Manchetes Socioambientais
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O trabalho do ISA no monitoramento de "pressões e ameaças" parte do entendimento de que "pressão" é um processo de degradação ambiental (desmatamento, roubo de madeireira, garimpos, incêndios florestais etc) que ocorre no interior de uma área legalmente protegida, como Terra Indígena, Território Quilombola e Unidade de Conservação, como Parques e Florestas Nacionais, levando a perdas de ativos e serviços socioambientais. Ou seja, "pressão" é um processo que pode levar à desestabilização legal e ambiental de determinada área protegida. Já "ameaça", por sua vez, é a existência de risco iminente de ocorrer alguma degradação ambiental no interior de uma área protegida.
Tomadas cumulativamente, as pressões e ameaças podem gerar impactos socioambientais negativos de magnitude e alcance suficientes para desencadear o colapso no funcionamento dos ecossistemas e dos modos de vida das populações locais - e impactos negativos nas cidades. Os povos indígenas e populações tradicionais, como comunidades quilombolas e ribeirinhas, são diretamente atingidos pelas pressões e ameaças por terem seus territórios invadidos, suas florestas desmatadas e seus rios desviados e contaminados.
Aqui no ISA, o trabalho de monitoramento das pressões e ameaças é feito por pesquisadores especializados em antropologia, direito socioambiental, modelagem de uso da terra e avaliação de políticas públicas. A equipe diretamente responsável pelo monitoramento de áreas protegidas do ISA atua na conexão entre pesquisadores, formuladores de políticas públicas e tomadores de decisão. As áreas de atuação desse time abrangem o desenvolvimento de pesquisas científicas e aplicações em sistemas de informação geográfica e ferramentas de monitoramento da situação jurídica, demográfica e projetos governamentais que impactam as áreas protegidas.
O monitoramento de áreas protegidas do ISA possui conhecimento acumulado no monitoramento de pressões e ameaças desde a década de 1980 como um dos primeiros programas da sociedade civil no Brasil a construir uma plataforma organizada de sistemas de informação socioambiental, antes mesmo que setores governamentais. Esse trabalho iniciou-se no antigo Centro Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi), em 1983, com o monitoramento de Terras Indígenas no Brasil. Em 1992, ainda no Cedi, foi iniciado o monitoramento das Unidades de Conservação na Amazônia e outras áreas públicas. Seu Sistema de Informação de Áreas Protegidas (SisArp) é um sistema Web com 15 módulos de dados por temas específicos, incluindo o módulo de pressões e ameaças. O SisArp alimenta sites institucionais que disponibilizam dados, mapas, imagens, vídeos, notícias, publicações e análises temáticas. Alguns sites estão listados abaixo, confira!
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Em formato de enciclopédia, é considerado a principal referência sobre o tema no país e no mundo |
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A mais completa fonte de informações sobre o tema no país |
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Versão especial da Enciclopédia PIB para a educação infantil; |
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o primeiro produto web de referência neste tema, lançado em junho de 2007 |
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painel de indicadores de consolidação territorial para as Terras Indígenas |
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painel de informações sobre o estado das florestas e alertas de pressões e ameaças que impactam as áreas protegidas. |
Mais de 25% dos pedidos de informação sobre implementação do Código Florestal e regularização ambiental nos estados foram respondidos fora do prazo ou não tiveram resposta
Falta transparência nos estados para divulgar dados sobre regularização ambiental. É o que concluiu o levantamento O acesso à informação sobre a implementação do Código Florestal pelos governos estaduais, produzido pelo Observatório do Código Florestal (OCF), Instituto Centro de Vida (ICV), o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), a Artigo 19 e o ISA.
As organizações analisaram 278 pedidos de acesso à informação realizados durante três anos para entender se é possível acompanhar, por meio de mecanismos da Lei de Acesso à Informação (LAI), a ação dos governos estaduais na implantação do Código Florestal.
De acordo com o relatório lançado, na quarta-feira (25), 28% dos pedidos de informação foram respondidos em atraso ou não tiveram resposta. Os atrasos não geraram respostas de melhor qualidade. Considerando apenas os pedidos respondidos, mais de 40% não trouxeram todas as informações solicitadas. Em aproximadamente 20% desses casos, o acesso à informação foi restringido por meio de justificativas inadequadas.
A região Norte acumulou quase dois terços dos 32 pedidos não respondidos, com destaque para o Acre, cujos órgãos públicos não responderam nenhum dos pedidos enviados durante a pesquisa.
O acesso à informação é um direito garantido na Constituição e orienta outros dispositivos legais que asseguram a transparência na administração pública. Os órgãos ambientais são responsáveis por garantir o acesso às informações públicas de interesse social e sua falta de transparência compromete a implementação do código florestal.
O levantamento concluiu que os órgãos ambientais dos estados apresentaram limitações para dar as respostas e fornecer as bases de dados solicitadas. Tais limitações podem ser resolvidas caso os estados assumam uma posição mais comprometida com a transparência em relação às informações ambientais, adotando práticas como aprimoramento dos sistemas estaduais de acesso à informação, treinamento de servidores e troca de experiências entre estados sobre boas práticas.
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Desmatamento aumentou 14% entre o 1º e o 2º bimestre de 2022, de acordo com o boletim Sirad-I, do ISA; restrição de uso da Terra Indígena Pirititi (RR) vence em julho
Entre o primeiro e o segundo bimestre de 2022, o desmatamento em Terras Indígenas com presença de povos isolados cresceu 14%, segundo dados do último boletim Sirad-I do ISA. Além do roubo de madeira, o crescimento do desmatamento também está relacionado ao aumento do garimpo ilegal.
Chama a atenção o crescimento dos requerimentos de lavra garimpeira no interior da Terra Indígena Zoró, no Mato Grosso. No final de abril, a Cooperativa dos Garimpeiros e Mineradores do Brasil fez um pedido na base da Agência Nacional de Mineração (ANM) para explorar cobre no território, a menos de 2 km de outra abertura de garimpo ilegal, que hoje já totaliza aproximadamente 10 hectares. No mesmo período, o monitoramento do ISA também identificou uma nova área de garimpo ilegal a oeste da TI.
Vale ressaltar que a Constituição proíbe garimpo de não indígenas em territórios indígenas, mas o governo pretende legalizá-lo. Em fevereiro, foi publicado um decreto no Diário Oficial da União estimulando a “mineração artesanal” na Amazônia Legal. Segundo levantamento realizado pelo MapBiomas, a área ocupada pelo garimpo dentro de Terras Indígenas cresceu 495%, entre 2010 e 2020, sendo que os maiores saltos foram registrados nos últimos quatro anos.
Pressões fundiárias
Em Roraima, a pressão de grileiros sobre a Terra Indígena Pirititi cresce com a proximidade do vencimento da Portaria de Restrição de Uso, em julho, após a Fundação Nacional do Índio (Funai) renová-la por apenas seis meses.
O monitoramento do ISA identificou mais de 20 registros do Cadastro Ambiental Rural (CAR) na área. Além disso, a parte oeste do território está totalmente ocupada por grileiros, segundo dados do sistema CAR. No total, o território já perdeu 22.477 hectares, quase 10%, considerando dados do Prodes/Inpe e do monitoramento do ISA.
Na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia, a grilagem também é uma ameaça crescente. A quantidade de áreas afetadas pela grilagem e o desmatamento para a abertura de pastagem já soma 43.257 hectares.
Em 2021, o ISA e a Associação de Defesa Etnoambiental – Kanindé realizaram uma denúncia sobre a alta quantidade de CARs na TI. A partir da notificação, os registros incidentes na TI foram cancelados a pedido do Ministério Público Federal (MPF). No entanto, esse tipo de ação judicial cancela apenas registros digitais, sem efetuar a desintrusão (retirada de invasores) da área.
Na Terra Indígena Zoró, foram identificados 38 registros de CAR, distribuídos aleatoriamente na fronteira do território. Terras Indígenas não possuem, obrigatoriamente, uma zona de amortecimento, mas esses cadastros autodeclaratórios representam uma pressão sobre essas áreas por estarem muito próximos de suas bordas e por flexibilizarem a entrada ilegal de invasores.
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O sócio fundador do ISA Márcio Santilli comenta a onda de mortes e ameaças a líderes de populações indígenas e tradicionais estimulada pelo discurso e o desmonte das políticas e órgãos ambientais promovido pelo governo
Assassinatos são frequentes na Amazônia, mas parece estar havendo, agora, uma explosão de violência. Um crime bárbaro foi registrado, em Jordão, interior do Acre. O indígena João Barbosa Marcelino Kaxinawá, de 25 anos, foi morto com mais de 30 facadas na madrugada de sábado (14), no centro da cidade. Quatro pessoas foram presas em flagrante e um menor foi apreendido, mas o motivo do crime não foi revelado. Dizem que os envolvidos têm vínculo com o tráfico de drogas.
Em Altamira, no Pará, em cinco dias foram executadas 10 pessoas. Uma mãe e a sua filha morreram no meio da rua, em plena luz do dia. João Marcelino de Souza, de 31 anos, jovem integrante do movimento extrativista, foi morto dentro de casa. A polícia afirma que a maior parte dos crimes está associada a disputas entre facções criminosas.
Mesmo que essas alegações procedam, não atenuam a gravidade da situação. Ao contrário, indicam o avanço do crime organizado sobre o território amazônico, apesar das promessas de bem-estar social usadas para justificar projetos de desenvolvimento de diferentes períodos históricos, como a rodovia Transamazônica e a hidrelétrica de Belo Monte (PA).
Ameaça contínua
Em Roraima, o presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Yek’wana, Júnior Hekurari Yanomami, que denunciou o estupro e o assassinato de uma menina yanomami de 12 anos, disse que está sofrendo ameaças de garimpeiros. “Tem áudios me ameaçando dizendo que perderam a paciência e que ‘não tem como’ ”, alertou, segundo o jornal Brasil de Fato.
Alessandra Korap é vice-presidente da Federação dos Povos Indígenas do Pará (Fepipa) e porta-voz do povo Munduruku. Ela e os seus familiares sofrem constantes ameaças de morte por combater a invasão do garimpo predatório nos territórios indígena na região do Tapajós. A sua casa, em Santarém (PA), já foi invadida duas vezes e a sede da Associação Wakonborum, que reúne as mulheres Munduruku, foi incendiada. A maior proteção à vida de Alessandra deve ser o grande reconhecimento público à sua atuação, dentro e fora do país.
A comunidade quilombola de Jacarezinho, de São José do Soter, no interior do Maranhão, sofre a ameaça de uma chacina desde o final de abril, quando Edvaldo Pereira da Rocha, que liderava o processo de regularização fundiária da área e se opunha à expansão do cultivo da soja sobre terras comunitárias, foi brutalmente assassinado por pistoleiros, a mando de grileiros de terra que agem na região.
Está crescendo assustadoramente a frequência com que grandes balsas de garimpo invadem, depredam e contaminam vasta extensão do Rio Negro e dos seus afluentes, no noroeste do Amazonas, uma das regiões mais remotas e preservadas da Amazônia brasileira. A Agência Nacional de Mineração (ANM) tem concedido, de forma irresponsável, autorizações de lavra garimpeira incidentes sobre o leito do Rio Negro, inclusive nos trechos em que ele faz divisa entre terras indígenas e é efetivamente habitado e utilizado por centenas de comunidades. O Exército tem feito operações de retirada de invasores e de apreensão de equipamentos, mas líderes indígenas estão sendo obrigados a se exporem, cada vez mais, na abordagem direta às balsas e aos focos de garimpagem predatória que se expandem na região. Marivelton Barroso, presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), assim como outros membros da sua diretoria e seus familiares, também tem recebido ameaças de morte.
Na terça (17), foram confirmados bloqueios de estradas e incursões de invasores em duas aldeias da Terra Indígena Apyterewa, no sudeste do Pará. Grileiros estão expulsando famílias de posseiros e ameaçando comunidades indígenas Parakanã, que seguem isoladas e confinadas numa parte do seu próprio território, invadido. Na Terra Indígena Parakanã, pouco mais ao norte, os indígenas também estão sob ameaça de retaliação por causa da morte de três não indígenas que invadiram o território e foram mortos.
Promoção da violência
Embora as estatísticas apontem uma redução no número pornográfico de homicídios no Brasil em 2021, o conjunto de casos e de situações demonstra que o Brasil continua sendo um dos líderes mundiais de assassinatos nas cidades e no campo, na Amazônia em geral e dos socioambientalistas e líderes dos movimentos que defendem e dependem das florestas em pé. Está aumentando essa guerra civil de baixa intensidade, que transforma a Amazônia numa zona de risco e num deliberado vazio de Estado.
Deliberado, sim, porque o mesmo governo que desestrutura as políticas, os órgãos e os orçamentos públicos, não economiza esforços para promover a produção predatória de minérios e madeiras, a invasão e o grilo de terras públicas, a implantação de obras sem licenciamento, a poluição dos solos e das águas com agrotóxicos e mercúrio. O próprio presidente da República visita garimpos ilegais, edita decretos para dar à ilegalidade um manto de legalidade e, no conjunto da obra, as taxas de desmatamento dão sucessivos saltos, aproximando a predação da Amazônia do ponto de não retorno, quando a floresta tende a perder sua capacidade de regeneração, transformar-se num tipo de vegetação menos densa e de clima mais seco.
Estão em jogo, nas eleições gerais deste ano, a paz, a democracia, a erradicação da miséria, o futuro da Amazônia e os seus impactos sobre a crise climática global. Na improvável hipótese de reeleição de Jair Bolsonaro, a predação e a guerra civil na Amazônia vão se intensificar. Em qualquer outra hipótese, haverá um caminho longo para reverter o seu isolamento atual e conduzir o país num rumo mais sustentável e compatível com os desafios desse século.
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O sócio fundador do ISA Márcio Santilli analisa a avalanche de ações predatórias contra a Amazônia orquestrada por Bolsonaro e os ruralistas em meio ao ano eleitoral. Artigo publicado originalmente no site do Mídia Ninja em 13/5/2022
Parte da aldeia de Aracaçá, na Terra Indígena (TI) Yanomami, em Roraima, foi incinerada pelos próprios moradores. Após seguidos conflitos com invasores garimpeiros, os sobreviventes refugiaram-se em outras comunidades próximas. A Polícia Federal (PF) não encontrou indícios da ocorrência do estupro e morte de uma menina de 12 anos, conforme denúncia que ganhou repercussão nas redes sociais e imprensa. Segundo a Hutukara Associação Yanomami (HAY), no entanto, violência e ameaças vindas dos invasores generalizou-se em diferentes regiões do território.
Incidentes com vítimas proliferam. Um levantamento realizado pela HAY mostra que metade das 360 aldeias Yanomami sofrem impactos diretos: assassinatos, troca de comida por sexo, contaminação por malária, covid, mercúrio e doenças venéreas, desestruturação cultural e produtiva.
Outro estudo, do projeto MapBiomas, revela a expansão da extensão devastada pela mineração predatória em todo país, que já é maior do que a ocupada pela mineração formal, embora responda por menos de 10% da produção mineral nacional. Cerca de 98% da área total sob mineração predatória está situada na Amazônia Legal Brasileira.
Ouro na mala
Também na semana passada, a PF apreendeu um carregamento ilegal de 78 quilos de ouro nas proximidades de Sorocaba (SP). O ouro, assim como o avião, não tinha autorização para circular. Ambos pertencem a Dirceu Frederico Sobrinho, dono da FD Gold, empresa com sede na Avenida Paulista, em São Paulo.
“Estou aqui para fazer um esclarecimento, para declarar que esse ouro pertence à minha empresa, FD Gold. Todo ele foi comprado sob permissão de lavra garimpeira concedida, que não pertence à área indígena, que não pertence a garimpos ilegais”, disse o empresário, sem esclarecer que garimpos legais eram esses e porque o transporte do ouro estava sendo feito de forma ilegal, embora escoltado por policiais militares.
A PF informou que o avião também foi apreendido porque é objeto de sequestro criminal em outro inquérito policial. Em 2018, a PF e o Ministério Público Federal (MPF) realizaram a Operação Levigação, para tentar combater a lavagem de ouro clandestina no Pará. A ação resultou no bloqueio judicial de R$ 187 milhões em bens dos investigados. Um deles era Dirceu. Na época, a PF cumpriu mandados de busca e apreensão nos escritórios da DJ Gold em Itaituba e em São Paulo. Itaituba é um município do sudoeste do Pará, cuja economia é gira entorno da garimpagem ilegal e predatória nas terras do povo indígena Munduruku.
Dirceu não é de sujar as mãos em lama de garimpo e não bebe suco de mercúrio, mas é um dos que ficam com a parte da fortuna oriunda desse tipo de atividade. Em 2018, disputou a suplência do senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) e é frequentemente recebido por ministros de Estado e pelo vice-presidente, Hamilton Mourão. É um predador influente, descolado e beneficiado pelo avanço da predação mineral.
Mais desmatamento
Foi também na semana passada que a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) apresentou um documento, assinado pela maioria dos senadores, pedindo ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que ponha em votação o chamado “Pacote da Destruição”, um conjunto de projetos de lei já aprovado pela Câmara dos Deputados que incentiva o roubo de terras públicas (grilagem), libera o uso de agrotóxicos indiscriminadamente e reduz o licenciamento ambiental a uma mera declaração dos executores de obras públicas e projetos econômicos.
Mesmo antes da sua aprovação final, a perspectiva de legalização de mais crimes ambientais já promove a explosão do desmatamento na Amazônia. O sistema Deter, operado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), registrou mais de mil quilômetros quadrados de florestas derrubadas em abril, um recorde histórico para esse mês, considerado o último do período chuvoso. É esse o combustível que animará incêndios florestais ao final da estiagem. Após sucessivos saltos nos três últimos anos, a taxa de desmatamento na Amazônia deve saltar de novo em 2022, graças à cumplicidade do governo Bolsonaro e ao vale-tudo em ano eleitoral.
Como se já não bastasse, a pródiga semana deu lugar, ainda, à aprovação pelo Senado de um projeto de lei complementar que estabelece como sendo de “relevante interesse público da União” a implantação de linhas de transmissão de energia em terras indígenas. Não surpreenderia uma eventual piora no seu texto durante a sua tramitação na Câmara. Povos e organizações indígenas não foram ouvidos antes dessa aprovação.
Agora ou nunca
Como se vê, a devastação da Amazônia é um projeto político de governo, respaldado por bancadas corporativistas e segmentos empresariais criminosos. A taxa de desmatamento, assim como as emissões de gases do efeito estufa decorrentes, decorre de processos variados, como a mineração predatória, a grilagem de terras, a extração de madeira, a má execução de obras. Sendo oficialmente promovidas, em vez de reprimidas, essas atividades predatórias levam vantagem na concorrência com a produção similar que se pretenda sustentável.
A estratégia política que orienta esse processo é de que, ao privilegiar segmentos específicos, mesmo criminosos, o governo obtém um retorno político imediato e consistente, embora setorial, enquanto que os danos causados ao patrimônio público e ao conjunto da sociedade têm caráter mais difuso e cumulativo, e raramente geram reações contundentes imediatas. É um processo que acumula passivos hediondos e acaba isolando o Brasil do mundo civilizado, mas os grupos de interesse predatório seguem disputando eleições e se reproduzindo, mesmo que à revelia dos interesses da maioria.
Agora, com a aproximação das eleições e a possibilidade de mudanças políticas significativas, o nervosismo espalha-se por toda essa teia predatória. É por isso que a Amazônia, seus povos e recursos naturais estão sendo atacados por todas as frentes pelos que tentam consumar outro patamar de devastação. Um novo governo terá que dispor de apoios e estratégias para desarmar essa bomba e para repor, o quanto antes, o Brasil na agenda contemporânea.
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#ElasQueLutam! apresenta o reencontro da liderança waurá com sua trajetória e com a missão de dar visibilidade à força e à resistência das mulheres de seu povo
Luzes brancas iluminam cerâmicas recém-moldadas dispostas em um grande papelão estendido por quase toda a extensão do chão de uma sala no Sesc Consolação, no centro da capital paulista.
Sentada em uma cadeira escolar, de frente para outra jovem, Yakuwipu Waurá explica meticulosamente a técnica que utiliza para moldar o barro e evitar que as peças se rachem. Fala também sobre os materiais que usa para dar liga, em especial o cauxi, espécie de coral que é encontrado nos rios e que, diante dos impactos das mudanças climáticas, está cada vez mais escasso e tornando incerta a produção das cerâmicas.
“Eu rodei o Xingu inteiro e eu percebi que em volta do Xingu o desmatamento aumentou bastante”, conta Yakuwipu Waurá. “O rio que a gente nadava o fundo é preto, agora tá começando a ficar barrento. [...] O cauxi não tá mais reproduzindo, é difícil reproduzir”.
A aluna anota atentamente todos os detalhes em um caderno. A oficina, no Sesc Consolação, fez parte de uma agenda repleta de encontros, rodas de conversas e oficinas que tinha como objetivo compartilhar o conhecimento ceramista dos Waurá em museus e centros culturais de São Paulo e também de alertar para os impactos das mudanças climáticas no Território Indígena do Xingu. Saiba mais.
Na sala, também estão presentes suas parentas e companheiras de viagem: sua mãe, Pere Yalaki Waurá; Kuheju Waurá; Kutalo Waurá; Yakuwipu Waurá; e Kayana Pisulu Waurá. Além delas, dois meninos correm por todo o curto perímetro da sala, Ukuhan Waurá, filho de Yakuwipu, e Tawapy Waurá.
Em sua terra natal, na aldeia Piulewene, no TIX, Yakuwipu desempenha uma série de funções: é técnica de desenvolvimento infantil em sala de aula, presidente da Associação Sapukuyawa Arakuni, estudante de ciências humanas e sociais/licenciatura intercultural indígena da UFR, integra o Movimento Mulheres do Território Indígena do Xingu (MMTIX) e também segue na luta pela proteção territorial.
É com um sorriso constante no rosto que Yakuwipu conta que sua luta transcende essa viagem para São Paulo - a luta tem raízes familiares. Ainda assim, foi nessa cidade que é lar de parentes de 194 etnias, segundo o Censo 2022 do IBGE, que ela encontrou algumas das respostas que tanto buscava em sua vida.
“Começa com o movimento da luta de resistência dos povos indígenas. Na época, para garantir a Constituição”, inicia Yakuwipu sobre a missão e fardo que herdou ao nascer.
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Seu avô era uma liderança do povo Waujá e fez parte do movimento que lutou nos anos 1970 pela inclusão do Capítulo VIII, conhecido como Capítulo dos Povos Indígenas, na Constituição. “Ele precisava mais homem nascer como neto para poder levar esse a luta dele na proteção territorial, lutar pela terra demarcada para poder garantir para o futuro”, ela explica.
Na época, ela conta, outros povos estavam sendo massacrados pelos não indígenas e seu avô temia muito pelo futuro de seu povo. Por isso, pedia por um neto homem para ajudar a enfrentar esse inimigo. “Meu pai não queria que eu viesse ao mundo”, lamenta.
Foi uma parteira quem garantiu que a bebê recém nascida tivesse um futuro. Esse porvir, no entanto, vinha com a promessa de um casamento com o neto mais novo dela, que ao final não se cumpriu. “Por isso que eu sempre falo que nasci casada”, brinca.
Yakuwipu diz que cresceu ouvindo essa história. Cada parte dela. Mas enfatiza que, ao fim, foi criada por seu pai, que se arrependeu de sua atitude inicial. “Todo dia de manhã eu acordava, ele já estava preparando tudo. Abóbora e batata assada, banana assada, me acordava, oferecia”, relembra. “Não me faltou nada, o amor, o carinho, eles deram”, completa.
Sua mãe vivia na aldeia grande, junto às suas irmãs, enquanto Yakuwipu ficou em uma aldeia menor, no Médio Xingu, com seu pai. Por isso, aprendeu um pouco do conhecimento dos homens também. Ela aprendeu a fazer a roça, a preparar a terra, a pescar. “Tudo que os homens faz, ou quase, eu faço”.
Assim como seu avô, a luta pela proteção territorial chegou cedo em sua vida, mas foi sua mãe, também uma mulher indígena em movimento, quem a chamou atenção para aprender o português e somar esforços na luta de seu povo.
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Ela conta que o território em que vive sofre com diversos tipos de invasão, madeireira, de pescadores e foi por esse motivo que ela se aproximou dos movimentos do Xingu, da Associação Terra Indígena Xingu (ATIX), e dos parceiros, para poder levar e denunciar o que está acontecendo.
“Minha mãe sempre nos lembra e fala a fala do nosso nosso avô, que é para a gente saber se defender do nosso inimigo, que a gente tem que saber falar na língua, aprender falar, aprender a estratégia, a técnica, o conhecimento do não indígena. Assim a gente sabe viver em dois mundos”.
Por essa razão Yakuwipu começou a estudar, mas apenas aos 18 anos, quando enfim uma escola foi construída em sua aldeia. Cursou até o 5º ano do Ensino Fundamental e terminou o Ensino Fundamental e Médio fora. Atualmente, ela é técnica de desenvolvimento infantil na escola de sua comunidade e está cursando Licenciatura Intercultural na Universidade Federal de Rondonópolis (UFR).
Ela conta que quando aprendeu o português, foi instruída a voltar para a aldeia e multiplicar o que aprendeu. De modo que ela se tornou técnica de desenvolvimento infantil, e para se aprimorar cada vez mais, decidiu cursar a universidade.
Foi com o conhecimento que buscou fora do território e com o incentivo de sua mãe que ela passou a atuar também no movimento de mulheres do Território Indígena do Xingu, o MMTIX, acompanhando as reuniões, ajudando a população xinguana e levando a voz das mulheres. Confira esse e outros movimentos de mulheres indígenas no Mapa Interativo das Organizações das Mulheres Indígenas no Brasil!
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“Elas me vêem como referência, porque eles não dão muita confiança nas mulheres”, lamenta. “Eu sabia que se eu conseguisse terminar meus estudos, eles iriam me ver como referência e deixar outras minhas sobrinhas e outras mulheres se inspirarem e verem que somos mulheres, somos capazes de aprender as coisas igual os homens”.
Todos esses movimentos em sua vida trouxeram a Yakuwipu a necessidade de se reconectar com uma parte importante de seu povo: as cerâmicas. Ela aprendeu com seu pai quando criança e ele havia aprendido com a tia dele, a parteira que a trouxe ao mundo.
A matéria-prima, no entanto, era pouca, por isso não era possível praticar tanto. Razão pela qual aos 27 anos ela tomou a decisão de dedicar sua vida a isso. Ela explica que não são apenas cerâmicas. A “panelinha”, como chama, “é uma entidade do Waujá. Porque no Xingu, você ser Waujá, você tem que saber fazer”, ela complementa. “É uma forma que a gente se conecta com o nosso passado e mantém presente no futuro”.
O reencontro e a história recontada
E foi por meio desta conexão que Yakuwipu viu sua história ganhar um novo sentido, a partir do reencontro com as cerâmicas dadas de presente ao indigenista Orlando Villas-Bôas. A sua história acompanhando a luta do seu povo nem sempre é fácil. “Como eu atuo na frente da proteção territorial do Xingu, eu vejo muito problema que tá acontecendo no Xingu. Eu fico muito triste e aí eu penso: por que que parteira me colocou nesse mundo?”.
Nesse reencontro, em evento promovido pelo Museu das Culturas Indígenas, em São Paulo, sua mãe, Pere Yalaki, reconheceu, através da peça, a ceramista. Ela descreveu então a parteira que trouxe Yakuwipu ao mundo: “Ela é ceramista, era uma mulher importante para o Waujá, era uma mulher que recebe e aconselha, e ela era uma mulher para a comunidade e a mulher que não dependia muito das coisas dos homens, ela sabia se virar e ela era uma mulher que é sábia”.
“Só de olhar aquela peça, a gente sente a presença de cada artista que fez aquele canal. É muito forte”, explicou. “De repente eu entendi porque ela me colocou no mundo”, falou emocionada. “Eu acho que é isso é minha missão. Ela salvou minha vida para eu poder contar a história e falar um pouco sobre ela, para ela ser conhecida”, concluiu.
Yakuwipu se descreve como uma mulher que luta pela autonomia das mulheres, que sonha em ver o Xingu daqui a 50 anos com rios limpos, fartos em peixes e alimentos tradicionais. Ela espera também ajudar as mulheres do seu povo que têm vontade de conhecer outros mundos, a atuarem na proteção territorial ou em qualquer cargo no Xingu, além de incentivar as pessoas do seu povo a entrarem na universidade e aprenderem as estratégias dos não indígenas.
“Eu acho que toda a história que meu pai falava para mim, me incentivou a ser essa mulher que eu sou. Pesadelo que eu não tenha enxergado essas coisas. Quando ele me deixou eu vi tudo que ele fez para tentar me preparar para esse mundo”, lamenta.
“Até agora não caiu a ficha sobre isso, mas quando eu vim aqui em São Paulo e eu vi panela, eu percebi que é isso. Tem uma forma que eles falam que você não pode ser que eu acho que é para incentivar a gente ser aquela pessoa e hoje eu sou”, afirma.
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Lideranças indígenas debateram impactos da contaminação por mercúrio na Amazônia e pressionaram por políticas de proteção ambiental e de saúde
Lideranças da Aliança pela defesa dos Territórios – formada por representantes dos povos Kayapó, Munduruku e Yanomami – participaram da Sexta Conferência das Partes da Convenção de Minamata sobre Mercúrio (COP-6), realizada em Genebra, na Suíça, entre os dias 2 e 7 de novembro de 2025.
A Convenção de Minamata sobre o Mercúrio é um tratado internacional, estabelecido sob a égide das Nações Unidas, que tem por objetivo proteger a saúde humana e o meio ambiente dos efeitos nocivos do mercúrio e seus compostos. Nomeada em memória à tragédia de contaminação ocorrida na cidade japonesa de Minamata, a Convenção exige que os países signatários controlem e, eventualmente, eliminem o mercúrio de diversas fontes.
Isso inclui a proibição da produção, importação e exportação de produtos que contenham mercúrio adicionado, o controle de emissões industriais e a adoção de planos de ação nacionais para reduzir e, sempre que possível, eliminar o uso do mercúrio na mineração artesanal e em pequena escala de ouro (MAAS).
No primeiro dia da conferência, os indígenas participaram do evento From Science to Action: Protecting the Amazon from Mercury Pollution (Da Ciência à Ação: Protegendo a Amazônia da Poluição de Mercúrio - do inglês para o português). O evento apresentou o documentário Amazon, the New Minamata? que debate os efeitos do mercúrio em indígenas no Rio Tapajós.
Antes da exibição do filme, a liderança munduruku, Jairo Saw Munduruku, e o diretor do documentário, Jorge Bodanski, conversaram com as pessoas presentes no evento.
Os representantes da Aliança também participaram de três Knowledge Labs (que pode ser traduzido como laboratórios de conhecimento e servem como eventos à parte dentro da COP). Eles defenderam o fim do uso de mercúrio explicando que assistem a contaminação de seus parentes, do solo, dos peixes e dos rios.
“O uso de mercúrio está trazendo uma doença silenciosa que não existe na sociedade brasileira e nem em países internacionais, que assim não veem que o nosso povo está doente pela contaminação de mercúrio. Quantas toneladas de mercúrio já não foram lançadas no solo para tentar pegar minério? E este metal não é prejudicial só a nós, mas também ao meio ambiente”, disse Jairo durante a discussão da mesa Health, Human Rights and Mercury Impacts (Saúde, Direitos Humanos e Impactos do Mercúrio) no dia 4 de novembro.
Além desta mesa, as lideranças estiveram presentes nos eventos: Technical Manual for the Care of Indigenous Peoples Exposed to Mercury (Manual Técnico de Cuidados com Indígenas Expostos ao Mercúrio) e Indigenous Peoples and Mercury Monitoring (Indígenas e o Monitoramento de Mercúrio), nos dias 5 e 6 de novembro, respectivamente.
Os membros da Aliança também tiveram reuniões com a delegação oficial brasileira, em especial com o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e com o Ministério de Minas e Energia (MME), para dialogar sobre o Plano de Ação Nacional, que ainda não foi apresentado pelo país.
Uma das demandas da Aliança é uma maior participação da sociedade civil na construção do documento.
Encaminhamentos-chave da COP 6
Entre os pontos de destaque da última conferência estão: a definição de uma data para a eliminação do uso do amálgama dentário (até 2034) e a criação do Fórum Internacional dos Povos Indígenas Sobre Mercúrio.
Um dos pontos baixos foi a falta de consenso sobre a data de eliminação do uso de mercúrio pela mineração, que é a principal fonte de contaminação na Amazônia.
Para o geógrafo Estêvão Senra, assessor do Instituto Socioambiental (ISA), os avanços logrados na COP-6 ainda são modestos, tendo em vista a magnitude e a gravidade do problema. A falta de financiamento estável e a ausência de compromisso político mais firme, são pontos elencados como entraves para enfrentar os custos e desafios da transição para um mundo livre de mercúrio.
“A convenção de Minamata foi feita pensando no fim do uso industrial do mercúrio, como lâmpadas fluorescentes que era algo que já está entrando em desuso. A ideia era ter uma convenção de químicos para terminar o uso de mercúrio. O uso de mercúrio no garimpo está crescendo, enquanto em outras áreas está caindo”, explica Décio Yokota, analista técnico do Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé), que acompanhou a delegação da Aliança.
O Brasil também encaminhou à plenária uma proposta que, entre outras coisas, tenta avançar na responsabilização dos compradores e intermediários da cadeia de ouro sobre o uso de mercúrio.
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Eventos promovidos junto com organizações parceiras apontam ações de adaptação e necessidade de ouvir quem mais sofre com as mudanças do clima
Durante a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), o Instituto Socioambiental (ISA), em parceria com organizações parceiras de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, promoveu uma série de debates abordando os impactos da crise climática nos territórios e estratégias de adaptação desenvolvidas por povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais.
O primeiro deles tratou do tema “Crise climática na Bacia do Xingu: fogo, água e segurança alimentar nos territórios indígenas e ribeirinhos” e apresentou os Mapas de Vulnerabilidade Climática do Xingu. Organizada em parceria com a Rede Xingu+, a mesa contou com a participação de Ewesh Yawalapiti Waura, Karin Yudjá e Kaiaia Suya, conselheiros da Rede Xingu+; e de Wint Suya, da Associação Indígena Khisetje (AIK) e um dos fundadores da Rede Xingu+.
Já o painel “Soluções territoriais para o clima” trouxe alternativas de adaptação baseadas na gestão territorial e ambiental de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais e teve a presença de Davi Kopenawa, presidente da Hutukara Associação Yanomami; Cleide Terena, liderança da Associação das Mulheres Indígenas da Terra Indígena Tirecatinga (Thutalinãnsu); Kátia Penha, coordenadonra da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq); Luene Karipuna, liderança da Associação Mulheres Indígenas em Mutirão (AMIM); e Ewesh Yawalapiti Waurá, representante da Rede Xingu+. O evento foi realizado em parceria com a Operação Amazônia Nativa (Opan) e a Rede de Cooperação Amazônica (RCA).
Vulnerabilidades no Xingu apontam urgência
O corredor da Bacia do Xingu, rico em biodiversidade e um importante escudo de proteção socioambiental no arco de desmatamento da Amazônia, abriga 24 Terras Indígenas, nove unidades de conservação, 26 povos indígenas e inúmeras comunidades beradeiras e extrativistas. Com uma população aproximada de 25 mil pessoas, o modo de vida garante proteção das florestas e rios, conservação dos serviços ecossistêmicos, mitigação e adaptação climática.
“A gente não consegue mais ter acesso ao que a gente tinha antigamente, de ter essa disponibilidade de água. E acaba tendo bastante seca que também prejudica o acesso à água de qualidade”, explicou Kaiaia Suya, conselheira da Rede Xingu+, ao apresentar os mapas de vulnerabilidade da Bacia do Xingu no debate realizado na Aldeia COP, na Universidade Federal do Pará (UFPA).
Elaborados com a participação de lideranças das comunidades do corredor do Xingu e com o apoio de entrevistas e dados espaciais do MapBiomas, os estudos analisam quatro categorias de vulnerabilidade climática: mobilidade fluvial, acesso à água de qualidade, grandes incêndios e soberania alimentar e de renda.
Os dados apontam o nível de esvaziamento dos rios, com 40 mil hectares de superfície hídrica perdidos em 40 anos; poços de água secando; rios e igarapés contaminados e falta de saneamento nas aldeias e comunidades. Em relação aos incêndios, foram mais de 4 milhões de hectares queimados em 2024, atingindo 40% do Corredor Xingu - 259% a mais em relação ao ano anterior.
Os mapas de vulnerabilidade apontam, ainda, as que secas prolongadas, queimadas e enchentes atípicas impactam as fontes de alimento, como instabilidade na produção da castanha e aumento da dependência por produtos industrializados; as mudanças no regime de chuvas interferem nos calendários agrícolas; e o aumento da temperatura da água causa a morte de peixes.
Para conter esse cenário, uma das iniciativas apresentadas por Ewesh Yawalapiti é a criação do Fundo Xingu+ como mecanismo de financiamento de ações de adaptação climática. Segundo ele, alguns dos objetivos do Fundo é “viabilizar programas e projetos com as organizações da Rede Xingu+ voltados à proteção territorial e adaptação e trabalhar de forma integrada com as organizações indígenas e ribeirinhas do corredor do Xingu”.
Winti Suya também reforçou que a ideia de criar o Fundo Xingu+ é desenvolver iniciativas que possam frear a destruição do corredor da bacia do Xingu. “Por isso também a ideia criar o fundo para captar recursos para defender essa bacia e quem mora dentro do território”, defendeu.
Soluções precisam vir dos territórios
Na Zona Azul da COP, no centro das negociações sobre a política climática, lideranças indígenas e quilombolas trouxeram a realidade enfrentada por suas comunidades durante painel organizado pelo ISA, Operação Amazônia Nativa (Opan) e a Rede de Cooperação Amazônica (RCA).
Ciro Brito, analista de políticas climáticas do ISA, destacou a importância de povos e comunidades tradicionais estarem no centro dos debates que irão pautar as decisões da Conferência do Clima de Belém. “Esse é um momento crucial, que nos convida conectar o conhecimento ancestral com a urgência de futuro. Estamos na Zona Azul, no coração das negociações, mas hoje o nosso olhar se volta para os territórios”, disse, ao abrir a discussão.
Para a liderança Yanomami e xamã, Davi Kopenawa, mudança climática significa pobreza, veneno, poluição e alteração no curso das águas. “A natureza não criou isso, mas criou a nossa terra mãe, que é muito bonita. Não tinha lixo, não tinham invasores, não tinha mineração, não tinha fazendeiro tirando a riqueza da floresta. Será que os americanos, que criaram as mudanças climáticas, estão aqui para explicar porque fizeram isso?”, questionou o xamã.
Liderança quilombola e coordenadora nacional da Conaq, Kátia Penha ressaltou que pensar em estratégias de enfrentamento à crise do clima passa por trazer as comunidades quilombolas para o centro das discussões e por garantir o direito aos seus territórios. “Não há solução climática sem pensar em território quilombola titulado no Brasil. Não há solução climática, sem haver adaptações viáveis e a gente falando como nós queremos construir essas soluções climáticas. As tragédias já estão nos nossos territórios, então quais soluções a UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas), o governo e a ONU querem ouvir de nós, enquanto comunidades quilombolas?”, disse Kátia Penha.
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Nova edição da revista também reafirma a importância do conhecimento indígena para compreender e enfrentar a crise climática
Há vinte anos, no Rio Tiquié, um grupo de pesquisadores indígenas deu início a um trabalho pioneiro de observação e registro do meio ambiente em seus ciclos a partir das narrativas dos conhecedores mais velhos sobre a origem e a ordem do mundo. Hoje, a rede de Agentes Indígenas de Manejo Ambiental (AIMAs) se estende também ao Rio Içana, ao Uaupés e ao Médio Rio Negro, ampliando o alcance de um trabalho que combina ciência, cultura e observação cotidiana.
Em celebração aos 20 anos dessa trajetória de pesquisa e resistência, a edição nº 6 da Aru – Revista de Pesquisa Intercultural da Bacia do Rio Negro, editada pelo Instituto Socioambiental (ISA) em parceria com a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), apresenta uma linha do tempo com os principais momentos dessa caminhada, desde a formação do primeiro grupo de AIMAs até hoje, destacando eventos climáticos marcantes e trechos de seus diários.
Uma série de eventos durante a COP 30 em Belém na próxima semana marca o lançamento da publicação.
(Veja a agenda de eventos abaixo)
A pesquisa dos ciclos anuais é o núcleo deste trabalho. Homens e mulheres, jovens e adultos, inspirados pelos conhecimentos dos mais velhos, observam diariamente os fenômenos ambientais e registram as transformações que percebem no ambiente: a intensidade das chuvas, a variação dos rios, a floração e frutificação das plantas, as migrações e períodos de reprodução dos animais – e como esses ritmos se alteram com o passar dos anos.
Escritos em português e em línguas indígenas como tukano, tuyuka e baniwa, esses cadernos formam um acervo de mais de 420 diários produzidos por 89 pesquisadores desde 2005. São registros que mostram, ao mesmo tempo, a força da vida comunitária e os sinais de um clima em desequilíbrio, sendo uma narrativa viva das mudanças climáticas na Amazônia.
Os relatos revelam como os ciclos naturais vêm se descompassando. Os peixes que sobem fora de época, árvores que florescem antes do tempo, pássaros que atrasam a migração. Como dizem os conhecedores do Rio Negro, “os animais conhecem melhor o tempo que o homem”, porque respondem integralmente às condições do ambiente.
Nos últimos dez anos, por exemplo, as anotações têm captado com clareza os efeitos das mudanças climáticas. Entre 2015 e 2024, a Amazônia enfrentou uma sucessão de extremos: grandes secas (2005, 2010, 2015-2016, 2018 e 2023-2024) e enchentes históricas (2021 e 2022) atingiram as bacias do Rio Negro e do Solimões, alterando profundamente a vida das comunidades. Rios secaram a ponto de isolar aldeias, peixes morreram por falta de oxigênio, plantações foram perdidas e o calor extremo se tornou cada vez mais presente.
Ao celebrar os 20 anos de atuação dos AIMAs, esta edição da Aru também reafirma a importância do conhecimento indígena para compreender e enfrentar a crise climática. São 14 textos, elaborados por pesquisadores indígenas e não indígenas, que abordam como os eventos extremos aparecem nas anotações dos agentes e afetam a vida das comunidades, além dos desafios de traduzir o conhecimento indígena em dados científicos sem perder o sentido cultural e o olhar próprio de quem vive na floresta.
Há também relatos detalhados dos ciclos anuais observados no Tiquié e no Içana, revelando a precisão com que os AIMAs registram os sinais da natureza e interpretam as alterações nos ritmos do tempo. Fotografias e desenhos feitos por eles complementam os calendários e mostram a beleza e o detalhamento dessas observações.
Outros textos abordam temas como os incêndios em Barcelos e a recuperação das paisagens destruídas, a seca severa em São Gabriel da Cachoeira e seus impactos sobre a vida nas cidades e comunidades, além de reflexões sobre soberania alimentar e mudanças climáticas na região transfronteiriça do Rio Vaupés.
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Juntas, essas narrativas traçam um panorama poderoso sobre o que significa viver e resistir em um território profundamente afetado pelas mudanças do clima. O que o mundo inteiro discute em conferências globais, os AIMAs sentem e registram no dia a dia: o atraso das chuvas, o desaparecimento dos peixes, o calor mais intenso, a transformação das paisagens e das relações com a floresta.
Exposição e lançamento na COP30
A exposição “O que sonham os invisíveis - cosmopercepções da floresta” apresenta uma produção coletiva de arte contemporânea criada nas residências do projeto Cosmopercepções da Floresta, iniciativa do Goethe-Institute, realizada ao longo de dois anos em cinco territórios: Amazônia colombiana, Ilha do Marajó, Mata Atlântica, Floresta Boreal (Finlândia) e o eixo Rio Negro–Munique.
A mostra, que inclui obras dos artistas indígenas rionegrinos Feliciano Lana, Ismael dos Santos e dos AIMAs, será inaugurada no dia 10 de novembro, às 19h, na Galeria Benedito Nunes (Fundação Cultural do Pará – Centur), onde permanece aberta ao público até 28 de novembro, com entrada gratuita.
O lançamento oficial da Aru 6 acontece no dia 13 de novembro, na Galeria Benedito Nunes, com uma roda de conversa sobre a relevância do trabalho dos AIMAs para a governança ambiental dos territórios indígenas e, consequentemente, para a agenda climática, dada a importância da conservação da Amazônia para o equilíbrio do clima e a mitigação do aquecimento global.
Participaram da conversa os pesquisadores indígenas Oscarina Caldas, Roberval Pedrosa e Genilton Apolinário, a coordenadora do Departamento de Patrimônio Cultural e Pesquisa Intercultural da Foirn, Hildete Marinho, e o pesquisador do ISA, Aloisio Cabalzar.
Também no dia 13 de novembro, das 16 às 17h30, os AIMAs participaram do evento temático “Pesquisa intercultural para o monitoramento das mudanças climáticas por povos indígenas”, realizado no Rainforest Pavillion, na Blue Zone da COP30.
Agenda de lançamento
13 de novembro | 10h
Galeria Benedito Nunes – Fundação Cultural do Pará (Centur), Belém (PA)
Roda de conversa “A importância dos AIMAs para a governança ambiental e a agenda climática”
Com: Oscarina Caldas, Roberval Pedrosa, Genilton Apolinário, Hildete Marinho (Foirn) e Aloisio Cabalzar (ISA)
13 de novembro | 16h
Rainforest Pavilion – Blue Zone
Roda de Conversa” Pesquisa intercultural para o monitoramento das mudanças climáticas por povos indígenas”
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Com o alvorecer de uma nova Conferência sobre Mudança do Clima, as pessoas voltam a se dividir entre a esperança de um acordo transformador e o ceticismo diante da inação crônica
*Artigo originalmente publicado no Le Monde Diplomatique Brasil
Com o alvorecer de uma nova Conferência das Partes (COP) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), as pessoas voltam a se dividir entre aquelas que têm a esperança de um acordo transformador e o ceticismo diante da inação crônica.
Em um ano em que o gás carbônico (CO2) na atmosfera teve o maior salto já medido na história, a urgência científica colide com o esfacelamento geopolítico. E esse talvez seja o elemento de maior dor de cabeça para o multilateralismo climático desde 1992. Com eventos climáticos extremos se acelerando e a cooperação internacional sob pressão de guerras, genocídios e autoritarismo, o maior desafio é a crise de confiança.
Na Pré-COP de Brasília, a China criticou duramente o unilateralismo e o protecionismo, deixando claro que a desconfiança é agravada pela retração de grandes emissores. A situação é de "dinheiro travado em países ricos", agravada na COP passada, no Azerbaijão, por conta do acordo final sobre a nova meta de financiamento climático ter ficado aquém em 1 trilhão de dólares, legando à COP 30, no Brasil, a missão de provar que o multilateralismo ainda é possível.
Além disso, o pleito pelo afastamento dos combustíveis fósseis é ladeado não apenas pelo desinteresse do Norte global em se responsabilizar, mas também pela ambiguidade do anfitrião. O Brasil, que deveria capitanear a agenda de transição justa no Sul Global, evidencia o mesmo dilema fóssil dos grandes emissores ao liberar a exploração de petróleo na Foz do Amazonas e ao não pautar o abandono dos fósseis como prioridade em sua agenda doméstica. A esse quadro, somam-se o crescimento dos gastos mundiais com guerras, que drenam recursos que deveriam ser aplicados na ação climática. O Roteiro de Baku a Belém é a chance de reverter essa tendência, devendo ser ambicioso e crível ao priorizar financiamento público, novo, adicional, altamente concessional e previsível para nações do Sul Global.
Adaptação: o pilar central e inadiável para a COP 30
Se a mitigação é o esforço para conter a crise, a adaptação é a ação para salvar vidas agora. A realidade da inação é catastrófica. Inundações, secas e insegurança alimentar afetam as populações mais vulnerabilizadas como povos indígenas, territórios negros e quilombolas, comunidades locais e periferias urbanas. A urgência da adaptação exige que a resiliência se torne um pilar mensurável, justo e financiado do Acordo de Paris, fortalecendo as capacidades locais de implementação para que a segurança coletiva se sobreponha à vulnerabilidade.
A Presidência Brasileira elegeu a Adaptação como o tema central da COP 30, conforme estabelecido em sua Oitava Carta à comunidade internacional. Essa é uma resposta direta à realidade do Sul Global, que mais sofre os impactos da crise. A urgência ganhou um forte "momentum" na Pré-COP de Brasília, a partir de várias manifestações das Partes presentes sobre o abismo de financiamento para adaptação a partir de 2026, quando grande parte dos compromissos de duplicação de Glasgow expira.
As necessidades anuais de adaptação nos países em desenvolvimento são estimadas em centenas de bilhões de dólares, enquanto os fluxos públicos internacionais são dramaticamente insuficientes. Financiar a adaptação salva vidas, reduz custos futuros e cria oportunidades para as comunidades e as economias, construindo um desenvolvimento resiliente. É por isso que organizações de todo o mundo, entre elas o Instituto Socioambiental (ISA), pedem que a COP 30 entregue o que é inadiável: a decisão de ao menos triplicar o financiamento para adaptação até 2030, com base nos níveis de 2022. Esta ação é inteligente, pois cada 1 dólar investido pode gerar até 10 dólares em múltiplos benefícios econômicos e sociais.
Nesse sentido, um passo crucial para a COP de Belém é a conclusão do Marco Emirados Árabes Unidos–Belém para Resiliência Climática Global e a aprovação do conjunto completo de indicadores do Objetivo Global de Adaptação (GGA). O sucesso neste pilar é fundamental para o legado da COP da Adaptação, evitando o abismo financeiro previsto a partir de 2026.
O dilema fóssil e o contrassenso do anfitrião amazônico
Com meses de presidência e após oito cartas à comunidade internacional, o Brasil buscou fortalecer o clima de confiança, mas sua liderança global foi perseguida pelo reflexo de suas contradições domésticas. Enquanto ativistas se manifestam pelo fim dos fósseis, a decisão do IBAMA de liberar a licença de pesquisa para a Petrobras na Foz do Amazonas projeta uma sombra de contrassenso sobre a presidência da COP.
O avanço na exploração de petróleo em uma região ecologicamente sensível e crucial para o clima global fragiliza o discurso climático do país e coloca em xeque sua credibilidade. Organizações da sociedade civil já se mobilizam na justiça para anular esse aval, demonstrando o custo político e ambiental dessa aposta fóssil. Belém precisa ir além da retórica, estabelecendo um processo detalhado e um calendário para a transição para longe dos combustíveis fósseis, com a eliminação de subsídios econômicos e a taxação de atividades poluidoras.
Enquanto o Brasil abre uma nova fronteira de exploração na Amazônia, a transição energética não pode ser apenas técnica, deve ser Justa. A transição para fontes de energia limpa não deve agravar a pobreza energética, a exposição a contaminações e toxicidades, ou impactar negativamente os territórios tradicionais. O modelo deve ser construído com a participação das comunidades, promovendo o acesso à energia e o desenvolvimento de soluções locais e descentralizadas.
A ambição e o protagonismo dos povos tradicionais
A relevância das COPs e a eficácia das soluções climáticas estão intimamente ligadas ao protagonismo da sociedade civil e à valorização dos saberes e práticas de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais (PCTs) nos processos de tomada de decisão. Os PCTs demonstram na prática que o enfrentamento às mudanças climáticas depende de seus modos de vida e da proteção de seus territórios. O fortalecimento de suas culturas e saberes tradicionais, como o uso de muvuca de sementes, demonstram soluções que são mais eficientes, resilientes e economicamente viáveis do que os modelos convencionais.
Em contraste gritante com a invisibilização do papel e contribuição dos povos indígenas e quilombolas da NDC oficial brasileira, as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) Indígena e Quilombola se apresentam como as verdadeiras propostas de revolução climática e lições éticas para o mundo.
O Brasil ignora as populações que são verdadeiras guardiãs da Amazônia e de outros biomas, cujos territórios titulados e protegidos são a política de mitigação mais eficaz e de baixo custo que o país pode oferecer. A ambição brasileira seria radicalmente alavancada com o compromisso de titulação plena e proteção de todos os territórios quilombolas e terras indígenas do país.
Para viabilizar essa revolução, essas populações exigem nas suas NDCs que a COP 30 trate o financiamento climático com justiça e autonomia e que haja a garantia do acesso direto, desburocratizado e não reembolsável a recursos nacionais e internacionais, respeitando suas estruturas de governança.
Ademais, reivindicam que o protagonismo dos PCTs nos processos de tomada de decisão deve ser o novo padrão para as COPs, reconhecendo que a proteção dos direitos territoriais é um esforço integral para uma solução global mais robusta, eficaz e duradoura para a crise climática.
Adaptação, fósseis e o teste de credibilidade na Amazônia
A urgência de Belém se resume a um imperativo ético e financeiro, salvar vidas agora, triplicando os recursos para Adaptação e garantindo a conclusão do Marco Emirados Árabes Unidos–Belém. O tema é o pilar que pode restaurar a relevância da COP, pois foca nos mais vulnerabilizados. Essa entrega tende a não ser apenas técnica, mas sim uma prova de vontade política global.
O legado da COP 30, no entanto, será inseparável da contradição do país anfitrião. Belém será o palco onde o Brasil, de um lado, promete ser um líder na floresta e na energia limpa, mas, de outro, sinaliza a abertura de uma nova e perigosa fronteira fóssil na Amazônia. A licença de pesquisa na Foz do Amazonas fragiliza a credibilidade brasileira no centro da crise global de confiança. Para provar que não está apenas replicando o modelo de inação do Norte Global, o Brasil precisa ir além da retórica. A ambição exige não apenas um "mapa do caminho" para a transição energética justa, mas um compromisso firme para superar o dilema fóssil doméstico e eliminar os subsídios que perpetuam a dependência de energias poluentes.
Em meio às crises de financiamento e credibilidade, os povos indígenas, quilombolas e povos e comunidades tradicionais oferecem uma ponte coerente entre mitigação e adaptação. Ao exigir acesso direto a recursos para proteger seus territórios, as NDCs Indígena e Quilombola injetam ambição ética que falta ao processo. Se Belém for lembrada como um ponto de virada, isso dependerá da capacidade dos negociadores de transcender a crise geopolítica e a hipocrisia fóssil, consolidando um pacote robusto de adaptação e elevando o protagonismo dos PCTs.
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Em terceiro episódio da série, Yakuwipu Waurá, liderança, professora e ceramista, debate com Karina Araujo, do ISA, temas como espiritualidade, cuidado e ancestralidade
O Instituto Socioambiental (ISA) lança o terceiro episódio do podcast “Floresta no Centro”. Desta vez, a liderança, ceramista e professora Yakuwipu Waurá, conversa com Karina Araujo, analista de desenvolvimento de pesquisa social do ISA, sobre a tradição do fazer peças em cerâmicas no Território Indígena no Xingu.
Com o tema “COP30: Mudanças climáticas e o impacto da identidade Xinguana”, elas abordam como as mudanças climáticas tornam indisponível uma matéria-prima central para a produção das peças, o cauxi, uma esponja retirada do fundo dos rios que é essencial para dar liga ao barro e evitar rachaduras nas peças.
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As secas prolongadas e as cheias cada vez mais curtas e irregulares reduziram drasticamente a presença do cauxi. O episódio atravessa também temas como espiritualidade, cuidado e ancestralidade.
Durante a passagem por São Paulo, as ceramistas xinguanas participaram de oficinas no Museu das Culturas Indígenas, no Museu A Casa do Objeto Brasileiro e no Sesc Consolação.
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Gravado durante os eventos realizados no Espaço Floresta do Centro (https://loja.socioambiental.org/), em São Paulo, o podcast é uma realização do ISA e faz parte de um esforço coletivo para amplificar vozes originárias e de povos e comunidades tradicionais.
O podcast Floresta no Centro tem apoio da Fundação Rainforest da Noruega.
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Créditos
Identidade visual: Cama Leão
Captação de áudio, identidade sonora e edição: Voz Ativa Produções
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