Manchetes Socioambientais
As notícias mais relevantes para você formar sua opinião sobre a pauta socioambiental
“O encontro entre índios e brancos só se pode fazer nos termos de uma necessária aliança entre parceiros igualmente diferentes, de modo a podermos, juntos, deslocar o desequilíbrio perpétuo do mundo um pouco mais para frente, adiando assim o seu fim.”
Eduardo Viveiros de Castro, antropólogo, um dos fundadores do ISA
O tema "Povos Indígenas" está na origem da existência do Instituto Socioambiental. Lá se vão pelo menos quatro décadas de comprometimento e trabalho com o tema, produzindo informações para a sociedade brasileira conhecer melhor seus povos originários. Desde sua fundação, em 1994, o ISA dá continuidade ao trabalho do Centro Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi), que havia sido iniciado em 1980 e que, por sua vez, remonta ao começo dos anos 1970, quando o então governo da ditadura militar lançava o Plano de Integração Nacional, com forte componente de obras de infraestrutura na Amazônia, região que era então descrita pelo discurso oficial como um "vazio demográfico".
Por meio dos relatos coletados, dados produzidos e pesquisas empreendidas por uma rede de colaboradores espalhada pelas diversas regiões do País, o Cedi ajudou a derrubar essa tese. Ao dar publicidade às informações levantadas por essa rede social do tempo do telex, o Cedi colocou, definitivamente, os povos indígenas e suas terras no mapa do Brasil. Seus integrantes ainda participaram ativamente no movimento de inclusão dos direitos indígenas na Constituição de 1988 e, juntamente com integrantes do Núcleo de Direitos Indígenas (NDI) e ativistas ambientais, fundaram o ISA em 1994.
De lá para cá, ampliando sua rede de colaboradores em todo o País, o ISA se consolidou como referência nacional e internacional na produção, análise e difusão de informações qualificadas sobre os povos indígenas no Brasil. O site "Povos Indígenas no Brasil", lançado em 1997, é a maior enciclopédia publicada sobre as etnias indígenas no Brasil, com suas línguas, modos de vida, expressões artísticas etc. O site é uma das principais referências sobre o tema para pesquisadores, jornalistas, estudantes e acadêmicos.
A atuação hoje é transversal aos territórios onde atuamos, especialmente na Bacia do Xingu, no Mato Grosso e Pará, e Bacia do Rio Negro, no Amazonas e Roraima, e também envolve povos indígenas de todo o Brasil, por meio da atualização permanente do site e de seus mais de 200 verbetes, inclusão de novos textos sobre etnias emergentes e indígenas recém-contatados, além do monitoramento e cobertura jornalística sobre situações de violência e perda de direitos contra estas populações. O tema "Povos Indígenas" ainda é tratado no site "PIB Mirim", voltado ao público infanto juvenil e de educadores.
O monitoramento de Terras Indígenas também é um eixo central do nosso trabalho com o tema, e remonta à sistematização de dados e divulgação de informações iniciada pelo Cedi em 1986, e se dá por meio da produção de livros impressos e mapas temáticos sobre pressões e ameaças, como desmatamento, mineração, garimpo, obras de infraestrutura, entre outras, além do site "Terras Indígenas no Brasil".
Confira os conteúdos produzidos sobre este tema:
|
Imagem
|
Em formato de enciclopédia, é considerado a principal referência sobre o tema no país e no mundo |
|
Imagem
|
A mais completa fonte de informações sobre o tema no país |
|
Imagem
|
Site especial voltado ao público infanto-juvenil e de educadores |
|
Imagem
|
Painel de indicadores de consolidação territorial para as Terras Indígenas |
O presidente e sócio-fundador do ISA, Márcio Santilli, conta mais uma história da Constituinte em uma crônica socioambiental inédita
Devemos, mesmo, celebrar o centenário do jurista José Afonso da Silva, comemorado em 30 de abril, pessoa que deu, e ainda dá, contribuições de valor inestimável à democracia e a muitas outras boas causas. Vai aqui um registro de uma das histórias sobre essas contribuições.
Durante a Constituinte (1986-1988), José Afonso assessorou diretamente o então líder do PMDB, o senador por São Paulo Mário Covas. O PMDB de então era uma frente heterodoxa, que dispunha de maioria absoluta na Constituinte. Apesar das suas divisões internas, com uma parte da bancada seguindo as orientações do “centrão” (sim, já existia), Mário Covas influiu de forma decisiva no processo, e José Afonso também.
Só que, por causa de uma desinformação generalizada, ele deu uma pisada na bola relativa à questão indígena (justo ele, que é um grande defensor dos direitos indígenas). Ele atuava, como advogado, num processo enroladésimo que tramitava na Justiça Federal e envolvia a situação fundiária da zona leste da cidade de São Paulo. Essa situação impedia a regularização de milhares de imóveis urbanos, porque a área pertencia à União por ter constituído um “aldeamento indígena extinto”. Mas o governo federal não tomava providências, enquanto o governo do estado e a prefeitura queriam resolver a questão e regularizar a situação de milhares de pessoas.
Para resolver, José Afonso sugeriu, e o Mário Covas acolheu e apresentou a proposta de inclusão de um inciso no Artigo 26, dizendo que se incluem entre os bens dos estados as áreas pertencentes aos aldeamentos indígenas extintos. E, de fato, esse inciso foi incluído nos vários projetos da Constituição.
A simples menção à extinção já causava arrepios no movimento indígena de então, liderado pela UNI, a União das Nações Indígenas, e entre os seus apoiadores. Um dispositivo similar constou da primeira Constituição republicana (1891-1934) e deu margem para que os povos indígenas fossem declarados extintos, mesmo estando vivos, dando espaço para os estados titularem as suas terras.
O caso de SP
Então, a UNI e os seus apoiadores pediram uma audiência com o Covas, da qual José Afonso também participou, para expressar essa preocupação e pedir que eles revissem a proposta e a retirassem do Projeto de Constituição. José Afonso explicou o motivo da inclusão daquele inciso e achou que a preocupação dos indígenas e indigenistas era um pouco exagerada. Afinal, eles acabaram decidindo apresentar uma emenda restringindo a aplicação do inciso ao Estado de São Paulo.
Naquela altura, o Projeto de Constituição já caminhava para o primeiro turno de votação em plenário. Mário Covas, como autor da emenda modificativa, foi para a tribuna encaminhar a votação. Todos esperavam que a emenda fosse aprovada, já que o próprio proponente do inciso reconhecia a necessidade de alterá-lo.
Só que não! Após a fala de Covas, um constituinte do nordeste foi à tribuna e fez um discurso de denúncia, alegando que aquela emenda visava resolver só o problema de São Paulo, deixando o resto do Brasil de fora. O tema dos aldeamentos extintos era surreal, ninguém sabia ao certo o seu alcance, a maioria comprou a tese de São Paulo versus Brasil e a emenda caiu.
Percebemos, então, que se o movimento indígena não fosse capaz de jogar luzes sobre o tema, o inciso ficaria no texto da Constituição. E o tempo era curto, pois a votação em segundo turno chegaria rapidamente ao artigo 26. E, na verdade, nenhuma das pessoas mais diretamente envolvidas sabia precisar a extensão do conceito e que outras áreas seriam afetadas.
Foi, então, que conhecemos a antropóloga Rita Heloísa de Almeida, formada pela Universidade de Brasília (UnB) e que havia feito uma tese sobre os tais aldeamentos extintos. Pedimos que ela fizesse uma lista das áreas de antigos aldeamentos, que revelou uma quantidade impressionante. Vários municípios, especialmente na Amazônia, mas não somente, se originaram de aldeamentos extintos. Heloisa faleceu em 2022, aos 67 anos.
Lista de aldeamentos
Com essa lista em mãos, mapeamos os Constituintes mais votados em cada uma dessas cidades e deduzimos que se conseguíssemos falar com todos eles, teríamos uma chance de reverter o resultado no segundo turno, em que apenas emendas supressivas poderiam ser votadas. Isso porque a inclusão de todas aquelas áreas entre os bens dos estados na Constituição promoveria uma desapropriação gigantesca. Os apoiadores dos direitos indígenas se dividiram em grupos de dois para percorrer os gabinetes e informar o maior número possível de constituintes.
Coube-me conversar com o senador Jarbas Passarinho, que era o líder do PDS, partido sucedâneo da Arena, que dava sustentação à ditadura e dispunha da segunda maior bancada na Constituinte. Passarinho era nativo do Acre e representava o Pará. Sua cidade natal estava na lista, além de vários municípios paraenses. Quando ele entendeu do que se tratava, e o tamanho da bronca, se dispôs a encaminhar a votação, em segundo turno, de uma emenda supressiva, que também havia sido apresentada por Covas. Passarinho leu a lista na tribuna, explicou, com calma, as implicações do inciso, que foi derrubado por ampla maioria.
José Afonso, quando tomou conhecimento da lista, exclamou, de forma incomum ao seu estilo: “puta merda!”. O episódio não afetou a admiração que sempre tivemos pelo jurista. Ao contrário, ele foi capaz de reconhecer o erro e ajudar na sua correção, o que é incomum entre celebridades. Nossa admiração por ele cresceu.
Estou escrevendo essa história, sobre algo que não entrou na Constituição, porque ela nos ensinou que não se deve incluir em leis, menos ainda na Constituição, disposições sobre o que não podemos avaliar o alcance. O caso é um bom exemplo de como o Congresso, independentemente de ideologia, pode rever uma posição e corrigir um erro, diferentemente do que acontece hoje, em que a irracionalidade predomina na lógica da radicalização política.
No seu centenário, José Afonso está recebendo muitas homenagens por tudo o que fez, inclusive o que está na Constituição. Dessa forma meio torta, me somo a essas homenagens, que são extensivas à Rita, que nos deixou em 2022.
Notícias e reportagens relacionadas
Cerimônia marcou acordo inédito entre governo estadual e indígenas para gestão de área sobreposta com parque
Erguida pela força do canto guarani, a placa “Terra Protegida” finalmente foi fincada em solo tradicional. Na tarde de quinta (08/05), o povo Guarani pôde enfim comemorar a delimitação física da Terra Indígena (TI) Jaraguá, na zona oeste da capital paulista.
“O povo Guarani existe e resiste neste lugar e hoje se concretiza ‘o Jaraguá é Guarani’”, declarou Karai Djekupe, uma das lideranças da TI Jaraguá. A cerimônia foi realizada no mesmo dia na aldeia Tekoa Pyau.
Agora, a área oficial da TI abrange oito aldeias em 532 hectares, ou 760 campos de futebol. Em 1987, a TI foi homologada com apenas 1,7 hectares, o que a qualificava como a menor TI do país. Para que o processo de demarcação chegue ao final, fica pendente apenas a homologação, a ser feita pela presidência da República, e o registro no cartório de imóveis e na Secretaria de Patrimônio da União (SPU).
“Hoje representa o último ato antes da homologação. É um ato realmente muito importante para gente acreditar que vai ser possível assinar, sim, a homologação deste território guarani ainda no nosso governo do presidente Lula”, afirmou a ministra dos Povos Indígenas Sonia Guajajara.
Acordo inédito
O ato celebrou não apenas a delimitação física da área, mas também o restabelecimento da sua declaração de posse de 2015 e a assinatura de um acordo inédito entre a comunidade, o governo do estado de São Paulo e a Fundação Florestal, órgão responsável pela gestão do Parque Estadual (PES) do Jaraguá, que possui cerca de 308 hectares sobrepostos à TI.
Sobreposição entre a Terra Indígena Jaraguá e o Parque Estadual do Jaraguá.
O acordo firmado definiu regras para a gestão compartilhada da área sobreposta entre as duas partes; a livre circulação de indígenas na área; o uso sustentável dos recursos naturais; a proibição da caça; autorização para captar água para abastecimento das aldeias; e a continuidade das capacitações para monitores e brigadistas florestais indígenas.
O pacto coloca fim ao impasse histórico que impediu a demarcação da TI, conforme determina a Constituição e reitera o entendimento de que “não há ninguém melhor do que os indígenas para preservar os territórios”, conforme afirmou Natália Resende, secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do estado de São Paulo.
Leia também: Povo Guarani denuncia ataques ao seu modo de vida em caso de sobreposição no litoral do Paraná
Em razão do impasse com o governo paulista, em 2017, o ministro da Justiça de Michel Temer, Torquato Jardim, publicou uma portaria anulando a declaração de posse permanente da TI Jaraguá. Na época, Karai Djekupe, Sonia Ara Mirim, Patricia Soares Pará Mirim, Natalício Karai e outras lideranças convocaram a população a se manifestar para pressionar pela revogação da portaria de “des-demarcação” de Torquatto.
Foi somente em 2024, sete anos depois, que tratativas garantiram que a portaria caísse, a declaração de posse fosse restaurada, e um novo acordo com o governo estadual fosse assinado, envolvendo diversas instituições, como Ministério Público Federal (MPF), a comunidade guarani TI Jaraguá, a Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), a Procuradoria Geral do Estado de São Paulo (PGE-SP), Ministério da Justiça (MJ), Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Advocacia-Geral da União (AGU), Procuradoria Regional da União na 3ª Região (PRU3) e a Fundação Florestal.
Relembre: Saiba quais são e onde ficam as sete Terras Indígenas declaradas ao povo Guarani em SP
Primeira delimitação da Terra Indígena Jaraguá e a atual
Evento
O evento reuniu lideranças indígenas tanto da TI Jaraguá quanto de outras terras do povo Guarani no litoral norte de São Paulo e no Paraná. Além da ministra Sonia Guajajara, estiveram presentes representantes de órgãos federativos e estaduais como Sheila de Carvalho, secretária de Acesso à Justiça no Ministério da Justiça; Natália Resende, secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de São Paulo; e integrantes da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai); do Ministério Público Federal (MPF); da Advocacia Geral da União (AGU); e do Tribunal Regional Federal (TRF).
Para a ministra Sonia Guajajara, estados e municípios precisam estar alinhados na sua corresponsabilidade de assegurar uma vida digna aos povos indígenas. Ela destacou ainda que a demarcação física da TI Jaraguá só foi possível porque existe a memória dos espaços percorridos pelo povo Guarani. “E não é o fato de estar em uma grande metrópole que apaga essa memória e também não tira esse direito. Os povos indígenas estão inseridos neste cenário que é a cidade de São Paulo e seu direito segue preservado nesse espaço”, concluiu.
Sheila de Carvalho falou sobre o desafio de fazer com que a sociedade entenda que o reconhecimento e a proteção de Terras Indígenas é um direito que deve ser reconhecido. “Se a gente não defende e não protege as Terras Indígenas, toda a humanidade está em risco”, alertou.
Ivanildes Kerexu, coordenadora da Comissão Guarani Yvyrupa (CGY) e liderança da TI Boa Vista do Promirim, celebrou junto aos seus parentes: “Hoje a gente está fazendo essa grande comemoração de uma conquista do movimento indígena e estamos aqui com essa grande vitória”. A TI Jaraguá foi considerada uma das prioritárias na campanha #DemarcaYvyrupa, promovida pela organização indígena desde o início do governo Lula.
Laura Kerexu relembrou as lideranças que vieram antes na luta pelo território como a dona Jandira, José Fernandes, seu pai, Alísio, e seu avô José Fernandes. “Com muito orgulho, eu levo a luta deles. Com muito orgulho, a gente vai seguir a luta deles e vamos caminhar todos juntos. Vamos pegar nas mãos, vamos olhar pelas crianças, porque essa terra aqui, do Jaraguá, não é só de uma pessoa, é de todos. A gente tá lutando por todos, para todos sobreviverem aqui na terra, porque a terra-mãe cuida de nós. Então, por isso que a gente tá aqui. E a nossa luta não acaba aqui”, finalizou.
Terra Indígena Jaraguá
A Terra Indígena Jaraguá, localizada nos municípios de São Paulo e Osasco, é habitada pelo povo Guarani Mbya. Com aproximadamente 532 hectares, a área foi inicialmente demarcada, sem estudos antropológicos, em 1987 pelo Decreto nº 94.221 com apenas 1,7 hectare. Somente em 2001, após anos de luta, a comunidade foi ouvida e foi instituído um grupo técnico para realizar o estudo que daria início ao processo de demarcação.
Posteriormente, em 2013, a Funai reconheceu e delimitou uma extensão maior, desta vez baseada na comprovação da ocupação tradicional e da importância da região para a manutenção do nhandereko, o modo de vida guarani.
A TI está inserida na Mata Atlântica, um dos mais diversos e o mais ameaçado do país. Segundo dados de relatório recente do Instituto Socioambiental (ISA), a TI juntamente com a TI Tenondé Porã, no extremo sul da cidade de São Paulo, soma-se a mais de 16 mil hectares, o equivalente a mais de 20 mil campos de futebol, de áreas essenciais para a manutenção da biodiversidade do bioma. O estudo aponta que desde o reconhecimento de seus limites, em 2015, não foi registrado nenhum desmatamento, destacando o importante papel do rito demarcatório na preservação e recuperação dos territórios (saiba mais).
A ocupação Guarani na região remonta ao século XVII, vinculada ao antigo aldeamento de Barueri, e foi marcada por resistências contra tentativas de remoção forçada. Atualmente, a população da TI Jaraguá é de aproximadamente 574 pessoas, segundo dados do Censo de 2022 do IBGE, que moram em aldeias como Tekoa Ytu e Tekoa Pyau.
Notícias e reportagens relacionadas
Relatório do ex-senador por Minas Gerais em Comissão Parlamentar de Inquérito impediu retrocessos em texto constitucional
Com informações da Agência Senado e O Estado de Minas
O Institutto Socioambiental (ISA) lamenta a morte do ex-senador por Minas Gerais Ronan Tito. Ele faleceu na quinta-feira passada (10/4), aos 93 anos. Filiado ao PMDB (atual MDB), teve uma atuação importante na defesa dos direitos indígenas na Assembleia Nacional Constituinte, momento histórico decisivo da redemocratização do país.
O ex-parlamentar tinha Alzheimer e estava internado depois de fraturar o fêmur em uma queda. Era natural de Pratinha (MG) e viúvo de Laís Sampaio de Almeida, com quem teve três filhos.
Tito foi relator da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) instaurada durante a Constituinte para apurar a denúncia, nunca comprovada, do jornal O Estado de São Paulo, que acusava o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) de conspirar contra a soberania nacional, usando os direitos indígenas com o suposto objetivo de comprometer a integridade territorial do país e criar nações indígenas independentes.
O então parlamentar foi responsável pela realização da perícia técnica que desqualificou os documentos publicados pelo Estadão com assinaturas falsificadas atribuídas a Antonio Brandt, então secretário-geral do Cimi. A comissão foi instrumentalizada para pressionar por retrocessos no capítulo dos direitos indígenas da Constituição e o relatório de Tito acabou esvaziando a monobra.
Tito também foi autor do projeto que deu origem ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e coautor do Código de Defesa do Consumidor.
Teve papel relevante na luta contra a ditadura militar. Ingressou na política pelo MDB em 1972. Foi eleito deputado federal em 1978 e reeleito em 1982. Foi eleito senador em 1986 com votação expressiva, exercendo o cargo até 1995. Também foi secretário estadual de Trabalho e Ação Social nos governos Tancredo Neves e Hélio Garcia. Em 1990, candidatou-se ao governo de Minas, mas foi derrotado pelo mesmo Garcia.
Além de político, foi empresário, presidiu a Associação Comercial e Industrial de Uberlândia (Aciub) e foi vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg). Integrou ainda o Conselho Curador da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
Notícias e reportagens relacionadas
O presidente do ISA, Márcio Santilli, avalia os capítulos mais recentes da novela envolvendo a conciliação sobre o marco temporal no STF
Artigo publicado originalmente no site da Mídia Ninja, em 6/4/2025
O ministro Gilmar Mendes tomou uma decisão prudente ao acolher a solicitação da AGU, Advocacia Geral da União, para suprimir o tema da mineração em Terras Indígenas da sugestão legislativa apresentada à comissão de conciliação criada no STF. O objetivo da sugestão ao Congresso é substituir a Lei 14.701/2023, eivada de inconstitucionalidades, como o “marco temporal” das demarcações, interpretação ruralista segundo a qual só teriam direito ao reconhecimento do seu território as comunidades que estivessem na sua posse em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.
A lei foi aprovada quando já havia uma decisão anterior do STF pela inconstitucionalidade desse marco temporal, como uma retaliação, sem que as suas disposições fossem efetivamente discutidas nas comissões técnicas da Câmara e do Senado e sem consulta prévia aos indígenas. Os pareceres dos relatores foram apresentados às vésperas das votações em plenário, por meio de um efeito manada entre as bancadas mais conservadoras. Algumas dessas disposições foram vetadas pelo presidente da República, mas os vetos foram derrubados e a lei foi promulgada pelo Congresso.
CONCILIAÇÃO DIFÍCIL
Após a promulgação, a Lei 14.701 foi objeto de uma ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Apib, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, no STF. Outras ações, no mesmo sentido e em contrário, foram propostas por partidos políticos e organizações ruralistas. Foram distribuídas para Gilmar Mendes, que, como relator, optou por tentar uma conciliação entre as partes, em vez de submetê-las à deliberação do plenário do STF. Após muitos meses de audiências públicas numa comissão de conciliação composta a seu juízo, aconteceu na última quarta (2) a última sessão prevista sem que se tenha chegado a algum consenso. Agora a expectativa é sobre o que Mendes fará em relação à proposta e ao colegiado, tendo a comissão chegado ao fim (previsto) sem concluir seu trabalho.
Enquanto isso, cerca de oito mil indígenas de todo o país são esperados para o que pode ser o maior Acampamento Terra Livre (ATL) da história, que acontece nesta semana, em Brasília.
Diante da informação de que questões de mérito não consensuais poderiam ser decididas por votação no colegiado, a Apib decidiu retirar-se, por entender que ele não poderia substituir o plenário do STF em decisões que envolvam direitos constitucionais. A representação indígena foi substituída de forma precária, por indicação do governo. Não há como caracterizar uma conciliação com decisões por votos (que não os dos próprios ministros), ainda menos na ausência dos indígenas, já que a Apib é autora de uma das ações.
A sugestão legislativa de Gilmar Mendes envolve assuntos polêmicos, como diretrizes para indenizar terras e para os processos demarcatórios, destinação de terras não tradicionais a grupos indígenas, direito de retenção dos proprietários de títulos incidentes em terras demarcadas, possíveis projetos econômicos de não indígenas nesses territórios, além de outras hipóteses de exceção ao direito de usufruto exclusivo dos povos originários sobre os recursos naturais dessas áreas.
MINERAÇÃO
A Constituição prevê a possibilidade da construção de hidrelétricas, da pesquisa e da lavra de minérios em Terras Indígenas, cujas condições específicas devem ser regulamentadas por lei, segundo o parágrafo 1º do artigo 176 e o parágrafo 3º do artigo 231. Mas, até agora, o Congresso não legislou a respeito e tampouco a Lei 14.701 trata disso. No entanto, Gilmar incluiu o tema na primeira versão da sua sugestão legislativa, o que gerou polêmicas adicionais.
Nesse sentido, a solicitação da AGU e a sua aceitação por Mendes tiram o bode da sala e permitem focar na substituição da Lei 14.701, em busca de algum consenso. Num segundo momento, abrem caminho para permitir uma discussão mais profunda e balizada sobre a regulamentação da pesquisa e lavra mineral em Terras Indígenas.
Isso porque o tema também está presente em outras ações que tramitam no STF. O ministro Flávio Dino decidiu, no início de março, dar um prazo de dois anos para o Congresso regulamentar a exploração mineral e hidrelétrica em Terras Indígenas por não indígenas. Essa decisão ocorreu no âmbito de uma ação que tem por objeto o pagamento de royalties como forma de compensação pelos impactos decorrentes da construção da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. Caso o Congresso não cumpra esse prazo, a sua omissão será suprida pelo STF. A decisão foi levada ao plenário virtual para apreciação dos demais ministros e encontra-se suspensa por um pedido do ministro Luís Roberto Barroso para que o caso seja apreciado no plenário físico.
Dino também é relator de outra ação, também em processo de conciliação, sobre a validade de requerimentos de pesquisa mineral e autorizações de lavra no entorno das Terras do povo indígena Cinta Larga, em Rondônia. Segundo investigações da Polícia Federal, esses títulos estariam sendo usados para lavar diamantes ilegalmente extraídos das Terras Indígenas. Associações indígenas locais reivindicam o direito de extrair e comercializar os diamantes, mas outras lideranças se opõem, por causa dos impactos negativos que o garimpo já causou aos Cinta Larga. É provável que Dino tome outras decisões nesse processo.
Notícias e reportagens relacionadas
Última audiência de comissão estava prevista para esta quarta (2). Futuro do colegiado e de proposta destinada ao Congresso agora está nas mãos de Gilmar Mendes
A última audiência prevista da comissão de conciliação sobre o marco temporal das demarcações no Supremo Tribunal Federal (STF) chegou ao fim sem que ruralistas, representantes de estados e municípios, de um lado, e governo, indígenas, partidos de esquerda e Ministério Público, de outro, tenham chegado praticamente a nenhum consenso.
Ao final da sessão encerrada na noite desta quarta (2), de um total de 31 artigos, havia concordância em trechos ou itens de apenas 2 dos analisados da minuta do projeto de lei com novas regras para o processo de reconhecimento das Terras Indígenas (TIs). Os demais estavam “destacados” ou “suspensos” por falta de acordo. Os integrantes do colegiado conseguiram apreciar só 17 artigos.
O anteprojeto de lei foi apresentado pelo ministro Gilmar Mendes, no dia 17/2, e discutido também em outra audiência na semana passada. A previsão inicial era que fosse votado nesta quarta. Depois, seria encaminhado ao plenário do Supremo e, se aprovado, enviado ao Congresso.
Agora está nas mãos de Mendes decidir o destino do texto e do colegiado. Não se sabe se o ministro vai insistir na votação de um documento, como planejou inicialmente, com esse grau de divergência. Uma alternativa seria encaminhar ao plenário apenas um relatório listando as propostas apresentadas desde agosto, quando a comissão foi instalada pelo ministro.
O representante da Advocacia-Geral da União (AGU) na comissão, Júnior Fidelis, informou que o governo não vai pedir a prorrogação dos trabalhos, como fez em fevereiro. Os juízes que coordenam o debate, Diego Viegas Veras e Lucas Faber de Almeida Rosa, repetiram que não sabem qual será a decisão do ministro.
Alterações drásticas
A proposta saída do gabinete de Mendes já trazia alterações drásticas no sentido de burocratizar os procedimentos demarcatórios, criando novas etapas e prazos, formalizando mais possibilidades de contestação e a participação de novos atores. Representantes de grandes proprietários de terra, de municípios e parlamentares ruralistas fizeram mais sugestões na mesma direção.
Algumas comunidades indígenas chegam a aguardar mais de 40 anos pela conclusão da demarcação de suas terras. Outras sequer viram ele ser iniciado. Se as mudanças forem aprovadas, o problema será agravado e tende a inviabilizar grande parte dos processos.
“O consenso é que não vai ter consenso”, disse Maria Janete Albuquerque de Carvalho, diretora de Proteção Territorial da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), em entrevista à reportagem após a sessão. Ela concorda que a maior parte das propostas em discussão pretendem de fato paralisar o reconhecimento dos territórios.
“Estamos aqui para defender o direito dos povos indígenas às suas terras tradicionalmente ocupadas e garantir o processo de demarcação. Aprimoramentos dos procedimentos a gente sempre esteve prontos para discutir, mas não vamos recuar em nenhum milímetro em relação aos direitos dos povos indígenas”, assegurou.
Medida atípica
A proposta de Mendes sistematiza os trabalhos da comissão de conciliação criada por ele no ano passado, de forma polêmica, no âmbito das ações sob sua relatoria que questionam a Lei 14.701. A norma prevê vários retrocessos aos direitos indígenas, como o marco temporal, e foi aprovada em reação à decisão do próprio STF que o considerou inconstitucional, num dos capítulos mais tensos do conflito entre o Congresso e a Corte em 2023. Ainda no ano passado, o ministro deixou claro que o STF não voltaria atrás nesse ponto específico, desagradando aos ruralistas.
O marco temporal é uma interpretação pela qual só teriam direito às suas terras os povos originários que estivessem em sua posse em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. A tese ignora as expulsões e violências cometidas contra essas populações. Na prática, pode inviabilizar as demarcações.
A apresentação de anteprojetos de lei pelo STF é atípica. A função do tribunal é, entre outras, interpretar a legislação para garantir o cumprimento da Constituição. Isso acontece de forma reativa, somente quando a Corte é provocada por meio de ações judiciais.
Em Itaituba (PA), mais de 150 indígenas Munduruku seguem interditando a rodovia Transamazônica (BR-230), em protesto contra a manutenção da lei e a conciliação. Eles pedem uma audiência com Mendes. Segundo a agência Pública, o ministro vai receber integrantes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), no dia 10, para tratar do assunto.
No ano passado, a entidade retirou-se da conciliação, também em protesto, entre outras razões por causa da negativa do magistrado em atender o pedido de suspender a norma, apesar do tribunal já ter derrubado a tese do marco temporal. A Apib é autora de uma das ações que contestam a lei.
“Uma conciliação forçada sobre direitos indígenas, sem a entidade representativa dos povos indígenas, não tinha como dar certo, ainda mais em se tratando de eventual proposta legislativa com retrocessos propostos pelo STF”, comenta Mauricio Guetta, coordenador adjunto de Política e Direito do ISA. “Tudo neste caso é heterodoxo e atípico, tanto do ponto de vista institucional do papel do STF como da proteção de direitos fundamentais de minorias vulneráveis, como são os povos indígenas”, salienta.
Propostas
Hoje, segundo o Decreto 1.775/1996, qualquer pessoa pode contestar uma demarcação, desde o seu início até 90 dias após a publicação do relatório de identificação da Funai. Com base na proposta de Mendes, estados, municípios e grandes proprietários rurais insistem em oficializar sua participação desde o início do processo, inclusive nas diligências e estudos iniciais, sob a alegação de dar mais transparência e possibilidades de contraditório a ele.
“Defendemos a participação dos Entes Federados desde o início do processo, pelos aspectos e os impactos sociais e econômicos, e inclusive os conflitos que a gente vê diariamente nos processos de demarcação. O município é o primeiro ente federado que justamente vai poder buscar soluções para esses processos”, afirmou Rudy Ferraz, representante do PL, PP e Republicanos, partidos autores das ações que originaram a conciliação.
Pesquisadores e lideranças indígenas contra-argumentam que a elaboração desses estudos é uma tarefa eminentemente técnica e ampliar as possibilidades de intervenção de terceiros vai abrir margem para contestações administrativas e judiciais em todas as fases do processo ao ponto de paralisar as demarcações. Também lembram que, sobretudo em áreas de conflito, representantes dos interesses locais podem constranger ou até colocar em risco a segurança de técnicos e indígenas.
“A preocupação da União é ter um procedimento seguro, que respeite o contraditório, a ampla defesa, seja um processo transparente, um processo técnico, mas que seja capaz de avançar, de caminhar. Não podemos ter tantas fases, tantos incidentes ou possibilidades de incidentes que inviabilizem o procedimento”, defendeu Fidelis.
Durante os debates, para tentar viabilizar suas propostas, os ruralistas defenderam um texto bem maior, detalhando os novos regramentos. Enquanto isso, o governo federal tentou emplacar sugestões mais enxutas e genéricas, remetendo a regulamentação dos dispositivos para a legislação infralegal (decretos, portarias etc).
Indenização
Também não houve consenso sobre as regras para indenizar pela terra os produtores rurais com títulos legítimos sobre territórios indígenas, novidade estabelecida pela decisão do STF que considerou o marco temporal inconstitucional, no final de 2023 (segundo a Constituição, apenas as benfeitorias feitas de boa-fé deveriam ser indenizadas).
Por exemplo, a proposta apresentada pela União é que ela indenize os agricultores pela terra, podendo ser ressarcida pelos estados quando os governos estaduais tiverem expedido os títulos sobre a TI – o chamado direito de regresso.
O governador do Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel (PSDB), no entanto, defendeu na sessão que muitos dos títulos foram expedidos há décadas, quando a legislação era outra, e que em muitos casos era impossível saber que a área seria reconhecida como TI. Ele defendeu que os estados arquem com os custos das indenizações pela terra somente quando for possível comprovar que tinham conhecimento da existência do território indígena.
“Há um continuísmo de tudo isso que aconteceu no passado e a gente está vendo isso aqui, de pessoas dizendo que não tem como reparar tudo que foi feito em relação aos povos indígenas. Mas há uma discussão de reparar as pessoas que estão destruindo territórios indígenas que são patrimônio da União”, afirma Douglas Krenak, indicado pelo Ministério dos Povos Indígenas (MPI) para representar os indígenas na comissão.
Mineração
Na semana passada, depois da pressão do movimento indígena e da imprensa, o ministro Gilmar Mendes decidiu retirar da discussão a sua proposta de regulamentar as normas para liberar a mineração dentro das TIs.
A Constituição prevê que a mineração nessas áreas por não indígenas pode ser regulamentada pelo Legislativo, mas isso não foi feito até hoje por falta de consenso. Daí a proibição a essa atividade ainda estar em vigor nesses territórios.
Notícias e reportagens relacionadas
O presidente e sócio fundador do ISA, Márcio Santilli, critica tentativa ruralista de restringir o direito de cidadania de indígenas que vivem nas fronteiras para travar as demarcações
O povo Guarani (Mbya, Ñandeva e Kaiowá) vive em mais de 1,4 mil comunidades e aldeias, no Brasil, Argentina, Paraguai, Bolívia e Uruguai. Segundo o Mapa Guarani Continental, elaborado a partir de informações de uma rede de colaboradores voluntários, em 2016 esses indígenas somavam mais de 280 mil pessoas. O Brasil tinha então a maior população (85 mil), distribuída nas regiões Sul e Sudeste e no Mato Grosso do Sul.
Embora dispersos nessas regiões densamente ocupadas por não indígenas, os Guarani mantêm uma língua e práticas culturais comuns, com grande poder de resiliência. Suas comunidades visitam-se, compartilham festas e outros eventos, estabelecem laços dinâmicos por meio de casamentos e de projetos comuns. Em regiões de fronteira, essas relações ocorrem entre comunidades que vivem em países diferentes. Nesse caso, as fronteiras só foram estabelecidas depois da Guerra do Paraguai (1864-1870). A presença dessas populações nessa parte da América do Sul é imemorial.
É o que também ocorre em outras regiões, como na Amazônia, em que há povos originários que vivem em dois ou mais países. Isso é o que também acontece com os não indígenas. Por exemplo, que vivem de um lado da fronteira, mas trabalham, ou estudam, no outro.
Estrangeiros?
A família Lupion, assim como a minha, é originária da Itália e só descobriu o Brasil depois de 1870. Mas o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado federal Pedro Lupion (PP-PR), apresentou um projeto de lei (PL 4.740/2024) para restringir o reconhecimento de cidadania brasileira a indígenas. Ele alega que os Guarani que reivindicam a demarcação de terras no oeste do Paraná e no Mato Grosso do Sul seriam “paraguaios”, e que o governo federal, com aval da Funai, teria lhes concedido a cidadania nacional indevidamente, supostamente para legitimar reivindicações de terras.
A acusação de que os Guarani seriam “falsos indígenas” ou “paraguaios” faz parte de uma estratégia de “deslegitimação de seus direitos territoriais por parte da sociedade não indígena”, como indica o relatório Guaíra & Terra Roxa: relatório sobre as violações de direitos humanos contra os Avá Guarani do Oeste do Paraná, da Comissão Guarani Yvyrupa (CGY). Segundo a organização indígena, trata-se de uma das “teses” promovidas pelos ruralistas contra a demarcação de Terras Indígenas – que desconsidera o histórico de violências e expulsões sofrido pelos povos originários.
O ministro do STF Gilmar Mendes conduz uma tentativa de conciliação entre as partes envolvidas em ações judiciais que questionam a constitucionalidade da Lei 14.701/24, que pretende instituir o marco temporal de 5/10/1988 para as demarcações. Essa interpretação igualmente ruralista exclui o direito à terra dos indígenas que não estivessem na sua posse efetiva nessa data. Mendes pretende convencer o Congresso a abrir mão do marco temporal em troca de outras restrições de direitos indígenas, aceitando uma sugestão legislativa do STF.
Porém, Lupion já avisou o ministro que a sua bancada só aceitará uma conciliação que mantenha o marco temporal, já declarado inconstitucional pelo STF. Os ruralistas querem excluir do direito à terra os povos que foram expulsos durante a ditadura militar, ou até antes. É o caso dos Guarani, que viram seus territórios serem alvo de projetos de colonização desde o início do século XX e que, nos anos 1970, foram diretamente impactados pela construção da hidrelétrica de Itaipu (PR). Os indígenas ainda aguardam reparação por esses danos.
Remoção
Talvez Lupion não tenha percebido o preceito introduzido na sugestão legislativa de Mendes, que permite a destinação de outras áreas aos povos indígenas cujas terras tradicionais estejam sob ocupação “consolidada” de terceiros. Por essa brecha, poderia até passar um elefante, desde que a definição de ocupação consolidada sirva aos amigos de Lupion, e não aos indígenas. Essa brecha vai no ponto que o ruralista deseja, que é excluir as áreas já ocupadas por não indígenas dos territórios indígenas a serem demarcados.
Ocorre que essa sugestão legislativa instituiria uma hipótese de remoção permanente de comunidades indígenas não prevista no parágrafo 5 do artigo 231 da Constituição: “É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ad referendum do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco”.
Supondo que a proposta seja oficializada pelo STF e acolhida pelo Congresso, estaríamos diante de uma situação inusitada: que isenção teria a Corte para julgar um eventual questionamento sobre a constitucionalidade da norma que ele próprio sugeriu? Seria uma consequência fatídica da opção do tribunal pela tentativa de conciliação por via de sugestão legislativa, em vez de se ater à análise da constitucionalidade, ou não, da Lei 14.701/24, objeto de várias ações.
Fato é que o baixo nível do debate nos altos escalões da República, focado em restringir os direitos territoriais indígenas, revela a própria incapacidade do Estado para concluir a demarcação das Terras Indígenas, conforme determina a Constituição. Esse vácuo no cumprimento da Carta Magna segue dando espaço para que os interesses contrários aos direitos indígenas se organizem e criem ainda mais impedimentos para que as demarcações sejam concluídas.
Notícias e reportagens relacionadas
Ministro do STF defende mudanças profundas na legislação baseado em “conciliação” sobre marco temporal. Apib diz que iniciativa é “nova Constituinte indígena”
Texto atualizado em 3/4/2025 às 17:28.
Erramos: informamos originalmente que proposta do ministro do STF Gilmar Mendes de que o proprietário com títulos legítmos sobre Terras Indígenas pudesse permanecer no imóvel até receber sua indenização contrariava decisão do tribunal. Diferentemente, ela está de acordo com essa decisão.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes apresentou, nesta segunda (17/02), uma minuta de projeto de lei que prevê alterações drásticas na legislação sobre os direitos indígenas. A ideia inicial é encaminhar a proposta ao Congresso.
O anteprojeto, isto é, o texto preliminar destinado a basear um projeto de lei abre as Terras Indígenas (TIs) à mineração e a outras atividades econômicas impactantes, como a construção de estradas e hidrelétricas. De acordo com a proposta, os povos originários seriam consultados, mas não teriam o direito de vetar os empreendimentos. Na prática, o Legislativo teria o poder de permiti-los ou não, mesmo sem o aval dessas populações.
A Constituição prevê que a exploração econômica dessas áreas por não indígenas pode ser regulamentada pelo Legislativo, mas isso não foi feito até hoje pela falta de consenso sobre o assunto. Daí a proibição a essas obras e atividades ainda em vigor nesses territórios.
A proposta também cria novos obstáculos às demarcações, com possibilidades adicionais de contestação e a formalização da participação de novos atores nos processos. Muitos desses procedimentos já levam décadas para ser concluídos. Se as mudanças forem aprovadas, o problema será agravado e tende a inviabilizar grande parte deles (saiba mais abaixo).
'Marco temporal'
O texto sistematiza os trabalhos da comissão de conciliação criada por Mendes no âmbito das ações sob sua relatoria que contestam a Lei 14.701. A norma prevê uma série de retrocessos aos direitos indígenas, como o chamado “marco temporal” das demarcações, e foi aprovada em reação à decisão do STF que o considerou inconstitucional, num dos capítulos mais tensos do conflito entre o Congresso e a Corte, em 2023.
O marco temporal é uma interpretação ruralista pela qual só teriam direito às suas terras os povos originários que estivessem em sua posse em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. A tese ignora as expulsões e violências cometidas contra essas populações. Na prática, também pode inviabilizar as demarcações.
O anteprojeto de Mendes foi discutido na audiência da comissão de conciliação realizada nesta segunda. A previsão inicial é que seja votado nas próximas duas semanas. Depois, será encaminhado ao plenário do Supremo e, se for aprovado, será enviado ao Congresso.
O futuro dos debates é incerto, no entanto. Ao final da audiência, a perspectiva de a comissão construir consensos era remota, com uma quantidade enorme de dispositivos do projeto destacados para votação em separado, por causa das divergências. O governo solicitou a Mendes a prorrogação dos debates.
Reservadamente, o representante de um dos partidos autores das ações disse à reportagem que, diante das dificuldades, pode ser que Mendes seja obrigado a cancelar o plano de votar um texto final consensual e só apresente aos demais ministros do STF um compilado de propostas e posicionamentos.
Ação atípica
A apresentação de anteprojetos de lei pelo STF é atípica. A função do tribunal é, entre outras, interpretar a legislação para garantir o cumprimento da Constituição. Essa atuação se dá de forma reativa, ou seja, somente quando a Corte é provocada por meio de ações judiciais.
“O STF está disposto a ser a casa iniciadora do que pode ser tornar a aprovação do maior retrocesso nos direitos dos povos indígenas desde a Constituição de 1988?", questiona o consultor jurídico do Instituto Socioambiental (ISA) Mauricio Guetta.
“Uma eventual proposta de autoria do STF comprometeria a sua principal função, a de analisar a constitucionalidade de leis e garantir a proteção de direitos fundamentais. Jamais poderia ser papel da Corte oferecer projeto de lei negociando direitos indígenas", avalia.
'Constituinte do STF'
“A câmara de conciliação (...) insiste em atender os interesses do agronegócio e violar os direitos indígenas e promover a destruição ambiental”, disse a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) em nota.
O coordenador jurídico da entidade, Maurício Terena, avalia que a proposta de Mendes é “muito perigosa para a proteção dos direitos territoriais indígenas e da política indigenista como um todo”. Ele diz que, em face da abrangência das mudanças previstas na legislação, o texto pode ser considerado uma “nova constituinte do capítulo dos índios, mas feita pela Suprema Corte”.
“[O anteprojeto] abre margem [nas demarcações] para vários questionamentos de terceiros, inclusive por entidades de classe do agronegócio. Então, basicamente, inviabiliza a competência de demarcar TI, que é um dever constitucional”, continua.
Terena acrescenta que é uma contradição discutir um projeto de lei que coloca em risco os territórios indígenas, responsáveis por proteger grandes extensões de floresta, quando a agenda das mudanças climáticas ganha mais importância e o país vai sediar a 30ª Conferência da ONU sobre o assunto, a COP 30, em novembro, em Belém (PA).
Pela manhã, na primeira parte da audiência da comissão de conciliação desta segunda, a deputada indígena Célia Xakriabá (PSOL-MG) retirou-se sob protesto, por ter sido impedida de se sentar à mesa. “Quero dizer que, para mim, é um desrespeito, inclusive da proposta que foi apresentada”, criticou. Como suplente dos representantes do Congresso, a parlamentar vinha participando ativamente dos trabalhos desde o seu início, com direito a voz.
Na semana passada, com a perspectiva do fim dos trabalhos na comissão e da votação de uma proposta final, a deputada bolsonarista Sílvia Nobre (PL-AP) foi indicada como representante titular do Congresso por decisão do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).
Em nota, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) reafirmou a posição contrária à mineração em TIs e destacou que a inserção do tema na minuta foi recebida com surpresa, uma vez que o assunto não foi debatido durante a mesa de conciliação. “O texto apresentado não expõe consensos em relação aos tópicos e traz preocupantes inserções, que distanciam ainda mais os indígenas de seus legítimos interesses”, diz a nota.
Entenda os principais pontos do anteprojeto de lei
1) Por que e como a proposta foi elaborada?
Em abril do ano passado, o ministro Gilmar Mendes suspendeu os processos em instâncias inferiores relacionados à Lei do marco temporal (14.701/2023). Na qualidade de relator de quatro ações contra a norma, também convocou uma “conciliação” sobre ela. Esse instrumento tem sido usado pelo Judiciário para se antecipar e evitar disputas judiciais longas.
Mendes convidou para participar do processo os autores das ações, entre eles a Apib e partidos, além de representantes do Congresso, do governo, Procuradoria-Geral da União, Estados, municípios e grandes produtores rurais.
Em agosto, logo na segunda audiência da comissão, a Apib retirou-se das discussões, justificando não ter sido informada previamente de que as decisões seriam tomadas por maioria, inclusive a votação de um documento final com o resultado do trabalho. Pela composição do colegiado, os indígenas ficaram em desvantagem numérica, com apenas seis representantes, num total de 24.
Mendes decidiu que os trabalhos continuariam e, contra a posição da Apib, determinou que o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) indicasse novos representantes dos povos originários.
O ministro deixou claro que o STF não voltaria atrás em sua decisão de considerar inconstitucional o marco temporal e que os debates deveriam focar no detalhamento das regras para a exploração econômica dos territórios indígenas e para indenização de proprietários rurais que tivessem títulos legítimos nessas áreas, outra inovação prevista nessa mesma decisão.
Em resumo, ao longo de seis meses, representantes de ruralistas, de estados e municípios apresentaram propostas para restringir os direitos indígenas, ao passo que governo federal e Ministério Público buscaram contrapô-las.
2) Em resumo, quais as principais mudanças nos direitos indígenas propostas no anteprojeto de lei?
A proposta prevê um conjunto de mudanças profundas da legislação sobre os direitos indígenas, envolvendo temas como demarcação, consulta, gestão territorial, proteção e exploração econômica das TIs. Uma das principais alterações diz respeito à regulamentação da mineração, da construção de hidrelétricas, estradas, redes de transmissão de energia e comunicação, entre outras obras de infraestrutura e empreendimentos econômicos nessas áreas. O anteprojeto também estabelece um novo procedimento administrativo de reconhecimento dos territórios, substituindo as regras do Decreto 1.775/1996. O anteprojeto trata ainda das indenizações a produtores rurais com títulos legítimos sobrepostos às TIs, uma inovação trazida na decisão do STF que considerou inconstitucional o marco temporal.
3) Por que a mineração em TI foi incluída na proposta, se ela não é alvo da lei do marco temporal?
A mineração nas TI não é regulada pela Lei 14.701 e não foi discutida na comissão de conciliação ao longo de mais de seis meses. O assunto foi incluído na proposta de Mendes, de última hora, porque uma outra ação sobre o tema foi reunida àquelas que contestam o marco temporal, sob a mesma relatoria do ministro.
Proposta pelo PP, a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) pede que o STF determine prazo ao Congresso para aprovar uma lei regulamentando a matéria.
O parágrafo 6º do Artigo 231 da Constituição, que trata dos direitos indígenas, diz que a exploração dos recursos naturais nas TI deve acontecer de acordo com o “relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar”. Foi essa a legislação que nunca foi aprovada pelo Congresso por falta de consenso. Dependendo de como for feita, a regulamentação vai facilitar e acelerar empreendimentos econômicos de grande impacto socioambiental nos territórios indígenas, reduzindo as restrições legais de hoje.
Juristas, representantes do movimento indígena, de organizações da sociedade civil, do governo e dos partidos autores das ações contra o marco temporal argumentam que Mendes deveria ter se limitado a tratar só desse tema, e que a competência para propor uma lei específica de regulamentação da mineração nas TIs é do Congresso.
“A ADO busca tratar única e exclusivamente de quais são os atos de ‘relevante interesse público da União’. Ponto”, argumenta Paulo Guimarães, advogado do PCdoB em uma das ações.
Guimarães acrescenta que o texto traz uma série de inovações controversas que precisariam ser discutidas com profundidade. Avalia ainda que ele é praticamente uma cópia do Projeto de Lei 191/2020, o mais radical que já tramitou no Congresso sobre o tema. A proposta foi apresentada pelo então presidente Bolsonaro e teve sua tramitação suspensa, em 2023, a pedido do presidente Lula.
4) O que diz o anteprojeto em relação à mineração em TI?
A minuta estabelece uma série de princípios e regras sobre a mineração em TIs. Atribui ao Poder Executivo a função de dar início ao processo formal de pesquisa e exploração e de indicar quais TIs "homologadas" (com processo de reconhecimento concluído) poderão ser exploradas.
Segundo a Constituição, após a regulamentação do tema por lei, a mineração em TIs deve se autorizada pelo Congresso, "ouvidas as comunidades afetadas". Apesar disso, o anteprojeto não garante a elas a possibilidade de veto aos empreendimentos. Na prática, portanto, o Legislativo teria o poder de liberá-los, mesmo sem o aval dessas populações. Manifestações contrárias dos indígenas apenas seriam anexadas aos processos.
A proposta também estabelece um prazo de cinco anos para exploração e a indenização aos indígenas, e apenas por meio da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM).
O texto lista atividades consideradas de “relevante interesse público da União”, como a exploração de "minerais estratégicos" e infraestrutura essencial de energia elétrica e transporte. Entram, ainda, na relação, situações de segurança nacional e proteção sanitária. A definição de "minerais estratégicos" é permeada mais por interesses de mercado do que o interesse público, como estabelecido no artigo 231 da Constituição.
Hoje, as definições do Comitê Interministerial de Análise de Projetos de Minerais Estratégicos, responsável por indicar quais são esses minérios, não levam em conta, por exemplo, a disponibilidade territorial das reservas minerais. Mesmo que um mineral tenha caráter estratégico ou relevante, é injustificável sua exploração em TI, se há outras áreas disponíveis para exploração.
5) Quais as mudanças previstas no processo de demarcação das TI?
O texto detalha novos prazos e etapas nos processos de demarcação, inclusive para contestação, e formaliza a participação específica de novos atores, como Estados e municípios. Cada um deles poderia indicar técnicos para acompanhar os estudos e seria informado previamente sobre reivindicações de TI. É previsto o prazo de 30 dias após a publicação da identificação da TI no Diário Oficial da União para contestações. Além disso, associações de produtores rurais poderiam ingressar no procedimento a qualquer momento. Se forem convertidas em lei, essas propostas tendem a inviabilizar demarcações que hoje já podem durar décadas.
6) Como será o encaminhamento do anteprojeto de lei agora?
A previsão inicial é que a proposta fosse votada no próximo dia 24, mas o juiz auxiliar que coordena os trabalhos de conciliação, Diego Viegas Veras, já avisou que eles podem se estender até o dia 27. Depois da sua aprovação, o texto será encaminhado ao plenário do Supremo e, se for aprovado, será enviado ao Congresso.
O futuro dos debates é incerto, no entanto. Ao final da audiência desta segunda, a perspectiva de a comissão construir consensos era remota, com uma quantidade enorme de dispositivos do anteprojeto destacados para votação em separado, por causa das divergências. O governo solicitou a Mendes a prorrogação dos debates.
Notícias e reportagens relacionadas
O sócio-fundador e presidente do ISA, Márcio Santilli, defende que é possível concluir as demarcações de Terras Indígenas pendentes ainda no atual mandato presidencial
No início do mês, o presidente Lula assinou os decretos que homologam as demarcações de três Terras Indígenas: Potiguara de Monte-Mor (PB), do povo Potiguara; Morro dos Cavalos (SC), dos Guarani Ñandeva e Mbya; e Toldo Imbu (SC), dos Kaingang. Essas áreas estavam fisicamente demarcadas há anos e, agora, os respectivos processos administrativos estão quase concluídos, restando o registro em cartório e na Secretaria do Patrimônio da União (SPU).
Os atos presidenciais têm importância vital para as comunidades desses territórios, que lutam há muitas décadas por seu reconhecimento. Agora, poderão organizar melhor a gestão das áreas e estabilizar a relação com seus vizinhos. As homologações contrariam interesses políticos locais, notadamente do governador de Santa Catarina, Jorginho Mello (PL), que atua, de forma agressiva, contra os povos originários.
Agora, 518 Terras Indígenas têm demarcações concluídas (445 homologadas, 15 demarcadas pelo antigo Serviço de Proteção ao Índio, 48 reservadas e 10 dominiais), o que representa mais de 64% das 800 existentes. Outras 282 terras estão em processo de reconhecimento. Contudo, ainda há demandas territoriais que sequer tiveram seus processos iniciados. Nos seus dois mandatos anteriores, Lula já havia homologado 86 terras. Com as 13 do atual mandato, são 99.
Com esses decretos, Lula chega a 13 homologações desde o início deste mandato. Para concluir os processos que já se encontravam prontos para homologar no início do seu mandato, ainda falta o decreto relativo à Terra Indígena Xukuru-Kariri (AL), que espera por ele há 36 anos, desde o início do processo de demarcação e que Lula disse que vai assinar proximamente.
DECLARAÇÃO DE LIMITES
A homologação, por decreto, é a última etapa do processo de demarcação. Ele se inicia com a criação, pela presidência da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), de um grupo de trabalho, coordenado por um antropólogo, encarregado dos estudos para a proposição dos limites a serem demarcados, do levantamento fundiário e demais condições da área. A proposta de delimitação feita pelo GT é analisada pelo órgão e, se aprovada, sua presidência edita uma portaria com as coordenadas geográficas do seu perímetro, que é publicada no Diário Oficial da União (DOU).
Abrem-se, então, prazos para eventuais contestações à proposta de demarcação, para a defesa dela pela Funai e para a avaliação do ministro da Justiça que, ao aprová-la, por meio de uma portaria ministerial também publicada no DOU, determina que a Funai promova a sua demarcação física e constitui a decisão política sobre os limites da Terra Indígena. Atualmente, existem 36 terras com limites propostos pela Funai e à espera de decisões ministeriais, e outras 68 com limites já definidos pelo Ministério da Justiça, que estão sendo demarcadas ou esperam homologação.
Porém, o maior desafio para efetivar a demarcação de todas as terras indígenas é promover, ou concluir, a identificação das 151 terras que ainda não têm limites definidos, além de outras sete, sujeitas a restrição de uso devido à presença de povos isolados.
No atual mandato, foram editadas dez portarias declaratórias de limites, todas assinadas pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski. O ex-ministro Flávio Dino não assinou nenhuma. Nos dois mandatos anteriores de Lula, foram editadas 79 portarias.
META HISTÓRICA
Na cerimônia de anúncio das três últimas homologações, Lula disse: “Temos mais dois anos de governo e vamos continuar trabalhando para que a gente possa legalizar e entregar todas as terras que estiverem na nossa possibilidade. Se um dia perguntarem para mim qual é o meu legado na Presidência, vou dizer: ‘o cara que mais autorizou Terras Indígenas nesse país. Foi no meu governo’”.
A Constituição diz que compete à União demarcar e proteger as Terras Indígenas. A disposição do presidente dá consequência à determinação constitucional. Além de reparar a dívida histórica com os povos originários, a conclusão do processo demarcatório ajudará a estabilizar a situação fundiária, pacificar conflitos e proteger o meio ambiente. Um estudo científico publicado recentemente mostra que as chuvas formadas pela evaporação ocorrida nas terras indígenas contribuem para irrigar 80% das áreas agrícolas do país.
A meta do presidente também é viável. Com 99 homologações, Lula está bem próximo das 110 efetivadas por Fernando Collor e pode alcançar as 143 de Fernando Henrique Cardoso. A agilização dos 68 processos, que dispõem de portarias ministeriais, já seria suficiente para isso. Para alcançar as 119 portarias declaratórias editadas nos governos FHC, o ministro da Justiça teria que editar mais 30 até o final do mandato.
É certo que, entre as pendências, existem casos complexos, de incidência de Terras Indígenas em áreas ocupadas por terceiros, em especial no centro-sul do país. E que a solução desses casos demanda novos instrumentos e recursos, como a indenização pela terra aos portadores de títulos legítimos, ou ocupantes de boa-fé. Essas soluções são urgentes pois, com o passar do tempo, os processos de ocupação irregular se adensam, agravando os custos sociais e financeiros das soluções.
Também é certo que a bancada ruralista e outros interesses contrariados vão continuar errando e, em vez de resolver, de uma vez por todas, essa pendência constitucional e histórica, devem insistir em leis e restrições às demarcações. A questão está em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) e há interesse crescente da opinião pública numa solução efetiva e definitiva. Havendo decisão política presidencial, nada disso impede o alcance da meta.
Notícias e reportagens relacionadas
Lideranças apresentaram carta com reivindicações e contra o “pacote da desconstitucionalização” dos direitos indígenas no Legislativo
A bancada ruralista segue pressionando pela aprovação no Congresso de propostas contra os direitos indígenas, em especial para inviabilizar as demarcações. Em reação, na semana passada, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) promoveu mobilizações, em Brasília e outras regiões do país, denunciou alguns desses projetos e listou reivindicações (veja no quadro ao final da reportagem).
Na quarta (30/10), cerca de 400 indígenas marcharam na Esplanada dos Ministérios, em protesto sobretudo contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 48, que busca inserir a tese do marco temporal na Carta Magna. O projeto integra o que a Apib chamou de “pacote da desconstitucionalização” dos direitos dos povos originários.
Indígenas também bloquearam rodovias em cinco estados — São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Maranhão e Roraima. As manifestações acontecem em um momento em que parlamentares da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado buscam incluir a PEC 48 na pauta de votação. Em julho, os senadores decidiram por um pedido coletivo de vista da proposta, com o compromisso de analisá-la a partir de 30 de outubro.
O adiamento da discussão foi sugerido pelo senador Jaques Wagner (PT-BA), líder do governo, e teve apoio unânime dos demais membros da comissão. Nas últimas semanas, o presidente do colegiado, senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), indicou que deve pautar a PEC 48 a qualquer momento.
Apelidada pelos povos indígenas como “PEC da Morte”, a proposta busca modificar o Artigo 231 da Constituição, estabelecendo um marco temporal para que os povos indígenas possam reivindicar a posse de terras, fixando-o em 5 de outubro de 1988. O projeto foi apresentado pelo senador Hiran Gonçalves (PP-RR) em 21 de setembro de 2023, data em que o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a mesma tese do marco temporal inconstitucional.
A tese ignora o histórico de remoções forçadas e a violência que essas comunidades sofreram, frequentemente resultando na expulsão das terras que ocupavam tradicionalmente.
Agendas em Brasília
Na mobilização em Brasília, os indígenas participaram de agendas no Congresso e no STF contra o “pacote da desconstitucionalização”. Uma carta de reivindicações foi entregue a representantes do Executivo, Legislativo e Judiciário, com 25 demandas. Entre elas, estão: a publicação de portaria declaratória de 12 Terras Indígenas (TIs); retirada de tramitação e arquivamento definitivo das PECs que atacam os direitos indígenas; a declaração imediata pelo STF da inconstitucionalidade da Lei nº 14.701/2023, que oficializa o marco temporal.
Alessandra Korap Munduruku, que participou dos encontros com representantes dos Três Poderes, destacou os impactos ambientais e climáticos que as comunidades indígenas já estão sofrendo, ressaltando a importância da proteção desses territórios. “O mundo todo está preocupado, mas no Senado ninguém está preocupado com a nossa terra. Estão preocupados em colocar a PEC 48 na Constituição para entrar nas nossas terras com as mineradoras e vender a nossa terra. Quem tem que sair são os invasores, os fazendeiros, sojeiros, as hidrelétricas e as ferrovias”.
Integrante da coordenação-executiva da Apib, Kretã Kaingang, criticou a câmara de conciliação’, que discute a Lei 14.701/2023 no STF sem representação da organização indígena. “As nossas organizações e nós, lideranças indígenas, temos o direito de nos representar e ser representados. O Estado não pode retroceder a constituinte e nos tutelar novamente”, afirmou.
"Pacote da Desconstitucionalização"
Senado
PEC 48/2023
Altera o art. 231 da Constituição para inserir o marco temporal.
PEC 36/2024
Altera o art. 231 da Constituição para permitir a exploração das TIs com qualquer atividade econômica, de forma direta e até por arrendamento.
PEC 59/2023
Altera o art. 231 da Constituição. Transfere a competência sobre demarcações da União para o Congresso.
PL 6050/2023 (originada na CPI das ONGs)
Libera exploração de atividades de mineração, garimpo, energia elétrica, entre outras, em TIs.
PL 6053/2023 (originada na CPI das ONGs)
Altera a lei nº 6001/73 (Estatuto do Índio). Prevê casos de impedimento e suspeição de peritos antropológicos em processos de demarcação. Dispõe que a comunidade só deverá ser reconhecida como indígena se forem identificados modos de vida distintos da comunidade não indígena envolvente, abrindo margem para aplicação de teorias integracionistas e assimilacionistas sobre identidades indígenas.
PEC 10/2024
Modifica o art. 231 da Constituição para permitir a prática de quaisquer
atividades florestais e agropecuárias (inclusive a monocultura), bem como celebrar contratos de arrendamento e parceria, para comercializar a produção.
PEC 132/2015
Altera o art. 231 da Constituição. Prevê a indenização de invasores de TIs demarcadas até 05 de outubro de 2013. Já foi aprovada no Senado e, em novembro de 2023, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), autorizou a criação de comissão especial para analisar o projeto.
Câmara dos Deputados
PL 4039/2024
Muda o processo de demarcações. Altera a lei 14.701/23 para indenizar, por danos materiais e imateriais, invasores de TIs em casos de retomadas em áreas onde o processo demarcatório ainda não foi finalizado. Prevê a suspensão do processo de demarcação enquanto houver "ocupação irregular" na área.
PL 709/2023 (“Pacote Anti-Invasão”)
Altera a lei 8629/1993. Criminaliza participantes de ocupações e de retomadas de terras.
Quem for acusado de "invasão de domicílio" ou "esbulho possessório" fica impedido de acessar benefícios e políticas sociais, como reforma agrária, “Minha Casa Minha Vida”, assistência social, inscrever-se em concursos públicos, entre outros. Já foi aprovado na Câmara e enviado ao Senado.
PL 8262/2017 (“Pacote Anti-Invasão”)
Autoriza o despejo imediato de ocupantes de terra pela Polícia Militar ou Polícia Federal, sem que haja necessidade de decisão judicial. Prevê o cumprimento de reintegrações de posse em até 48 horas. Cria o tipo penal "Esbulho Possessório Coletivo", com penalização mais severa que o esbulho possessório. Aguarda a apreciação na Câmara de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC).
PL 4183/2023 (“Pacote Anti-Invasão”)
Impõe a criação de CNPJ aos movimentos sociais e populares para fins de criminalização civil e penal. A obrigatoriedade de aquisição de personalidade jurídica se aplicará a movimentos sociais organizados em mais de três estados e com destaque na imprensa local e nacional. Aguarda a apreciação na CCJC.
Notícias e reportagens relacionadas
Nota técnica analisa queimadas dentro e fora de Terras Indígenas, além de destacar os riscos e pressões das mudanças climáticas sobre a floresta
Na Amazônia Legal, ao impulsionar o desmatamento e as queimadas, as rodovias vêm aumentando a vulnerabilidade das Terras Indígenas (TIs) e ameaçando diretamente o futuro do bioma. É o que aponta a nota técnica Queimadas em Terras Indígenas, lançada, nesta quinta (31/10), pelo Instituto Socioambiental (ISA).
De janeiro a setembro de 2024, foram identificados 8 milhões de hectares de áreas queimadas e 58,7 mil focos de calor no entorno das estradas na Amazônia Legal. Mais de 30% de todos os focos aconteceram ao redor das rodovias Cuiabá-Santarém (BR- 163), Transamazônica (BR-230) e Manaus-Porto Velho (BR- 319).
No documento, foram analisados o histórico de queimadas em TIs; o panorama geral de queimadas nessas áreas em 2024; o impacto das rodovias na incidência dos focos de queimadas; a atuação de brigadas em TIs; a interferência de fenômenos climáticos como El Niño e La Niña nas queimadas; e o impacto das mudanças climáticas nas queimadas. Além disso, a nota técnica traz respostas a perguntas sobre o tema e um compilado com as principais publicações no Diário Oficial da União (DOU) e na imprensa. A análise cruza dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e de diversas outras bases.
‘O dia que nunca acabou’
A BR-163 ficou marcada pelo “Dia do Fogo”, entre 10 e 11 de agosto de 2019, quando grupos orquestraram queimadas em diversas áreas em seu entorno no sudoeste do Pará.
Trata-se de “um dia que não acabou”, segundo análise da nota técnica. Desde aquele momento, são registrados cada vez mais focos de incêndio no entorno da BR-163. Até setembro de 2024, foram registrados mais de 8 mil focos, um aumento de 180% em relação a 2023. No total, já foram devastados 1 milhão de hectares no entorno da estrada.
Já a região no entorno da BR-319 respondeu por apenas 6% dos focos de calor em rodovias na Amazônia, no mesmo período. Esse cenário, entretanto, pode mudar com os planos do governo de concluir a pavimentação da rodovia. Segundo dados citados pelo estudo, 57% da extração ilegal de madeira no Amazonas, em 2022-2023, ocorreu em áreas de influência da estrada.
A presença de rodovias próximas a TIs também aumenta a vulnerabilidade desses territórios, mostra a análise. Por exemplo, a TI Utiariti (MT), está próxima à BR-364 e foi uma das mais impactadas, com 66% dos focos de calor localizados dentro da área de influência da estrada.
A pavimentação dessas vias cria novas ramificações e vicinais, que ampliam o desmatamento. TIs como Araguaia (TO), Pimentel Barbosa e Areões (MT), também próximas estradas, estão entre as dez mais afetadas, mostrando como essas áreas estão sob crescente pressão.
Todo ano mais 'Dia do Fogo'
Segundo a nota, 2024 caminha para ser um dos piores anos em queimadas na história. Até setembro, foram registrados 172,8 mil focos no Brasil. Isso significa que, em nove meses, o país registrou um valor equivalente a 90% do total de 2023, com um aumento médio mensal de 33% em relação aos últimos cinco anos.
A análise também destaca que a maior parte das queimadas ocorreu em propriedades rurais privadas: 56,6% dos focos de calor mapeados até setembro aconteceram em áreas com Cadastro Ambiental Rural (CAR).
A nota técnica reforça ainda a relação direta entre o desmatamento e as queimadas, com 10 municípios campeões na destruição da vegetação nativa liderando o ranking das queimadas, com São Félix do Xingu (PA), Altamira (PA) e Corumbá (MS) na dianteira.
Altamira, que encabeça o ranking de desmatamento da Amazônia Legal, registrou 31,7 mil hectares de floresta derrubada em 2023, representando 3,5% do total na região. Em 2024, foram registrados 4,6 mil focos no município.
Já São Félix do Xingu, o segundo município mais desmatado na mesma região, teve 31,4 mil hectares de floresta desmatada em 2023 e 5,6 mil focos de calor até setembro de 2024, o maior número registrado em qualquer município do Brasil.
Corumbá foi o município mais desmatado no Pantanal. O município concentrou mais da metade (52,8%) de todo desmatamento no bioma e acumulou 4,6 mil focos de calor até setembro de 2024.
Impactos nas Terras Indígenas
Até setembro deste ano, foram registrados 22,1 mil focos de calor em TIs em todo país, o que equivale a 12,8% do total de registros. A TI Kayapó (PA) aparece com o maior número de focos no período (2,4 mil), representando 11,1% do total de focos em TIs no Brasil. O Parque Indígena do Araguaia (TO) vem logo em seguida, com 1,7 mil focos e 7,8% do total. O terceiro lugar fica com a TI Kadiwéu (MS), com 1,4 mil focos, 6,5% do total.
De janeiro a fevereiro, foram registrados recordes de focos de calor em TIs. Em fevereiro, houve um aumento de 322% nos focos de calor nessas áreas, puxado pela TI Yanomami (RR-AM), em comparação com o mesmo período de 2023. Tanto nesse território quanto na TI Raposa Serra do Sol (RR) houve aumentos expressivos nos focos de calor devido à seca extrema associada ao El Niño.
No Território Indígena do Xingu (TIX), no Mato Grosso, o fogo muitas vezes se espalha tendo origem em propriedades privadas próximas,onde o uso de capins invasores, altamente inflamáveis, aumenta a vulnerabilidade da floresta e o risco de incêndios descontrolados. Esse capim chega à TI em tratores e maquinários usados para limpar rodovias.
A falta de controle sobre as fronteiras das TIs, especialmente em zonas de transição entre florestas e zonas agrícolas, cria um "efeito dominó", onde o fogo queima áreas desmatadas e se propaga para as preservadas. Isso é pior em territórios como o Xingu, onde a pressão de atividades ilegais é constante.
A nota técnica detalha preocupações acerca das queimadas em vegetação nativa. Até o período analisado, esse tipo de vegetação correspondia a 32,6% do que foi queimado em TIs, implicando na degradação de zonas de sub-bosque e em um risco à existência das próprias florestas.
Apesar das áreas queimadas associadas ao desmatamento em TIs representarem apenas 6% do total, em junho de 2024 o aumento das queimadas foi de 70%, se comparado à média histórica para este mesmo mês nas TIs. Isso é agravado pela combinação de fatores que, somados às mudanças climáticas, criam um ciclo destrutivo onde as áreas desmatadas e mais secas ficam mais propensas a incêndios, facilitando que o fogo se espalhe para áreas preservadas.
“Florestas do futuro” ameaçadas
A nota técnica afirma ainda que as transformações nos padrões de clima e temperatura estão aumentando os riscos de queimadas e intensificando os incêndios na floresta amazônica, que naturalmente seria mais resistente às queimadas em função do clima tropical. Além disso, segundo a análise, as queimadas mudam os ciclos das funções essenciais para a manutenção do ecossistema e para a mitigação dos impactos climáticos.
Com isso, estão aumentando incêndios no chamado sub-bosque, a vegetação abaixo do topo das grandes árvores. Formada por mudas e plantas ainda em crescimento, ela é muito importante para a manutenção da floresta ao longo do tempo.
"As queimadas no sub-bosque (vegetação abaixo do topo das árvores grandes) representam 26% da área queimada no bioma Amazônia em 2024: são as florestas do futuro queimando. Essas queimadas afetam a capacidade das florestas de reciclar água, renovar o solo, e armazenar carbono, funções essenciais para a saúde do ecossistema e para a mitigação dos impactos climáticos", diz o documento.
Outro ponto de destaque foi o impacto das mudanças climáticas no manejo tradicional do fogo pelas comunidades indígenas. O estudo mostra que mesmo as práticas sustentáveis de uso controlado do fogo para agricultura e caça estão em risco, uma vez que com o aumento da seca e do calor, o bom uso do elemento está dando lugar ao "fogo bravo", que traz consigo grande potencial de destruição.
Em áreas como o TIX, as comunidades relatam que os sinais da natureza, como o canto das cigarras e as estrelas, não são mais confiáveis para prever o clima, evidenciando a perda do equilíbrio ambiental.
Indígenas na linha de frente contra queimadas
Outro ponto trazido no estudo é a atuação de brigadistas indígenas. O governo federal tem apostado na contratação de brigadistas temporários, em sua maioria indígenas, por meio do Sistema Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo).
A estratégia visa o uso do conhecimento tradicional indígena no manejo do fogo. Segundo o presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Rodrigo Agostinho, a Funai conta atualmente com cerca de mil brigadistas indígenas atuando em TIs, a partir de um convênio firmado entre as duas autarquias e renovado neste ano.
Carregando