Programa traz relatos de lideranças indígenas e ribeirinhas que participaram do encontro na Resex Rio Iriri
Já está disponível em todas as plataformas de áudio o terceiro episódio do "Vozes do Clima", boletim de áudio produzido pelo Instituto Socioambiental (ISA), com o objetivo de levar informações a povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais sobre os temas relacionados à pauta climática.
A terceira edição é apresentada por Joelmir Silva, integrante da rede de comunicadores da Rede Xingu+ e morador da comunidade extrativista Maribel, e ouviu diversas lideranças indígenas e ribeirinhas durante a 6ª Assembleia da Rede Xingu+, que aconteceu em maio deste ano, na Reserva Extrativista Rio Iriri, na Terra do Meio (PA), sobre questões relacionadas às mudanças climáticas e ao mercado de carbono.
Escute!
Cerca de 350 defensores e defensoras da Bacia do Xingu, representando 53 organizações indígenas e ribeirinhas, discutiram estratégias para enfrentar as ameaças à região, incluindo os efeitos da emergência climática e o assédio sobre as comunidades para firmar contratos de créditos de carbono, além das antigas preocupações com os impactos do desmatamento, da grilagem de terras, do garimpo, do roubo de madeira e dos megaprojetos de infraestrutura.
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“A gente tá muito preocupado com tudo isso, por causa da mudança do clima, do sol também. O ano passado foi pouca chuva. Até a castanha foi pouca", contou Maria Laura Mendes da Silva, a Dona Laura, da comunidade São Francisco, na Reserva Rio Iriri.
Ela relatou ao "Vozes do Clima" que além das perdas que afetam o modo de vida da população local, a seca intensa que atingiu a região no ano passado provocou a proliferação de insetos. “A água veio assim, tipo uma lama. Aí, quando ela chegava, entrar dentro da água, a gente não aguentava com tanto bichinho nas pernas da gente. Aí a gente deixou até de banhar no rio”, disse.
Além dos graves problemas surgidos com as mudanças do clima, o novo episódio do "Vozes do Clima" também repercute as plenárias que abordaram, durante a assembleia, temas como mercado de carbono e projetos de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal, Manejo Sustentável e Aumento do Estoque de Carbono (REDD+).
Sobre as pressões exercidas por empresas certificadoras de crédito de carbono em cima das comunidades, o secretário executivo da Rede Xingu+, André Villas Boas comentou: "O grande problema é de entendimento e informação. Pouca informação disponível e acessível para as comunidades. E as informações chegam através de empresas e de interessadas em fazer projetos de uma maneira muito manipulada, colocando a possibilidade de ganhar grandes recursos na frente, como sendo o único argumento que justificasse fazer um projeto de carbono. Sem que as comunidades consigam entender, de fato, o quê que é um projeto de carbono”, destacou.
Os mecanismos de REDD+ foram criados para incentivar os países em desenvolvimento, como o Brasil, a contribuírem para o equilíbrio climático através da redução de emissões de gases de efeito estufa e da conservação e aumento dos estoques de carbono. No caso do Brasil, as comunidades indígenas, quilombolas e de povos tradicionais detém grandes áreas de estoques de carbono. Mas nem sempre estes mecanismos são implementados a partir de um diálogo transparente com estas comunidades.
“Algumas empresas me procuraram diretamente, como assessor, tentando buscar uma conversa para falar sobre carbono. E a gente achou que não era o momento oportuno para a gente conversar porque a gente precisava entender o que que era carbono, o que que era tudo isso que estava sendo falado”, relatou Francinaldo Lima, assessor técnico das associações de moradores das reservas extrativistas da Terra do Meio e da comunidade extrativista Maribel, no Pará. Ele contou que o assédio às comunidades por projetos de carbono começou há muito tempo e há cerca de dois anos eles aceitaram conversar com duas empresas e conhecer as propostas.
O Congresso Nacional está debatendo o Projeto de Lei 182, de 2024, que cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa. A proposta foi aprovada em dezembro do ano passado pela Câmara dos Deputados e agora está no Senado Federal.
Ciro Brito, analista de políticas climáticas do ISA, explicou a importância da regulamentação. “Esse projeto também vai definir quais os critérios para o desenvolvimento desses projetos e programas de geração de créditos de carbono. Qual o papel dos órgãos gestores de áreas públicas e das entidades representativas de povos indígenas, quilombolas e povos e comunidades tradicionais”, pontuou.
A poesia de Chico Preto
A abertura e o fechamento do terceiro episódio do "Vozes do Clima" ficaram por conta de Chico Preto, poeta beiradeiro que vive na Reserva do Rio Iriri. Com seus versos, ele deu a dimensão das dificuldades e dos dilemas enfrentados pelos povos que vivem no corredor da Bacia do Xingu.
"Um dia eu saí de casa somente pra trabalhar. Logo eu voltei correndo pra minha família avisar, contando logo pra elas que a nossa floresta iria se acabar. Minha mulher saiu correndo, sem pisar logo no chão, pra avisar os nossos filhos que tava na região, contando logo pra eles que a nossa floresta, ela ia toda pro chão. Os meu neto já chegaram muito cheio de pavor. Uns gritava ‘Ô meu pai’, outros gritava ‘Ô meu avô’. Se nós ficar sem a nossa floresta, nós vamos sentir a dor”, versou Chico Preto, mostrando a preocupação cotidiana com o futuro da floresta diante de tantas ameaças.
O boletim de áudio “Vozes do Clima” é uma realização do ISA, com produção da produtora de podcasts Bamm Mídia e apoio da Environmental Defense Fund (EDF). A identidade visual foi concebida pelas designers e ilustradoras indígenas Kath Matos e Wanessa Ribeiro. Além de ser distribuído via Whatsapp e Telegram, o programa também poderá ser ouvido nas plataformas de áudio Spotify, iHeartRadio, Amazon Music, Podcast Addict, Castbox e Deezer.