência dos povos do Xingu representam uma oportunidade concreta de pactuação de um novo modelo de desenvolvimento e de relacionamento com a floresta e seus povos.
É para isso que nós do ISA trabalhamos há quase três décadas com o pé no chão, com equipes e escritórios nas cidades de Canarana (MT) e Altamira (PA), junto a nossos parceiros locais, em três linhas de trabalho: Economia da Floresta, Restauração Florestal e Proteção Territorial.
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A Bacia do Rio Xingu é uma região entre os estados do Mato Grosso e do Pará que simboliza a diversidade socioambiental brasileira. Uma diversidade de povos, florestas e rios que nascem no Cerrado e desembocam na floresta Amazônica, no centro do território nacional.
Essa diversidade socioambiental do Xingu está em grande parte abrigada dentro de um "corredor" de áreas protegidas (terras indígenas e unidades de conservação) que representa 50% da área da Bacia do Xingu. Essas áreas protegidas e suas florestas, conectadas entre si, abrigam uma das mais ricas biodiversidades do planeta e 26 povos indígenas e populações ribeirinhas, que resistem e insistem em existir como parte do presente - e do futuro - do Brasil.
Hoje, o Xingu é palco de conflito entre estes modos de vida e um modelo econômico baseado em atividades predatórias que envolvem desmatamento, queimadas, uso intensivo de agrotóxicos, garimpo, exploração ilegal de madeireira, grilagem de terras, construção de hidrelétricas, ferrovias e estradas.
As florestas, rios e povos do Xingu são o escudo contra a devastação que avança Brasil adentro. Na bacia estão localizados os municípios e terras indígenas com as maiores taxas de desmatamento dos últimos 10 anos na Amazônia Legal. As nascentes do rio Xingu já perderam mais de 40% de sua cobertura florestal.. Apesar disso, a diversidade socioambiental e a incrível resiliência dos povos do Xingu representam uma oportunidade concreta de pactuação de um novo modelo de desenvolvimento e de relacionamento com a floresta e seus povos.
É para isso que nós do ISA trabalhamos há quase três décadas com o pé no chão, com equipes e escritórios nas cidades de Canarana (MT) e Altamira (PA), junto a nossos parceiros locais, em três linhas principais de trabalho: economia da floresta, restauração florestal e proteção territorial.
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Primeiro ano do Novo PAC repete erros
O processo decisório sobre projetos de investimentos do programa tem sido pouco transparente
Há um ano, o governo federal anunciou seu maior programa: o Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Se, por um lado, o país carece de infraestrutura para atender à população e garantir acesso a serviços públicos básicos, por outro, edições anteriores do PAC foram acometidas por baixa transparência, gravíssimos danos socioambientais, baixo envolvimento das comunidades afetadas, além de fraude, corrupção e milhares de obras atrasadas ou paralisadas, como o caso emblemático de Belo Monte.
Depois de um ano do novo programa, com mais de 5 mil empreendimentos em execução, onde estamos? O processo decisório sobre projetos de investimentos do Novo PAC tem sido pouco transparente. Não se sabe como as escolhas ponderaram aspectos sociais, econômicos e ambientais. É um erro que se repete, já que a tomada de decisão sobre empreendimentos é, tradicionalmente, uma das fases mais opacas do ciclo institucional de investimento público em infraestrutura no Brasil, que gera maiores riscos de cooptação por grupos de interesse e corrupção. O Novo PAC continua o padrão histórico de decisão de investimentos baseado num processo institucional fraco e num processo político forte.
Com relação à gestão de riscos e impactos socioambientais, o Novo PAC avançou na previsão de medidas institucionais direcionadas ao licenciamento ambiental federal, mas a falta de oportunidade para a participação da sociedade civil e de povos e comunidades tradicionais — geralmente sujeitos aos danos gerados por grandes obras —na definição dessas medidas continua com lacunas problemáticas. Segue em falta a regularização de passivos do licenciamento ambiental de empreendimentos públicos e de concessões, como a inadimplência na execução de condicionantes e medidas de mitigação e compensação de impactos.
Espera-se que o Novo PAC continue mobilizando esforços para a recomposição da força de trabalho de órgãos imprescindíveis ao licenciamento ambiental e para a modernização e integração dos sistemas no setor.
Outra omissão histórica do governo foi renovada: a ausência de integração estratégica entre políticas de infraestrutura e outros instrumentos de políticas públicas relacionadas a planejamento,ordenamento e gestão territorial e direitos sociais. Isso tem gerado conflitos em processos de licenciamento ambiental, que acabam herdando problemas de governança territorial e socioeconômicos que escapam à capacidade de prevenção, mitigação e compensação das medidas definidas como obrigatórias para o empreendedor, como o reconhecimento e a regularização dos direitos territoriais de indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais.
Caso sejam garantidos transparência, medidas robustas de integridade, envolvimento da sociedade, critérios técnicos,ambientais e climáticos para a tomada de decisão sobre investimentos, além de instrumentos de gestão de riscos e impactos socioambientais complementares ao licenciamento ambiental, a terceira edição do PAC pode se transformar num programa efetivamente novo.
* Maria Dominguez, coordenadora do Programa de Integridade e Governança Pública da Transparência Internacional - Brasil, Mariel Nakane, analista socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA) e Brent Millikan, membro da Secretaria Executiva do GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental.
Traçado da Ferrogrão, empreendimento ferroviário que pretende cortar as bacias dos rio Xingu e Tapajós|Acervo ISA
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As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Nota de pesar pelo falecimento de Tuíre Kayapó, liderança feminina histórica do Xingu
Símbolo da resistência indígena no Brasil, tornou-se mundialmente conhecida em 1989 ao brandir um facão contra o rosto do então presidente da Eletronorte
Tuíre Kayapó, liderança feminina histórica e símbolo da resistência indígena no Brasil, faleceu aos 57 anos|Benjamin Mast/La Mochila Produções/ISA
O Instituto Socioambiental (ISA) lamenta profundamente o falecimento de Tuíre Kayapó, liderança feminina histórica e símbolo da resistência indígena no Brasil. A guerreira gentil, que unia valentia e doçura, finalmente descansou após enfrentar bravamente um câncer no útero, aos 57 anos.
Nascida em Kokrajmôrô, coração da Terra Indígena Kayapó, Tuíre se tornou conhecida mundialmente com apenas 19 anos por seu corajoso ato de brandir um facão contra o rosto do então presidente da Eletronorte, José Antonio Muniz Lopes, em repúdio à construção da Usina Hidrelétrica Kararaô, que mais tarde se tornou conhecida como Belo Monte.
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Tuíre Kayapó brada um facão contra o rosto do diretor da Eletronorte, José Antonio Muniz, em protesto contra os projetos de construção de hidrelétricas na região do Xingu, durante o I Encontro dos Povos Indígenas do Xingu|Protásio Nenê/Estadão Conteúdo
O gesto icônico de Tuíre Kayapó aconteceu durante o I Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, em 1989, em Altamira (PA), e marcou para sempre a resistência dos povos indígenas contra projetos que ameaçavam suas vidas e territórios.
“Meu corpo representa o facão, e o facão representa meu corpo, pois são uma única força. Uma força e uma luta. Uma história. Sou mulher, mas tenho a mesma determinação que um homem na hora da raiva. Tenho os mesmos direitos que um homem. Não tenho medo de nenhum homem. Não tenho medo de ninguém, pois possuo a mesma força que vocês representam ter”, disse à Repórter Brasil.
Em entrevista à série #ElasQueLutam, do ISA, ela afirmou: “as florestas, os rios, os povos indígenas: é a sobrevivência deles que eu defendo até hoje”. Sua imagem e suas palavras ajudaram a adiar a construção da hidrelétrica por mais de 20 anos, até sua inauguração em 2015.
Neta de caciques tanto do lado materno, quanto do lado paterno, Tuire herdou de sua família a liderança na luta pelo seu território ancestral. “Aprendi tudo com meus avós. Eles me ensinaram tudo. Tudo o que falavam, eu aprendia. Meus avós me ensinaram a não deixar nenhum branco entrar na reserva indígena e ocupar espaço. Diziam para nós, indígenas, cuidarmos do que é nosso e da nossa floresta para não ser desmatada”, contou.
Em uma época em que os homens eram predominantemente as principais lideranças do movimento indígena, Tuíre se destacou como uma das poucas mulheres a assumir esse papel. Ela participou ativamente na defesa do território e da cultura de seu povo, sendo a única mulher a ir a Brasília com os homens para lutar por seus direitos em marchas e reuniões.
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Tuíre Kayapó marcha com mulheres Kayapó durante o Acampamento Terra Livre de 2019, realizado de 24 a 26 de abril, em Brasília (DF)|Jacy Santos
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Tuíre Kayapó e representantes de outros povos em reunião na SESAI, no Ministério da Saúde, em Brasília (2017)|Mídia Ninja
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Tuíre Kayapó e Paulinho Paiakan no Plenário do Senado Federal durante sessão especial pelo 19 de abril, em 2018|Marcos Oliveira/Agência Senado
“Antigamente, eu era a única mulher que ia para Brasília com os homens, e eu atuava bem”, recorda Tuíre. “Na minha luta, eu defendo meu povo, falo com os brancos; envelheci fazendo isso. Minhas parentas veem minhas fotos, vão aprendendo as coisas e agora somos muitas.”
Tuíre foi precursora do protagonismo indígena feminino, abrindo caminho para que, décadas depois, lideranças como Ô-é Paiakan Kayapó, Sonia Guajajara, Joenia Wapichana e Célia Xacriabá chegassem a lugares de poder. “No passado, eu estava sozinha, mas hoje tenho essas mulheres guerreiras ao meu lado”, afirmou.
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Tuíre Kayapó na cerimônia de posse da deputada federal Célia Xakriabá e da ministra Sonia Guajajara, em fevereiro de 2023|Benjamin Mast/La Mochila Produções/ISA
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Tuíre Kayapó e Sonia Guajajara durante o "Ocupa Funai", em julho de 2016, quando indígenas e servidores promoveram ocupações em pelo menos 32 locais em todas as regiões do país|Victor Pires/ISA
Hoje, as mulheres indígenas são uma força poderosa na luta pelos direitos indígenas. Nos últimos anos, além de participar ativamente nas mobilizações nacionais pelos direitos indígenas, Tuire se dedicou ao fortalecimento do protagonismo e do movimento das mulheres Kayapó, inspirando as novas gerações de menire com sua força, experiência, sabedoria e delicadeza.
Aos 19 anos, com um facão em punho, Tuíre Kayapó abriu caminhos, eternizando em gesto a resistência dos povos indígenas. Agora, inspira novas gerações a continuar a luta, que é permanente, assim como ela. Tuíre virou ancestralidade.
Tuíre, presente!
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Tuíre Kayapó no encerramento do Encontro Xingu Vivo para Sempre, em 2008|Raul Silva Telles do Valle/ISA
Tuíre Kayapó participa do 14º Acampamento Terra Livre, em Brasília (DF)|Mídia Ninja
Da esq. p/ dir: Raoni Metuktire, Tuíre Kayapó e Angela Mendes, filha de Chico Mendes, na aldeia Piaraçu, em janeiro de 202|Kamikiá Kisêdjê
Tuíre Kayapó em manifestação da Aliança em Defesa dos Territórios contra o garimpo, em 2022|Fred Mauro/Terra Floresta Filmes/ISA
Tuíre Kayapó e outras mulheres do povo Kayapó marcham rumo ao Congresso Nacional em ato do 14º Acampamento Terra Livre|Tatiane Klein/ISA
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Intercâmbio reúne redes de coletores de sementes nativas da Amazônia
Integrantes das redes da Terra do Meio (PA) e de Roraima vão a Nova Xavantina (MT) para conhecer o funcionamento da Rede de Sementes do Xingu
Entre os dias 8 e 10 de agosto de 2024, coletores de sementes nativas e técnicos das redes da Terra do Meio (PA) e de Roraima estarão em Nova Xavantina (MT) para conhecer como funciona a Rede de Sementes do Xingu. A programação reforça a importância do trabalho em rede para o desenvolvimento das cadeias produtivas da restauração e da sociobiodiversidade.
O objetivo do intercâmbio entre as redes articuladas ao Redário é, além de proporcionar a troca de experiências entre grupos de coletores em diferentes estágios de desenvolvimento, capacitá-los em gestão, beneficiamento de algumas espécies, armazenamento, coleta e uso de casas de sementes.
No encontro, as três redes de sementes, apoiadas diretamente pelo Instituto Socioambiental (ISA), também terão a oportunidade de conhecer áreas de restauração e os “quintais produtivos” de coletores da ARSX.
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Preparo de muvuca de sementes durante a 4ª Expedição de Restauração Ecológica da Rede de Sementes do Xingu e do ISA|Bianca Moreno/ARSX/ISA
Danielle Celentano, analista sênior do ISA e responsável pelo projeto Modelos de Restauração Produtiva para a Amazônia, afirma que intercâmbios como este evidenciam a potência do trabalho em rede. “A Rede de Sementes do Xingu acumula uma experiência super importante para acelerar o desenvolvimento e fortalecer redes de sementes mais jovens. Esse intercâmbio, com apoio da União Europeia, mostra a importância da articulação em rede para o desenvolvimento das cadeias produtivas da sociobiodiversidade e da restauração”.
PROGRAMAÇÃO
08/08
Manhã
História, números da ARSX
Troca de experiências
Qualidade de sementes
Tarde
Visita à Casa de Sementes
09/08
Manhã
Visita à Chácara da coletora Valdivina - Vivência de coletor
Visitação à reserva da propriedade, produção de mel, coleta de sementes e área de restauro
Tarde
Conversa sobre o papel do elo, divisão de pedido e beneficiamento.
10/08
Manhã
Visita a área de Mariozam
Roda de conversa, considerações, encerramento.
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Indígenas, quilombolas e extrativistas de MT e PA trocam experiências sobre programas de REDD+ jurisdicional
Intercâmbio em Belém (PA) discutiu critérios de repartição de benefícios, direito à consulta e mecanismos de salvaguardas em programas jurisdicionais de REDD+
Intercâmbio reúne lideranças de organizações de povos e comunidades tradicionais do Mato Grosso e do Pará para debater REDD+ jurisdicional 📷 Leonor Costa/ISA
Lideranças indígenas, quilombolas e extrativistas dos estados do Pará e de Mato Grosso se reuniram em Belém (PA) para trocar experiências, informações e conhecimentos sobre os programas jurisdicionais de REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal, Manejo Sustentável e Aumento do Estoque de Carbono).
Foram três dias de debates intensos entre 16 e 18 de julho à beira do Rio Guamá, que desaguaram no consenso de que é fundamental que povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais se articulem para o diálogo sobre as ações e iniciativas que envolvem o mercado de crédito de carbono no Brasil e as formas de enfrentar a emergência climática.
O salão do hotel que recebeu o evento ficou pequeno para tantas trocas de experiência e de saberes entre quem mais tem conhecimento sobre como conservar e manejar florestas, águas, biomas e roças onde desenvolvem seus modos de vida.
O evento, organizado pelo Instituto Socioambiental (ISA) com o apoio do Environmental Defense Fund (EDF), contou com cerca de 60 pessoas, representando a Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (FEPOIMT), a Associação da Comunidade Negra Rural Quilombo Ribeirão da Mutuca (Acorquerim), a Federação dos Povos Indígenas do Estado do Pará (FEPIPA), a Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará - Malungu, o Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) e a Rede Xingu+.
Temas como consulta prévia, livre e informada, repartição de benefícios, salvaguardas socioambientais e governança em programas de REDD+ foram o fio condutor dos três dias de intercâmbio.
O ponto de partida foi a experiência de Mato Grosso, que desde 2017 tem o seu programa de REDD+ jurisdicional, denominado de Programa REM (sigla para Redd Early Movers).
Juliana Maia, analista de políticas climáticas do ISA, explica que a ideia de realizar o intercâmbio surgiu a partir de uma demanda das redes dos povos e comunidades tradicionais que acompanham a elaboração do programa do Pará, de trocar conhecimentos sobre como se deu o processo de construção do programa de REDD+ em Mato Grosso.
“A gente pensou no intercâmbio a partir de uma demanda dos povos do Pará, visando realizar uma troca de experiências e informações com os povos de Mato Grosso, a partir do programa REM-MT. Organizamos esse momento de diálogo entre as organizações, tendo por princípio o protagonismo das próprias comunidades”, explicou.
Para Juliana Maia, o intercâmbio possibilitou ampliar o diálogo entre as organizações dos dois estados sobre programas jurisdicionais de REDD+ e o mercado de carbono, a partir das experiências dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais em torno dessa pauta.
“O resultado foi ouvir os representantes de Mato Grosso, que possuem uma grande experiência na elaboração e implementação do REM. Esse intercâmbio propiciou a aproximação de diferentes experiências e o aporte de novos elementos na discussão técnica e política por meio do diálogo entre as organizações”.
Programa REM e a participação das comunidades
A presidente da FEPOIMT, Eliane Xunakalo, indígena do povo Kurã Bakairi, contextualizou como foi a participação dos povos indígenas na elaboração do programa no Mato Grosso.
“A gente foi participando [do processo de elaboração do programa] e teve um momento que o governo disse que era para apresentar projetos. E a gente disse que não ia apresentar nenhum projeto, que era necessário ter uma consulta a todos os povos e que não tínhamos nenhuma autonomia para decidir”, relembrou, durante sua apresentação sobre o programa REM.
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Eliane Xunakalo, presidente da FEPOIMT, fala sobre o programa REM de Mato Grosso durante encontro em Belém (PA) 📷 Leonor Costa/ISA
A presidente da FEPOIMT pontuou, ainda, os desafios para envolver outras lideranças indígenas das comunidades em razão da complexidade do tema e das dificuldades de compreensão de como funcionaria o programa de REDD+ jurisdicional, como seriam a repartição de benefícios e os retornos para os territórios indígenas, além da pressão do governo para que o projeto fosse logo finalizado.
“A gente reuniu todas as nossas lideranças num seminário e discutiu como nós iríamos fazer para que isso chegasse à base. Mas a gente queria que isso estivesse na boca das pessoas. A gente queria provocar a curiosidade”, disse Eliane Xunakalo, pontuando, ainda, como foi dado o recado ao governo: “Vocês precisam encontrar tempo para nos ouvir. E se for a vontade de todo o grupo, a gente entra. Mas se não for, a gente não entra”, contou.
A decisão final aconteceu em 2018, numa assembleia realizada no Território Indígena do Xingu (TIX), quando as lideranças presentes aprovaram a participação dos povos indígenas de Mato Grosso na elaboração do REDD+ jurisdicional.
“No início se discutia entre 8 e 9% para os povos indígenas. E a gente disse não, porque nós somos 43 povos, estamos em três biomas e nós cuidamos de 16% do que está em pé em Mato Grosso. Então não seria justo. E a gente foi negociando e conseguindo aliados e a gente conseguiu 13% na época”, disse, explicando como foi a definição da repartição de benefícios.
A representante da Associação da Comunidade Negra Rural Quilombo Ribeirão da Mutuca, Iolanda Ferreira, relatou que durante as negociações em torno do REM, o movimento quilombola tentou garantir a inclusão de um subprograma quilombola, conforme ocorreu com os povos indígenas, mas o governo de Mato Grosso não atendeu a reivindicação.
“A nossa experiência com o REM teve lados positivos, mas negativos também. Mas a comunidade conseguiu incidir de alguma forma nessa experiência e tivemos alguns retornos, como realização de oficinas de capacitação, a aquisição de equipamentos e o selo quilombola, que ajuda na comercialização dos produtos”.
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Durante o encontro em Belém, os participantes se dividiram em grupos para aprofundar as discussões dos temas apresentados 📷 Leonor Costa/ISA
O programa REM de Mato Grosso está em sua segunda fase, oportunidade em que serão sugeridos ajustes e mudanças. Para esse novo momento, Eliane Xunakalo espera ter resultados ainda mais positivos, com participação ainda mais ampla dos povos indígenas e das demais comunidades tradicionais, com protagonismo também para outras organizações de base.
“O desafio é novamente que o Estado nos ouça. Que dialogue conosco e que essa segunda fase seja construída de modo mais participativo. E que as coisas não venham de cima para baixo, mas que sejam construídas com o nosso olhar e com a gente e para a gente. Nós ainda vamos discutir entre nós, e espero que tenhamos resultados melhores do que foi a primeira fase do REM”.
Ewésh Yawalapiti Waurá, advogado e diretor executivo da Associação Terra Indígena Xingu (ATIX), também considerou a necessidade de que a próxima fase do REM de Mato Grosso reconheça ainda mais a participação dos povos e comunidades tradicionais.
“Esperamos que nessa próxima etapa de construção haja mais participação das comunidades de base, das organizações indígenas de Mato Grosso. É importante a nossa participação para que a gente tenha uma negociação igualitária e possa realmente influenciar na decisão junto ao estado, na hora da construção da nova fase do programa de Redd+”, defendeu Ewésh, que estava representando a Rede Xingu+.
Reivindicações em processo no Pará
No final de 2022, após assinar contrato de financiamento com a Iniciativa Internacional para o Clima e Florestas da Noruega (NICFI), da Noruega, o governo do estado do Pará formalizou o início dos trabalhos de elaboração do Sistema Jurisdicional de REDD+ do Pará, num processo liderado pelo Comitê Gestor do Sistema Estadual sobre Mudanças Climáticas (Coges), da Secretaria Estadual de Meio Ambiente.
Como resultado da atuação intensa entre as redes de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, lideranças do CNS, da FEPIPA e da Malungu garantiram participação no grupo de trabalho, apresentando suas reivindicações e posicionamentos sobre como devem ser os critérios de repartição de benefícios, o sistema de salvaguardas socioambientais e os procedimentos para realização de consulta prévia, livre e informada. No Coges, o ISA acompanha os trabalhos como suplente nas vagas destinadas a organizações não governamentais.
A previsão de que a COP 30 (Conferência das Partes) aconteça em Belém, em novembro de 2025, tem interferido na dinâmica do processo de construção do Sistema Jurisdicional de REDD+ do Pará. O governo do Pará tem como meta que o programa já esteja em fase de implementação na ocasião da COP e, para isso, precisaria concluir essa etapa de elaboração.
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Representante da FEPIPA, Concita Sõpré explica a participação dos povos indígenas na construção do programa do Pará 📷 Leonor Costa/ISA
Durante o intercâmbio, Concita Sõpré, presidenta da FEPIPA, explicou que um dos desafios tem sido levar as propostas em discussão para os territórios indígenas, ação que demanda tempo, sobretudo pelo tamanho do estado do Pará. E apontou, ainda, a preocupação sobre os benefícios que o programa trará ao território e o respeito ao processo de consulta aos povos.
“O que nós não queremos aqui no estado do Pará, é que a gente discuta e, no final, a gente não tenha condições de nós, enquanto organização, termos acesso a esses recursos. Porque, mais uma vez, a floresta está lá nos nossos territórios. Fazemos isso de graça? Não, fazemos isso com o nosso corpo, com as mortes dos que já lutaram por aquele território. O crédito está lá, o carbono está lá, o estoque está lá, e alguém vem agora, quer pegar e vender. Como sempre: nós somos os donos, mas alguém quer vender”, provocou.
O diretor da Malungu, Aurélio Borges, advogado e integrante do Quilombo Macapazinho, em Santa Izabel (PA), explicou que o foco da organização é debater com as comunidades quilombolas as propostas apresentadas pelo governo e disse que a Malungu realizou algumas oficinas regionais.
“Essas oficinas nos deram o subsídio para que a gente possa discutir e propor aquilo que a gente entende que vai ser benéfico para as comunidades quilombolas”, reforçou.
Segundo Aurélio Borges, a maior preocupação nessa fase da construção do programa é avançar em uma proposta que garanta repartição de benefícios justa e mecanismos de salvaguardas, respeitando o direito previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que determina o direito à consulta prévia, livre e informada, e o Acordo de Cancún, que prevê salvaguardas socioambientais em projetos de REDD+.
“Nosso grande desafio para o próximo período é garantir, dentro da repartição de benefícios e das salvaguardas, os direitos constitucionais das comunidades quilombolas e tudo aquilo que a gente vem propondo no decorrer desse percurso da política estadual de REDD+ no estado do Pará. Então eu espero que o nosso direito seja assegurado, que as nossas propostas sejam acatadas pelo estado e que essa política seja uma política que leve garantia de direitos para o nosso povo".
Soraya Almeida, liderança do CNS, defendeu que as comunidades tradicionais, como as populações extrativistas, tenham protagonismo nessa fase de construção do programa do Pará.
“Nós não podemos ficar de fora desse processo do REDD+. E temos explicado às nossas bases que essa é uma forma da gente acessar os benefícios pela proteção do meio ambiente, pela proteção da floresta, com povos e com gente. Por isso, desde o início temos dialogado sobre esse assunto. A gente quer que essas populações que vivem na floresta recebam, também do ponto de vista financeiro, apoio por esse serviço prestado, além de ter tecnologias que ajudem nos trabalhos ainda muito difíceis”, disse.
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Representantes do ISA, da Rede Xingu+, do CNS, da FEPIPA, da FEPOIMT e da Malungu abrem os debates 📷 Leonor Costa/ISA
O que é o mecanismo de REDD+ jurisdicional?
No contexto da discussão climática global nas Conferências das Partes (COP), da Organização das Nações Unidas (ONU), o mecanismo de REDD+ foi pensado para incentivar países detentores de grandes extensões florestais a manter suas vegetações nativas, reduzindo assim a emissão de gases de efeito estufa (GEE) provenientes da destruição e degradação dessas vegetações. Em um mecanismo de REDD+, países que são emissores históricos financiam a conservação de ambientes florestais em outros países, estes que não são grandes emissores quando comparados à média global.
Nos projetos locais de carbono, os territórios, propriedades privadas ou Estados que detêm vegetações nativas e estoques de carbono, recebem diretamente pelos créditos do carbono ali estocados. Esses créditos servem para neutralizar as emissões de gases de efeito estufa de diversos poluentes. Já o mecanismo de REDD+ jurisdicional é diferente. Primeiro porque é uma negociação entre Estados nacionais e subnacionais (ou por jurisdições legalmente delimitadas); segundo, o jurisdicional funciona como um programa cujas iniciativas estão todas integradas (são importantes os estoques mas também o fluxo de carbono); terceiro porque paga-se por não emitir os GEE oriundos de florestas, isto é, o que não foi desmatado e degradado vira uma espécie de "prêmio" que, no caso de um programa jurisdicional, vai direcionado para o Estado executar.
Para o recurso sair de um país e financiar o programa de REDD+ de um outro país (ou jurisdição) é necessário tomar decisões de alta complexidade, como: quais as formas que o Estado possui para executar esse recurso? Como esse recurso será repartido nos países e estados destinatários? Quais impactos terão esses recursos na vida das pessoas no país de destino? O que pensam, afinal, os verdadeiros donos da floresta (os povos originários e comunidades tradicionais) sobre um programa jurisdicional e sobre o valor de compensação pelas reduções de emissões?
Nos mecanismos de REDD+ pensados e aplicados no Brasil, o Estado é o beneficiário direto e dele partirão as decisões de repartição de benefícios. Sendo assim existe uma disputa para dentro e para fora do Estado sobre como esse recurso será partilhado e sobre como as "fatias do bolo" serão distribuídas, dependendo de fatores políticos, o que inclui a articulação de movimentos sociais de povos e comunidades tradicionais e da sociedade civil.
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Nota de pesar pelo falecimento do Cacique Kotok Kamaiurá
Grande liderança do Xingu, ele era conhecido pela luta constante pela valorização da cultura dos povos indígenas
O Instituto Socioambiental (ISA) lamenta profundamente o falecimento do Cacique Kotok Kamaiurá, nesta terça-feira (30/07).
Uma das grandes lideranças indígenas do Território Indígena do Xingu (TIX), Kotok Kamaiurá atuava desde a juventude em favor do bem-estar das comunidades, do fortalecimento da cultura e no combate às ameaças ao território.
Filho do grande pajé Takumã Kamaiurá, herdou o cacicado de seu pai. Kotok aprendeu a arte da diplomacia alto-xinguana com Takumã desde jovem, época em que os irmãos Villas-Bôas criaram o Parque Indígena do Xingu.
Kotok liderou o povo Kamaiurá durante as décadas em que seu povo viu crescer a ocupação do entorno do território, o desmatamento comprometer as nascentes do Rio Xingu e novos desafios surgirem.
Ao lado de outros grandes caciques do Xingu, como Aritana e Raoni, Kotok participou de incontáveis mobilizações políticas em defesa dos direitos indígenas. Casou com quatro mulheres e teve dezenas de filhos, netos e bisnetos.
Seguindo a tradição Kamaiurá, em breve terão início os preparativos para o ritual fúnebre do Kwarup em homenagem a Kotok, que deverá se realizar por volta do mês de agosto de 2025, quando se encerrará o ciclo do luto.
Seu legado de luta e resistência continuará a inspirar as futuras gerações.
O ISA expressa solidariedade aos familiares e amigos neste momento de tristeza.
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Cacique Kotok Kamaiurá durante o evento Parque Indígena do Xingu+50, em julho de 2011|Claudio Tavares/ISA
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O Xingu é um só
Na Reserva Extrativista Rio Iriri, Terra do Meio, Pará, a diversidade que forma a Rede Xingu+ se uniu para fortalecer laços e reafirmar a defesa de direitos e territórios frente às ameaças na bacia
Do norte ao sul do Xingu, indígenas e ribeirinhos se reuniram na Resex Rio Iriri para a 6ª Assembleia da Rede Xingu+|Kamikia Kisedje/ISA
Durante quatro dias, o centro do Xingu foi a Reserva Extrativista Rio Iriri, Terra do Meio, no Pará. A comunidade São Francisco recebeu de braços abertos – e com muito peixe assado, castanha e açaí – toda a diversidade e a potência dos conhecimentos e lutas de povos da Bacia do Rio Xingu.
O Corredor de Sociobiodiversidade do Xingu compreende uma área de 26,7 milhões de hectares, distribuída entre os biomas Amazônia e Cerrado, e que sofre com os impactos do desmatamento, grilagem, agrotóxicos, garimpo, roubo de madeira e megaprojetos de infraestrutura.
Ele é formado por Terras Indígenas e Unidades de Conservação contíguas, onde vivem cerca de 25 mil pessoas de 27 povos indígenas e comunidades ribeirinhas. Na 6ª Assembleia da Rede Xingu+, a confluência de povos que percorreram milhares de quilômetros por rios, estradas e ar, afirmou que o Xingu é um só na defesa de seus territórios, culturas e direitos.
A grande rede que se formou no coração do Beiradão começou a ser tecida dias antes, a partir dos Territórios Indígena do Xingu (TIX), Kayapó, Panará, Xikrin e tantas outras localidades no Corredor de Sociodiversidade do Xingu, saindo dos municípios de Querência, Canarana, Tucumã, Novo Progresso, Peixoto de Azevedo e Altamira rumo à Resex Rio Iriri.
Para Anaya Suya, conselheira da Rede Xingu+ e assessora de comunicação da Associação Terra Indígena do Xingu (ATIX), o encontro destacou a importância de fortalecer a articulação e criar musculatura para enfrentar os desafios de uma bacia que está no meio do furacão. “É crucial buscar alternativas para fortalecer a proteção e implementar os planos de gestão. As Terras Indígenas e de Comunidades Tradicionais do Xingu são um exemplo contundente de como o Xingu está segurando o desmatamento e assegurando os serviços ambientais estratégicos para todos."
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Povo Xipaya, da Volta Grande do Xingu, se apresenta na abertura da 6ª Assembleia da Rede Xingu+, na Resex Iriri|Kamikia Kisedje/ISA
Alguns levaram três dias em ônibus e carros, outros navegaram por longas horas. E a cada sorriso e abraço, a 6ª Assembleia da Rede Xingu+ se multiplicou e expandiu, até conectar 53 organizações indígenas e ribeirinhas – 21 recém-integradas – e cerca de 350 defensores e defensoras do Xingu – pela primeira vez em território beiradeiro.
Consolidada em 2019, devido ao avanço das ameaças e pressões ao Xingu com a chegada do governo de Jair Bolsonaro, a Rede Xingu+ demonstrou nos últimos anos que sua estratégia de atuação é fundamental para a proteção do Xingu.
"A rede não funciona para competir com as associações, mas para fortalecê-las. É como uma flecha pra fazer a mensagem de vocês chegar onde precisa. Somos a força unida de muitos e muitas para combater as ameaças nos territórios e defender direitos", afirmou na abertura do encontro André Villas-Bôas, da secretaria executiva da Rede Xingu+.
As Áreas Protegidas que formam o Corredor – nove Unidades de Conservação e 22 Terras Indígenas –, são essenciais para barrar a destruição das florestas e dos territórios. Segundo dados do Sirad X – monitoramento do desmatamento feito pela Rede Xingu+ –, entre 2019 e 2022, período do governo Bolsonaro, mais de 200 árvores foram derrubadas por minuto.
Os relatos dos territórios confirmam as análises extraídas das imagens de satélites. “O governo Bolsonaro abriu as portas para a invasão das Terras Indígenas. Há muito roubo de madeira no TIX. Apesar da diminuição do desmatamento, continuamos a lutar pela nossa terra”, avisou o cacique Tapi Yawalapiti, do Instituto Aritana, durante painel sobre proteção territorial.
Da esquerda à direita, Kreton Panará, Txypyry Metuktire e Kirisawa Xipaya compartilham histórias da jornada até a Resex Iriri|Kamikia Kisedje/ISA
O cacique Managu Ikpeng, também do TIX, reforçou a preocupação com a atividade ilegal e pontuou que providências ainda não foram tomadas para a expulsão definitiva dos invasores. “Há cinco anos que esse problema está acontecendo. Não é falta de falar. Falamos com várias autoridades, mas nada aconteceu”, lamentou.
“Estamos lutando para que os brancos não tomem a nossa terra. Não queremos mais desmatamento. Estamos sob muito risco. Queremos pedir aos parceiros para fazer o monitoramento no nosso território”, pediu Motjibi Arara, liderança da Terra Indígena Arara.
Entre as Terras Indígenas mais desmatadas no Brasil no período do governo Bolsonaro, seis estão na Bacia do Xingu, sendo a TI Apyterewa a que foi mais afetada, explicou Thaise Rodrigues, analista de geoprocessamento do Instituto Socioambiental (ISA).
Segundo ela, as Unidades de Conservação também sofreram inúmeras violações, incluindo a abertura de uma estrada que quase cortou o corredor ao meio.
De acordo com as últimas medições do Sirad-X, a devastação desacelerou no último ano. No entanto, o Xingu segue sob pressão. “O que aconteceu de 2023 até hoje? Houve uma mudança de governo. O desmatamento caiu mais da metade na Bacia do Xingu, 55%. Dentro das Áreas Protegidas, a redução foi ainda maior: 77%. Foi iniciado o processo de desintrusão das TIs Apyterewa e Trincheira Bacajá. Mas os desafios permanecem imensos”, salientou.
Outro elemento fundamental para os recordes de devastação em Áreas Protegidas do Xingu, como a TI Apyterewa, são os impactos de megaprojetos de infraestrutura na região, sobretudo a construção da Hidrelétrica de Belo Monte. Combinados com a passagem da “boiada”, incentivada pelo governo anterior, tornaram o Xingu um dos epicentros da destruição socioambiental no país.
“No passado, várias obras [no Xingu] foram feitas sem respeitar direito algum. O governo não consultava as comunidades. A ideia da Rede Xingu+ é que isso não continue mais acontecendo. Os povos têm que ser ouvidos e participar [das consultas] para pensar como os impactos podem ser reduzidos”, defendeu John Razen, advogado do ISA.
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Associações beiradeiras, indígenas e parceiros somaram forças durante a 6ª Assembleia da Rede Xingu+|Kamikia Kisedje/ISA
Parte dos povos que constituem a Rede Xingu+ tem protocolos de consulta – um dos mecanismos utilizados por povos indígenas e populações tradicionais para exigir seu direito à consulta prévia, livre e informada em todas as etapas de projetos que possam impactar seus territórios.
Ewésh Yawalapiti, consultor jurídico da ATIX, trouxe para o debate a experiência da advocacia indígena no enfrentamento aos desafios que as megaobras de infraestrutura impõem aos territórios.
Especialista em direito à consulta, ele contou que conduz atualmente um processo de consulta unificada sobre a BR-242 e a Ferrovia de Integração Centro-Oeste (FICO). O trecho da BR-242 entre Paranatinga (MT) e Querência (MT) havia sido inicialmente projetado pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) para passar sobre as paisagens de Kamukuwaká e Sagihengu – sítios sagrados dos povos do Alto Xingu.
“Estamos levando a experiência para que se aplique à Ferrogrão também. A Ferrogrão é muito maior e [atinge] vários territórios, então é mais complicado, mas mesmo assim é uma experiência importante e temos que exigir do governo que [o processo de consulta] seja cumprido”, reforçou o advogado.
"Estamos enfrentando esse problema também. Se a Ferrogrão for construída, causará muitos problemas, não só para nós, mas também para nossos parentes do Tapajós e os Panará. Os povos indígenas precisam ser consultados”, exigiu Karany Metuktire, neto do Cacique Raoni Metuktire.
“Mesmo sem protocolo, todos devem ser ouvidos em qualquer decisão que afete suas vidas e territórios. Belo Monte está construída, mas não é um fato consumado”, lembrou Thais Mantovanelli, antropóloga do ISA que acompanha os impactos da hidrelétrica, inaugurada em 2016 na região da Volta Grande do Xingu.
“O roubo de 70% das águas do [Rio] Xingu continua impune, e as condicionantes de mitigação não estão sendo cumpridas”, continuou. Desde o barramento, em 2015, os povos impactados pela usina travam uma disputa pela água com a Norte Energia. O desvio imposto pela concessionária é chamado de Hidrograma de Consenso, “mas de consenso não tem nada”, como afirma a animação “Pulsa, Xingu”, lançada em 2023.
“Estamos lutando pela nossa sobrevivência. Hoje não pescamos mais para vender, apenas para se alimentar. Nosso modo de vida mudou totalmente”, denunciou o Cacique Giliarde Juruna (Yudjá), da aldeia Mïratu, TI Paquiçamba.
Ao final da assembleia, o território ancestral do povo Juruna/Yudjá foi o escolhido para sediar o próximo encontro da Rede Xingu+, que acontece a cada dois anos. Giliarde Juruna avisou que os visitantes vão poder ver de perto a catástrofe socioambiental provocada por Belo Monte na Volta Grande do Xingu.
Comunicadores da Rede Xingu+
Em entrevista aos comunicadores do Xingu+, a ribeirinha Sara Lima, da Volta Grande do Xingu, afirmou que o mais importante é que o Rio Xingu viva. “A proteção da Bacia do Xingu é fundamental para que os peixes possam se reproduzir. Assim, os meus filhos e netos continuarão existindo. O Xingu é um pai e uma mãe, eu como o peixe que vem do rio e se o peixe está doente eu também vou ficar doente, assim como os nossos parentes indígenas, pois a Bacia do Xingu é uma só. É fundamental proteger o Xingu, pois nós somos o Xingu”.
Esse e outros relatos poderão ser conferidos em breve na produção audiovisual O Xingu é um só, que contou com a direção dos comunicadores do Xingu+ e edição de Arewana Juruna. Ao longo dos dias da assembleia, os comunicadores estiveram à frente da divulgação do encontro, no Instagram.
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Comunicadores do Xingu+ estiveram à frente da cobertura da 6ª Assembleia da Rede Xingu+, na Resex Rio Iriri, no Pará|Yaa Yudjá/ISA
Foi a primeira vez que o comunicador Takàk-môrô Kayapó, um dos representantes do Instituto Kabu na Rede Xingu+, esteve em uma assembleia tão grande. “E lá eu não me reconheci, pois sou muito tímido, mas de repente todos estavam falando comigo e eu me sentindo à vontade para falar com todos e fazer fotos. Depois, recebi mensagens da minha própria aldeia elogiando as fotos que tirei”.
Já para o comunicador Kamatxi Ikpeng, que está há cinco anos na Rede Xingu+, o ponto de destaque foi a decisão de que os indígenas e beiradeiros estariam pela primeira vez à frente da cobertura. “Isso me deixou feliz, pois tivemos a oportunidade de mostrar o nosso trabalho e o nosso potencial.”
Mostrar a importância dos povos que seguram o céu e dependem da visibilidade dos seus modos de vida, foi o que moveu a criatividade do comunicador Joelmir Silva, da Comunidade Maribel - TI Cachoeira Seca - Pará, na elaboração do roteiro.
Assista ao vídeo dos comunicadores:
“Queremos mostrar para o mundo qual é a relação que a gente tem com a floresta e com o Xingu. O trabalho dos comunicadores do Xingu+ reflete muito sobre isso. Antes, as comunidades se perguntavam sobre o que é comunicação. Agora, mostramos para todos qual é o papel da comunicação para dentro do território e para fora também”.
Durante a assembleia, os comunicadores xinguanos compartilharam que iriam expor 20 imagens em Oslo, capital da Noruega, entre 3 e 17 de junho. A mostra reuniu fotografias de oito comunicadores indígenas e ribeirinhos da Rede Xingu+ e contou com a curadoria de Kujaesãge Kaiabi.
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Sessão de retratos organizada pelos comunicadores do Xingu+, refletindo sobre o uso da comunicação para a proteção da floresta, durante a 6ª Assembleia da Rede Xingu+|Samantha Khisetje/ISA 2024
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Comunicador Kamatxi Ikpeng em frente às fotografias que apresentou na exposição Os Olhos do Xingu, em Oslo. Ao centro, registro de um incêndio devastador no Território Indígena do Xingu|Silia Moan/ISA 2024
“Contar com a presença de Anne Lindboe, prefeita de Oslo e do Tørris Jæger Secretário Executivo da Rainforest na abertura da exposição foi muito emocionante”, relatou Kamatxi Ikpeng.
A jornada do comunicador Ikpeng na Noruega também foi marcada pelo encontro com jovens políticos de seis partidos noruegueses, no Museu Nobel da Paz. “Falei sobre as dificuldades para proteger nossos modos de vida e os riscos à nossa soberania alimentar devido à crise climática”, contou.
Calor fora de época
Defender o Xingu é defender a floresta e seus povos, e também o futuro do planeta. Suas áreas preservadas em Terras Indígenas e Unidades de Conservação são imensos reservatórios de CO2 – fundamentais para o combate da crise climática.
No entanto, justamente aqueles que mais contribuem para a proteção das florestas – povos indígenas e populações tradicionais – estão entre os mais afetados pelos impactos do aquecimento global.
É a realidade vivida pelos ribeirinhos da comunidade São Francisco, conforme conta Assis Porto de Oliveira, o Seu Assis, presidente da Rede Terra do Meio e membro do conselho político da Rede Xingu+. “Vocês estão aqui sentindo esse calor à noite, mas não era assim antes. Nessa época – maio, junho – fazia frio nesse horário. Agora tudo mudou”.
De fato, durante os dias de encontro, o intenso calor sentido nas manhãs e tardes dava pouca trégua quando o sol se punha. E o banho de rio frequentemente acontecia em águas quentes – uma triste consequência das mudanças climáticas no modo de vida dos ribeirinhos.
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Francisco de Assis Porto de Oliveira, presidente da Rede Terra do Meio e Marines Lopes de Souza, vice-conselheira da Rede Xingu+|Tairu Kayabi Juruna/ISA
Segundo Maria Laura Mendes da Silva, a Dona Laura, moradora da comunidade São Francisco, a seca intensa que atingiu a região no ano passado provocou a proliferação de insetos. “As mulheres ficavam com coceira depois de banhar. A gente coava a água, mas ela era muito feia, não adiantava”, relatou.
Um dos painéis da assembleia se debruçou sobre o tema climático, com foco nas discussões de mercado de carbono. No Xingu, é cada vez maior o assédio de empresas interessadas em firmar contratos de compra de créditos de carbono – o que torna urgente o diálogo sobre os riscos em torno da atividade.
A Rede Xingu+ apresentou aos participantes a série de vídeos “Carbono: o que você precisa saber”, que traz informações para que povos indígenas e Comunidades Tradicionais entendam o que são e quais os cuidados a serem tomados em relação a projetos de carbono e de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação florestal (Redd+) em seus territórios.
Foram debatidos aspectos relacionados aos projetos locais de carbono e também aos sistemas jurisdicionais que vêm sendo desenvolvidos pelos estados amazônicos.
Em breve, saiba como foram essas discussões no boletim de áudio Vozes do Clima! Escute o primeiro episódio
Florestas em pé e rios limpos
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Um dos afluentes do Rio Xingu é o Iriri, que recebeu a 6ª Assembleia do Xingu+. O Corredor de Sociobiodiversidade do Xingu compreende uma área de 26,7 milhões de hectares, distribuída entre os biomas Amazônia e Cerrado. É o abrigo de cerca de 25 mil pessoas de 27 povos indígenas e comunidades ribeirinhas|Kamikia Kisedje/ISA
Ao final do último dia de encontro, aconteceram as eleições para o Conselho Político e a Secretaria Executiva da Rede Xingu+, que será exercida pelo ISA por mais dois anos. Foram integradas mais duas cadeiras ao Conselho Político da Rede, totalizando agora nove titulares e nove suplentes.
Ewésh Yawalapiti, conselheiro reeleito pelo TIX, leu a carta-manifesto da Assembleia – elaborada a partir das discussões e denúncias apresentadas durante os dias anteriores. “Aquilo que sempre promovemos e desejamos, torna-se cada vez mais urgente: florestas em pé e rios limpos. Enchentes, secas, incêndios florestais e outros desastres climáticos afetam a vida das pessoas, seja na floresta ou nas cidades”, alerta o documento.
Um dos encaminhamentos é avançar junto ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio), que estiveram presentes na assembleia, com a proposta de reconhecimento do Corredor de Sociobiodiversidade do Xingu como um Mosaico de Áreas Protegidas, o que, na visão da Rede Xingu+, pode facilitar a implementação de políticas públicas e ampliar espaços de diálogo com órgãos governamentais e parceiros.
A aliança de organizações também comemorou a proposta do Fundo Xingu, como uma forma de fortalecer as organizações da Rede Xingu+ e garantir recursos para implementar os PGTAs e Planos de Manejo nas Áreas Protegidas do corredor. “Seguiremos debatendo e formatando essa ideia, detalhando possíveis modelos de gestão e governança do Fundo, suas regras e objetivos”, diz a carta.
Aplausos e celebração. Chegou a hora de encerrar os trabalhos e se preparar para a despedida. Os comunicadores da Rede Xingu+ convocam os participantes para a foto final.
Lado a lado, iluminados pelo sol quente do fim de tarde, os defensores e defensoras das florestas formaram com seus corpos a palavra “Xingu+”, eternizando na imagem e no coração o que dá sentido e move as centenas de povos e comunidades que constituem a rede.
Na luta pela vida, o Xingu vai ser sempre um só.
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Com a produção dos comunicadores Joelmir Silva, Iosi Panará e Yaa Yudjá, participantes da 6ª Assembleia mostraram que são o Xingu|Arewana Juruna/ISA
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Comunicadores da Rede Xingu+ abrem mostra fotográfica no centro de Oslo, capital da Noruega
Com curadoria de Kujaesãge Kaiabi, ‘Os Olhos do Xingu’ convida o público a conhecer, até 17 de junho, as belezas e as ameaças aos modos de vida nos territórios
Dança coletiva do povo Khïsêtjê durante tradicional festa de fim de ano na aldeia Khikatxi, Terra Indígena Wawi|Kokoyamaratxi Renan Suya
A exposição Os olhos do Xingu, que acontece entre os dias 3 e 17 de junho no centro de Oslo, capital da Noruega, reúne fotografias de oito comunicadores da Rede de Comunicadores Xingu+ que vivem em Terras Indígenas na Bacia do Rio Xingu, entre Pará e Mato Grosso.
Com curadoria de Kujaesãge Kaiabi e dos comunicadores indígenas, a exposição é uma realização da Rede Xingu+, da Rainforest Foundation Norway e do Instituto Socioambiental (ISA). As fotografias serão exibidas em painéis em grande formato na Kronprinsesse Märthas plass, ao lado do Centro Nobel da Paz e da prefeitura de Oslo.
Ao todo, são 20 imagens que apresentam a preocupação dos comunicadores indígenas e ribeirinhos com pressões e ameaças à Bacia do Rio Xingu, bem como a felicidade expressa no relacionamento com as comunidades, seus conhecimentos e culturas. A exposição direciona o olhar da sociedade envolvente para além da fronteira do imaginário popular, destacando a relação intrínseca entre o bem viver e a proteção dos territórios.
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Jepi Kaiulu Kalapalo brinca alegremente com borboletas em frente à sua casa na Aldeia Kalapalo, Terra Indígena do Xingu|Tauana Kalapalo/2016
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Na Aldeia Kalapalo, crianças se divertem com o ‘ta’, brincadeira que consiste em acertar uma flecha no centro de uma roda em movimento|Tauana Kalapalo/2017
As imagens produzidas pelos comunicadores ainda propõem uma reflexão sobre como os diferentes modos de produção de registros visuais incentivam as novas gerações de comunicadores a fazer fotografia a partir do pensamento dos povos do Xingu.
A seleção de fotos apresentadas na mostra inclui registros de mobilizações em Brasília, como a 3ª Marcha Mulheres Indígenas, realizada em setembro de 2023, além de retratos feitos em reuniões e em danças e festividades realizadas nos territórios.
Em uma potente fotografia monocromática, a comunicadora Tina Yawalapiti retratou o centro cultural Umatalhi, importante espaço para o fortalecimento do modo de vida alto xinguano pela realização de atividades como o ensino da língua yawalapiti – atualmente com poucos falantes –, aulas de artesanato e cursos de formação para comunicadores.
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Construção de Umatalhi, centro cultural na aldeia Tuatuari, no Alto Xingu|Tina Yawalapiti/ISA
Sobre a curadora, Kujaesãge Kaiabi
A comunicadora vive na aldeia Guarujá, no Território Indígena Xingu (TIX), onde se destaca como uma das mais promissoras figuras femininas do audiovisual. Todos os dias acorda cedo, toma banho no rio e prepara a alimentação da sua família. Junto com as mulheres de sua comunidade, coleta mandioca, amendoim, torra farinha, faz artesanato e cuida de sua aldeia.
Seu principal papel enquanto comunicadora é apoiar os caciques e lideranças kaiabi a compreender os retrocessos governamentais e ameaças que tramitam no Congresso Nacional. “Sou uma porta-voz do povo Kaiabi”, conta a comunicadora. Para isso produz vídeos e áudios informativos.
O desejo de se tornar comunicadora surgiu quando foi convidada para atuar no filme A história da Cutia e do Macaco, do Instituto Caititu. Desde então, Kujaesãge passou a se inspirar nas produções que viu durante a sua atuação. “Para mim não foi fácil, pois naquela época não havia mulheres na área audiovisual”, relatou.
A imagem tem um poder muito significativo para o povo Kaiabi: “quando tiramos uma foto ou fazemos um vídeo, é esse registro que servirá como dicionário ou lembrança da família que se foi”, disse a comunicadora, que também pesquisa imagens do seu povo em arquivos históricos de conteúdos produzidos também por cineastas não-indígenas.
Desde 2018, realiza a cobertura audiovisual da Mobilização das Lideranças Indígenas, no Acampamento Terra Livre em Brasília.
Em 2022, foi curadora do 1º Festival de Cinema e Cultura Indígena do Brasil e no mesmo ano expôs no Instituto Moreiras Salles, fotos e um filme em que apresenta a trajetória do seu avô, Prepori Kaiabi, um dos principais pajés da história do Parque Indígena do Xingu (PIX).
Atualmente, Kujaesãge Kaibi (@kujaesage) se dedica a produção de um longa-metragem que conta a história de Prepori Kaiabi.
Sobre os comunicadores da Rede Xingu+
Composta por 26 membros, a Rede de Comunicadores Indígenas e Ribeirinhos do Xingu integra a Rede Xingu+, uma articulação entre organizações de povos indígenas, associações de comunidades tradicionais e instituições da sociedade civil atuantes na bacia do Rio Xingu.
Ao se apropriarem do uso de equipamentos e tecnologias sociais, os comunicadores da Rede Xingu+ assumem o protagonismo na comunicação interna e articulação política entre diferentes povos da Bacia do Rio Xingu, e contribuem para a prevenção, emissão de alertas e monitoramento de atividades ilegais nas Áreas Protegidas do Xingu.
Tiogo Kalapalo (no centro) distribuindo peixes para os moradores da Aldeia Aiha Kalapalo, na Terra Indígena do Xingu, como parte do processo de agradecimento do dono do ritual Kuarup à pela contribuição da comunidade, que juntou polvilho para alimentar os participantes do evento|Tauana Kalapalo/2022
Banco de areia no Rio Xingu, em região próxima à Aldeia Samaúma, do povo Kawaiwete, está cada vez maior, fenômeno agravado pelas mudanças climáticas|Kamatxi Ikpeng/2023
Fim de tarde na Esec Terra do Meio. Ao atingir a posição registrada na foto, o sol sinaliza para os beiradeiros que chegou ao fim o dia de trabalho e começará um horário considerado sagrado para o descanso|Joelmir Silva e Silva/2023
Mulheres Xinkrin e Kayapó participam de apresentação tradicional de canto e dança antes do início de uma partida de futebol pela 3ª Copa Mebêngôkre Nire de Futebol Society|Kubenkákre Kayapó/2023
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Após sete anos de luta, DNIT ouve os xinguanos e altera sua proposta de traçado para a BR 242
Estudos ainda não começaram e falta muito para a obra ser autorizada. Decisão do órgão responsável pela construção da rodovia é resultado da luta dos povos do Xingu por seu direito à Consulta Livre, Prévia e Informada
Em julho de 2017, caciques e lideranças do Xingu enviaram pela primeira vez uma carta ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) reivindicando alteração no traçado da rodovia BR 242.
De lá pra cá, os povos do Xingu fizeram diversas manifestações reivindicando seu direito à Consulta Livre, Prévia e Informada antes que a obra fosse iniciada.
Sete anos depois, em fevereiro de 2024, a luta deu resultado: o DNIT oficializou o atendimento à reivindicação dos povos do Território Indígena do Xingu (TIX) e alterou sua proposta de traçado para a BR 242.
A proposta original do DNIT previa a abertura de mais de 40 quilômetros de estradas em áreas de floresta na região das nascentes do Rio Xingu, em trecho que ligaria o município de Gaúcha do Norte a Querência. Os xinguanos questionavam por que não projetar a BR 242 sobre estradas já existentes na região, passando pelo município de Canarana, sem precisar derrubar uma árvore sequer.
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Mapa comparativo das propostas do DNIT e dos xinguanos em relação ao traçado da BR 242
Em outra parte da BR 242, entre Gaúcha do Norte e o Distrito de Santiago do Norte, os povos do Xingu reivindicavam mais uma alteração no traçado: a proposta do DNIT impactava diretamente a paisagem cultural sagrada de Kamukuwaká, sítio arqueológico tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
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Paisagem cultural sagrada de Kamukuwaká, sítio arqueológico tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)|Piratá Waurá
Nesse caso, também seria necessário abrir um novo trecho de rodovia em área de floresta preservada, além de construir uma ponte sobre o Rio Batovi em cima da paisagem de Kamukuwaká. Os xinguanos pediam o mínimo: realizar um desvio no traçado proposto pelo DNIT aproveitando estrada e ponte já existentes na região, afastando a BR 242 em 12 quilômetros do patrimônio histórico tombado.
A paisagem sagrada de Kamukuwaká tem sofrido com invasões constantes de pescadores. Apesar de tombado pelo Iphan desde 2010, o local é completamente desprotegido. Em 2018, o principal painel de arte rupestre de Kamukuwaká foi depredado em ação criminosa. Inquéritos foram abertos pelo Ministério Público, mas ninguém foi responsabilizado e nenhuma ação reparatória foi proposta.
Kamukuwaká é um sítio arqueológico vivo. Os povos que vivem atualmente no TIX seguem frequentando o local, revivendo ritos e histórias da criação do mundo que lá se sucederam em tempos imemoriais.
Conheça esse patrimônio vivo do Xingu no vídeo da Associação Terra Indígena Xingu (Atix) e da Rede Xingu+, com apoio do Instituto Socioambiental (ISA). Assista!
Consulta e vitória
A proposta de traçado defendida pelos xinguanos ao longo desses anos foi acolhida pelo DNIT em manifestação oficial do órgão em fevereiro deste ano. No entanto, a obra ainda não está autorizada. Os estudos de impacto sobre a vida dos povos do TIX ainda nem começaram. Os xinguanos deram várias contribuições para a metodologia de pesquisa e participarão ativamente dos trabalhos práticos e teóricos da equipe responsável pelo trabalho. Mais uma conquista fruto de muita negociação com o governo.
Em 2019, os xinguanos foram a Brasília e convenceram o governo a assinar um acordo de Consulta Livre, Prévia e Informada. Além da BR 242, a Ferrovia de Integração do Centro Oeste (FICO) também é objeto do acordo. Nenhuma licença ambiental pode ser emitida para essas obras sem ouvir e negociar com os xinguanos primeiro.
Esse é um importante caso de aplicação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), acordo internacional do qual o Brasil é signatário que garante aos povos indígenas o direito de serem ouvidos sempre que o governo planeja ações que possam impactá-los.
Em julho de 2023, DNIT, Ibama, Funai, Iphan, os ministérios dos povos indígenas e dos transportes e a Infra SA estiveram no TIX pela primeira vez para tratar dessas obras e dialogaram com mais de 100 lideranças indígenas durante três dias na 9ª edição da Reunião de Governança Geral do Território Indígena do Xingu (GGTIX).
“Se eu entrar na igreja, destruir alguma coisa ali, ninguém vai deixar. Porque ali é um lugar sagrado. É a mesma coisa: Kamukuwaká e Sagihengu são lugares muito sagrados. Ali está a nossa história, ali é nossa raiz”, afirmou na ocasião o cacique Tapi Yawalapiti. Kowo Trumai reforçou: “Eu estou aqui falando em nome das nossas crianças, vamos seguir a estrada que já existe”. Depois deles, caciques e lideranças dos 16 povos do TIX argumentaram e provaram que o diálogo com os povos indígenas leva a decisões melhores, mais sensatas e benéficas para toda a sociedade brasileira.
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Cacique Yapatiama Waurá assina encaminhamento para a BR 242 durante a reunião de Governança Geral do Xingu, em julho de 2023|Piratá Waurá/ISA
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Da esquerda para a direita: cacique Tapi Yawalapiti e Yapatiama Waurá, durante a reunião de Governança Geral do Xingu|Piratá Waurá/ISA
Muito além do traçado da BR 242
Uma série de medidas estão sendo reivindicadas pelos povos xinguanos que não se limitam à alteração do traçado da BR 242. A possível construção da BR 242 e da FICO na região das nascentes do Rio Xingu vai aprofundar um cenário de intenso desmatamento, assoreamento dos rios, morte de nascentes, diminuição de peixes, desequilíbrios ecológicos e climáticos, aumento das lavouras com consequente aumento da contaminação por agrotóxicos, dentre uma série de outros problemas já sentidos na região que precisam ser estudados e revertidos.
A sustentabilidade da vida no Xingu está ameaçada. O Estado do Mato Grosso e os municípios da região promovem um modelo de desenvolvimento econômico que destrói as florestas, seca e contamina os rios. Enquanto que na Amazônia Legal Brasileira o desmatamento caiu 22% entre agosto de 2022 e julho de 2023 em relação ao mesmo período do ano anterior, no Mato Grosso, o desmatamento aumentou 8%, passando de 1,9 mil km² para 2,08 mil km² no período [PRODES 2023, INPE].
Ao mesmo tempo, o Mato Grosso está há mais de uma década tentando aprovar uma Lei de Zoneamento Socioeconômico e Ecológico sem sucesso. A lentidão demonstra que não é prioridade para a amplamente majoritária bancada ruralista na Assembleia Legislativa do Mato Grosso regular o uso e a ocupação do solo. A ausência de regras tem se mostrado mais favorável aos interesses dos grandes produtores rurais.
“Os povos do Xingu vem contribuindo de maneira cada vez mais decisiva com o desenvolvimento regional, com sensatez e visão de futuro. A cada ano, ampliam sua participação nos espaços de tomada de decisão, se organizam para defenderem seus direitos e contam com o apoio da sociedade civil organizada que, assim como eles, almeja um futuro de rios limpos, florestas em pé e diversidade política e cultural”, afirma Ivã Bocchini, coordenador-adjunto do Programa Xingu do ISA.
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liderança Ana Terra Yawalapiti (ao fundo) na 9ª GGTIX. Reunião sobre a BR 242 reuniu mais de 100 lideranças de 16 povos do Xingu|Piratá Waurá/ISA
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A ‘água boa’ da qual Mato Grosso e Brasil dependem
Em abril, mobilizações indígenas acontecem no momento em que a preservação de Áreas Protegidas para a produção das chuvas e regulação do clima está em debate no Estado
Rafael Nunes
- Analista de Políticas Climáticas do ISA
Crianças no Rio Araguaia (MT). Bacias hidrográficas do Estado são essenciais para o sistema de águas amazônico|Alexandre Macedo/Mó Documental
Entre 2 e 5 de abril, aconteceu o 2º Acampamento Terra Livre (ATL) em Cuiabá, na Praça Ulysses Guimarães. Organizado pela Federação dos Povos Indígenas de Mato Grosso (FEPOIMT), a mobilização precede o ATL Nacional, que será realizado no fim do mês em Brasília. Em Mato Grosso, o mote do encontro foi “Construindo nossas perspectivas territoriais e de direitos!”.
Por mais que a discussão sobre os direitos territoriais indígenas possa parecer distante da maioria das pessoas nos centros urbanos, o ATL tem ganhado maior importância.
Isso porque, especialmente em Mato Grosso e na Amazônia Legal, as Terras Indígenas e outras Áreas Protegidas, como Unidades de Conservação, são os locais que garantem a produção das chuvas vitais para as populações urbanas e rurais no Cerrado e nas regiões Centro-Oeste e Sudeste do país. Se esses territórios não forem conservados, o regime de chuvas em todas essas regiões será comprometido.
Não por acaso, um dos temas em debate no ATL foi a gestão territorial das Terras Indígenas e o Zoneamento Socioeconômico Ecológico de Mato Grosso. Assim como o direito territorial originário, o Zoneamento Socioeconômico Ecológico é um tema de debate que fica em segundo plano diante do nosso corrido cotidiano.
O instrumento do Zoneamento servirá para planejar a expansão e uso do solo em Mato Grosso pelos próximos dez anos, de modo a considerar as variáveis sociais, econômicas e ecológicas. É por essa política que o Estado organizará o seu crescimento e definirá áreas prioritárias para conservação e para o desenvolvimento de atividades econômicas.
Uma década é tempo suficiente para populações urbanas dobrarem de tamanho, como é o caso de Querência, e zonas metropolitanas, como Cuiabá-Várzea Grande, terem incremento de quase 20% em sua população. Em diversos locais do estado, paisagens inteiras mudaram com a conversão da vegetação nativa em plantios, com a construção de hidrelétricas e outras infraestruturas. Mudou assim a forma de se utilizar a água e a própria forma como o regime de chuvas se comporta.
Mato Grosso é um Estado com três biomas e cujas bacias hidrográficas são essenciais para alimentar tanto o sistema de águas amazônico quanto o importante Rio Paraguai e seu vasto Pantanal, que neste ano apresentam os níveis mais baixos já registrados.
Aqui também se encontram 43 Povos Indígenas e a maior diversidade etnolinguística do mundo, no Território Indígena do Xingu (TIX), onde também existe um alto número de espécies de animais e plantas endêmicas, raras, algumas ameaçadas de extinção.
São esses fatores que sustentam a condição climática e hídrica necessária para que Mato Grosso continue a ser um dos maiores produtores de grãos, algodão e proteína animal do Brasil e do mundo. A produtividade do agronegócio se encontra ameaçada, com perdas consideráveis de safra nos últimos anos, justamente por conta da imprevisibilidade climática e mudanças no regime de chuvas devido à substituição das vegetações nativas do Cerrado, Amazônia e suas transições.
Quando analisamos os focos de incêndio florestal dos anos anteriores e de 2024, fica evidente a importância que as Terras Indígenas possuem na manutenção das vegetações nativas e, portanto, do clima, das águas, dos estoques de carbono e diversos serviços ambientais.
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Sistema de monitoramento remoto de desmatamento da vegetação nativa da Rede Xingu+ demonstra que territórios indígenas como o Xingu são responsáveis pela manutenção das vegetações nativas e servem como freio para processos como desmates e incêndios – logo vêm sendo vitais na regulação do clima, produção de chuvas e manutenção dos estoques de carbono
O cenário desafiador e complexo, porém, pode ser enfrentado com soluções criativas, que misturam técnicas ancestrais de uso e manejo da vegetação com a criatividade e conhecimento dos nossos povos.
Um exemplo de sucesso é a Rede de Sementes do Xingu – nascida em 2008 a partir da campanha ‘Y Ikatu Xingu (“Salve a Água Boa do Xingu”) – e que, por meio da muvuca de sementes, consegue fornecer soluções técnicas e práticas para restaurar áreas degradadas. Contando com coletores de sementes indígenas e urbanos, a Rede de Sementes do Xingu planta as florestas do futuro e consequentemente ajuda a recuperar áreas de nascentes e beiras de rios.
O ano de 2024 traz várias oportunidades – e sementes – para debater a forma como gerimos nossas águas e territórios. Tanto o ATL, quanto o Zoneamento, são frentes centrais para debater se, nos próximos anos, o Mato Grosso agirá ativamente para manter as águas que fazem crescer os grãos e fornecer chuvas aos centros mais populosos do país, ou se seguirá em uma rota de aceleração da perda de áreas naturais e de impactos sociais negativos.
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Rede Xingu+ debate gestão territorial, governança e ameaças ao Corredor de Áreas Protegidas do Xingu
Conselheiros se reuniram em Brasília para trocar experiências sobre seus territórios e discutir oportunidades para promover o fortalecimento da gestão e proteção territoriais
Da esquerda para a direita: Kajet Kayapó, Winti Kisêdjê, Beatriz Ribeiro, Doto Takak-Ire, Gilliard Juruna, Francisco de Assis, Patkore Menkragnoti, Marinês Silva, Mydje Kayapó, André Villas-Bôas, Anaya Suya, Silia Moan, Nhakton Kayapó e Junio Esllei|Mariel Nakane/ISA 2024
Em um cenário de redução do desmatamento, porém, de intensificação do risco devido ao avanço das obras infraestrutura e de atividades ilegais nas Áreas Protegidas do Xingu, os conselheiros do Xingu+ se reuniram em Brasília, entre os dias 08 a 11 de março, para debater estratégias de fortalecimento da gestão de seus territórios.
Durante o evento, representantes da Associação dos Moradores da Reserva Extrativista Rio Iriri (AMORERI), Associação dos Moradores da Reserva Extrativista Rio Xingu (AMOMEX), Associação Yudjá Mïratu da Volta Grande do Xingu (AIMIX), Instituto Kabu (IK), Associação Floresta Protegida (AFP), Associação Terra Indígena Xingu (ATIX) e Associação Khisedje (AIK), fizeram um intercâmbio de experiências e visões de seus territórios, tomaram decisões e identificaram oportunidades conjuntas, fortalecendo as conexões existentes para promover a gestão e a proteção integrada da Bacia do Xingu.
Lideranças dos povos indígenas Kisêdjê, Juruna, Kayapó, Kawaiwete, Yawalapiti e de ribeirinhos das Reservas Extrativistas da Terra do Meio, participaram do encontro junto com a equipe da Secretaria Executiva da Rede Xingu+*, que atualmente é exercida pelo Instituto Socioambiental (ISA).
A articulação entre os representantes do chamado “Corredor de diversidade socioambiental do Xingu”, uma área de 26 milhões de hectares preservados onde vivem cerca de 25 mil pessoas, é importante para fazer frente às ameaças em curso na região e que impactam direta e indiretamente os povos indígenas e comunidades tradicionais que vivem na região.
Assembleia do Xingu+ 2024
No primeiro dia, os conselheiros definiram a data, as pautas e as comitivas que irão participar do 6º Encontro da Rede Xingu+, que dessa vez será realizado na comunidade São Francisco, na Resex Rio Iriri, Pará. Entre 28 a 31 de maio, os membros do Xingu+ e os seus parceiros irão debater os desafios enfrentados pelos povos da floresta e traçar estratégias para a proteção do Rio Xingu, seus modos de vida e para a preservação da floresta em pé.
Avanço das ameaças ao Xingu
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O avanço do agronegócio representa uma grande ameaça a conectividade do Corredor de Áreas Protegidas do Xingu|Renan Kisedje/Xingu+
O segundo dia foi dedicado à atualização dos dados de desmatamento na Bacia do Xingu. Para isso, os conselheiros do Xingu+ retomaram o mapa de pressões e ameaças produzido no ano passado, para avaliar as áreas mais impactadas pelo avanço do roubo de madeira, garimpo e de obras de infraestrutura no Xingu - especialmente a Ferrogrão (EF-170), que prevê a ligação do norte do Mato Grosso ao sul do Pará, com objetivo de fortalecer a rota de escoamento de grãos.
A ferrovia irá passar próximo a Terras Indígenas e Áreas Protegidas, como a região do Instituto Kabu, que representa 12 comunidades do povo Mẽbêngôkre-Kayapó distribuídas entre as Terras Indígenas (TIs) Baú e Menkragnoti e duas comunidades da TI Panará.
O território está na área mais impactada pelo traçado da ferrovia e não houve, até o momento, consulta aos povos indígenas associados ao Instituto Kabu: “Não fomos consultados. A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) usou um documento que não garante que foi realizado o processo de consulta prévia, livre e informada, conforme previsto na Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) . Após 7 anos a agência reconheceu o erro deles e enviou um documento pedindo desculpas pro instituto Kabu. Eles precisam pedir desculpas para todos os caciques, crianças, floresta e rios”, lamentou o conselheiro da Rede Xingu+ e relações públicas do instituto Kabu, Mydjere Kayapó.
A analista do Instituto Socioambiental (ISA), Mariel Nakane, destaca que os estudos do projeto da Ferrogrão foram retomados em 2023, após 2 anos de paralisação por conta de decisão liminar no caso da ADI 6553, no Supremo Tribunal Federal. Em julho de 2023, a Rede Xingu+ apresentou subsídios técnicos sobre a retomada do projeto, e em outubro de 2023 ingressou como membro da sociedade civil do GT Ferrogrão, criado pelo Ministério de Transportes para debater os estudos e processos sobre o projeto, completa Mariel Nakane.
São obras com essa, prioritárias para o Estado, que continuam ameaçando a maior floresta tropical do mundo e violando direitos dos povos que ali habitam. No outro extremo do Xingu, a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, que chegou na região há mais de onze anos, deixa um legado de impactos irreversíveis, como relatou o conselheiro Gilliard Juruna, representante da Associação Yudjá Mïratu, da Volta Grande do Xingu (AIMIX) durante o segundo dia da reunião do conselho do Xingu+:
“Com o hidrograma atual, não está havendo reprodução de peixes abaixo da barragem. Os Tracajás estão morrendo. Os furos estão secando e em processo de erosão. Somos nós que estamos monitorando. As ilhas estão virando terra firme e não há frutas suficientes para os peixes. Estamos vendo peixes com deformação”.
A animação 'Pulsa, Xingu+', lançada no ano passado, ilustra uma proposta de hidrograma produzida pelos pesquisadores do MATI (Monitoramento Ambiental Territorial Independente) da Volta Grande do Xingu. Composto por cientistas locais e acadêmicos, o coletivo monitora diariamente os impactos provocados pela operação de Belo Monte.
Assista à animação!
Fortalecimento da Gestão Territorial e Ambiental do Xingu
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Jovens Kuikuro durante pesquisa sobre os recursos naturais ao redor da aldeia Ipatsé, do povo Kuikuro, Território Indígena do Xingu|Camila Gauditano/ISA
“Se a gente quiser melhorar a gestão da nossa terra, de quanto recurso vamos precisar?”, perguntou Pedro Gasparinetti, economista e diretor do Fundo de Conservação Estratégica (CSF).
O Fundo está construindo, em parceria com a Rede Xingu+, a Calculadora de Custos para a Gestão de Terras Indígenas, uma calculadora online que tornará possível quantificar os custos para a implementação dos eixos apontados nos Planos de Gestão Territorial e Ambiental(PGTAs) das Terras Indígenas do Corredor Xingu.
O terceiro dia do encontro foi dedicado à avaliação da última etapa de desenvolvimento da ferramenta, que foi elaborada a partir das despesas passadas de oito Terras Indígenas da Bacia do Xingu, com diferentes projeções, como: mudanças na população e grau de pressões e ameaças. Durante o 6o Encontro da Rede Xingu+, será apresentada a versão final da Calculadora de Custos de Gestão em Terras Indígenas.
Para Winti Khĩsêtjê, conselheiro da Rede Xingu+, a calculadora online vai facilitar muito a construção de orçamentos para captação de recursos de acordo com as prioridades das comunidades. Além da ferramenta de cálculo online, também foi discutida uma proposta de Fundo para o Corredor Xingu, destinado ao apoio à implementação dos PGTAs e Planos de Manejo das Terras Indígenas e Reservas Extrativistas do Xingu.
Corredor de Áreas Protegidas do Xingu: um escudo verde contra a destruição
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A Bacia do Xingu abriga 28 povos indígenas e comunidades tradicionais que formam a barreira de proteção a uma das maiores biodiversidades do planeta|Kamatxi Ikpeng/Xingu+
Se por um lado os empreendimentos de alto impacto socioambiental e as atividades ilícitas violam os direitos dos povos indígenas e tradicionais nas Terras Indígenas e Unidades de Conservação do Xingu, por outro, o Conselho Político do Xingu+ está avaliando junto ao Governo Federal a criação de uma figura de gestão integrada no Corredor de Áreas Protegidas do Xingu, que garanta não apenas a manutenção dos processos ecológicos ao longo neste imenso território, mas também a proteção e o bem estar dos povos que nele vivem.
No quarto dia do encontro, os conselheiros do Xingu+ receberam Iara Vasco, diretora de criação de manejo de Unidades de Conservação no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e Raoni Rajão, diretor de política de controle de desmatamento no Ministério do Meio Ambiente (MMA). A representante do ICMBio reconheceu a importância do Corredor de Áreas Protegidas do Xingu, que comporta um dos maiores mosaicos contínuos de Terras Indígenas e Unidades de Conservação no planeta, para a conservação da sociobiodiversidade.
Segundo o conselheiro Francisco de Assis, “a Rede Xingu+ fez a gente entender a conexão de uma terra com a outra”. Para a liderança da Resex Rio Iriri, os indígenas e ribeirinhos do Xingu têm a mesma causa e devem lutar unidos.
A Bacia do Rio Xingu compreende uma área de aproximadamente 53 milhões de hectares nos Estados do Pará e do Mato Grosso e abrange uma grande diversidade de povos e ecossistemas, de florestas densas e várzeas do bioma Amazônia até áreas de vegetação típicas do Cerrado. Para Raoni Rajão, representante do MMA, a Rede Xingu+ é uma articulação extremamente importante para conter o desmatamento na região do Xingu. “A partir do momento que uma rede como essa documenta e reúne denúncias ao longo do corredor, você consegue ligar os pontos”, afirmou o diretor de política de controle de desmatamento no Ministério do Meio Ambiente (MMA).
Com 22 Terras Indígenas e nove Unidades de Conservação, o Corredor é considerado uma das regiões com maior sociobiodiversidade no mundo, abrigando 26 povos indígenas e centenas de comunidades ribeirinhas. Há séculos esses povos tradicionais manejam e protegem suas florestas, que comportam um imenso conjunto de espécies de plantas e animais, algumas ainda desconhecidas pela ciência. O Corredor Xingu tem um papel crucial na proteção da Amazônia e do clima global.
Xingu+ se reúne com órgãos do governo para reivindicar os direitos dos povos da floresta
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Nhakton Kayapó, vice-presidente da AFP, explicando a importância do acesso à energia fotovoltaica na Terra Indígena Kayapó|Junio Esllei/Rede Xingu+
No quinto e último dia de reunião, a comitiva de conselheiros do Xingu+ foi recebida por André Dias, Diretor do Departamento de Universalização e Políticas Sociais de Energia Elétrica, do Ministério de Minas e Energia. Os conselheiros levaram as demandas de suas comunidades sobre o andamento de instalação de energia fotovoltaica nas aldeias e nas comunidades do Corredor Xingu. Para Winti Khĩsêtjê, a audiência no Ministério de Minas e Energia (MME) foi muito importante, para o xinguanos discutirem com o governo como essas políticas públicas podem chegar às comunidades do Xingu e atenderem as necessidades da população indígena e ribeirinha.
A nossa luta é uma só!
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Doto Takak-Ire, presidente do Instituto Kabu, incentiva o fortalecimento da relação entre indígenas e ribeirinhos para firmar uma aliança pelo futuro da floresta. Aldeia Kubenkokre, Terra Indígena Menkragnoti, Pará|Lucas Landau/Rede Xingu+
Durante a avaliação da reunião do Conselho do Xingu+, Doto Takak Ire, presidente do Instituto Kabu, afirmou que houve muito aprendizado e troca entre os conselheiros durante os 4 dias de reunião. “Cada dia que passa, a gente fica mais forte. Temos que pensar no futuro, não podemos deixar acabar, temos que dar continuidade para proteger o corredor Xingu. Quem luta vence, quem não luta fica por último. Precisamos ter essa luta conjunta, precisamos ter mais jovens para aprender”.
*A Rede Xingu+, é uma aliança política entre 32 organizações de povos indígenas, de comunidades tradicionais do Xingu e organizações da sociedade civil que atuam em Terras Indígenas e Unidades de Conservação na bacia do Rio Xingu, no chamado Corredor Xingu de Diversidade Socioambiental.
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