Kayapó, Munduruku e Yanomami marcharam juntos no Acampamento Terra Livre (ATL), em Brasília, fortalecendo união histórica entre povos que já foram inimigos no passado
Unidos pela proteção dos seus territórios contra o garimpo ilegal, lideranças dos povos Kayapó, Munduruku e Yanomami estiveram presentes durante a maior mobilização indígena do país, o 18º Acampamento Terra Livre (ATL), realizado em Brasília, de 4 a 14 de abril de 2022.
Com o objetivo de fortalecer a Aliança em Defesa dos Territórios, oficialmente criada em dezembro de 2021, representantes das três etnias vindos das Terras Indígenas mais afetadas pela atividade ilegal que têm destruído suas comunidades, ecoaram suas vozes pela capital federal nesse momento dramático e urgente vivido pelos povos indígenas da Amazônia.
Juntas e juntos, eles reforçaram a determinação na continuidade da luta pela garantia dos seus direitos e no esforço em traçar estratégias de maneira conjunta contra as invasões e projetos de lei que ameaçam as Terras Indígenas com garimpo, hidrelétricas e outros projetos de morte. Apesar de viverem situações semelhantes, esses povos nunca tinham atuado juntos, o que começou a mudar a partir da implantação da aliança.
Com o tema "Demarcar Territórios e Aldear a Política", o ATL reuniu oito mil indígenas, de diferentes regiões do país, com uma agenda de discussões políticas e de fortalecimento da resistência. Homens, mulheres e crianças também marcharam por três vezes até o Congresso Nacional e se manifestaram contra a política genocida do atual governo.
Foi durante os dias do ATL que o relatório Yanomami Sob Ataque, produzido pela Hutukara Associação Yanomami (HAY), foi lançado. O documento mostrou a disparada do garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami (TIY) e como a presença dos invasores no território tem trazido violações sistemáticas aos moradores das comunidades, com relatos trágicos de que os garimpeiros estão explorando mulheres e crianças indígenas.
Segundo dados extraídos do relatório, em 2021 o garimpo ilegal avançou 46% em comparação com 2020. No ano passado, já havia sido registrado um salto de 30% em relação ao período anterior. De 2016 a 2020, o garimpo na TIY (RR) cresceu nada menos que 3.350%, ressalta o estudo da Hutukara.
Como um todo, nas Terras Indígenas na Amazônia a área ocupada pelo garimpo cresceu 495% entre 2010 e 2020. Os territórios Kayapó (PA), Munduruku (PA) e Yanomami (RR) são os mais impactados pela exploração ilegal de ouro, respectivamente.
Maurício Ye'kwana, diretor da HAY, e um dos representantes da Aliança em Defesa dos Territórios, afirmou durante o ATL que divulgar o relatório e se reunir com os povos que sofrem as mesmas consequências foram os motivos pelo quais deixou sua casa, localizada no estado de Roraima, para ir até a capital federal. "O que os Kayapó e os Munduruku passam não é diferente do que os Yanomami estão passando. Nós não queremos garimpo, pois ele destrói a saúde, cria conflitos entre as comunidades e cria dependência com os garimpeiros", lembrou.
Doto Takak Ire, líder Kayapó e relações públicas do Instituto Kabu, da Terra Indígena Mekrangnoti, no Pará, lembrou de quando essas duas etnias um dia se enfrentaram entre si, mas isso quando o inimigo não era um só: o garimpo. "Ao invés de Kayapó e Munduruku lutarem entre si, agora estão com a aliança contra o inimigo comum", pontuou.
Arnaldo Kaba, cacique-geral do povo Munduruku, também relembrou quando um povo tinha raiva do outro, mas assim como Doto, afirmou que o momento agora é de união. Para eles, a Aliança em Defesa dos Territórios é estratégica para que os povos consigam proteger-se um ao outro.
Alessandra Korap Munduruku engrossa o coro da coalização entre as etnias. "Esse cenário que nós estamos vivendo é de união mesmo, pois todos os povos sentem o impacto que o garimpo traz. A gente fala, a gente grita, mas as pessoas estão mesmo assim querendo entrar no garimpo. Eles querem acabar com os territórios indígenas, como se dinheiro comprasse vida", afirmou a líder indígena, que sofre ameaças constantes contra a sua vida por defender seu território contra o garimpo.
A união entre os povos
A Aliança em Defesa dos Territórios foi oficialmente criada em dezembro de 2021, em um evento em Brasília (DF) que reuniu 25 lideranças dos três povos. A semente foi plantada em agosto de 2021, durante o acampamento Luta Pela Vida, realizado em Brasília. Lá foi firmado esse pacto histórico contra o avanço do garimpo ilegal, de projetos de lei que ameaçam as Terras Indígenas com mineração, hidrelétricas e diversos outros projetos de morte.
Uma carta-manifesto foi assinada em nome das organizações Hutukara Associação Yanomami, Instituto Raoni, Instituto Kabu, Associação Bebô Xikrin do Bacajá (ABEX), Associação Floresta Protegida (AFP), Associação das Mulheres Munduruku Wakoborũn, Associação Indígena Pariri do Médio Tapajós, Hwenama Associação dos Povos Yanomami de Roraima, (HAPYR) e Associação Wanasseduume Ye'kwana (Seduume). No documento, eles denunciam que o garimpo é uma doença levada pelos brancos para dentro dos territórios.
Mais informações sobre a Aliança em Defesa dos Territórios
Maria Fernanda Ribeiro: mfernandaribeiro@socioambiental.org