No âmbito da Cooperação e Aliança no Noroeste Amazônico (ANA), povos indígenas da Bacia do Rio Tiquié realizam oficinas de sítios sagrados e segundo encontro de mulheres
Dando continuidade aos encontros da Canoita, retomados no ano passado, a nova etapa aconteceu na comunidade no Médio Rio Tiquié de Boca da Estrada, com a canoa descendo o rio, que secava rápido e despontava cachoeiras. Ali, a recepção foi marcada por cantos de boas vindas da escola, quinhampiras, beijus, mingaus e pela organização com a comunidade vizinha, Nova Esperança, para que os dois centros comunitários fossem ocupados.
Conforme a Canoita de maio em São Pedro, o encontro seria pela primeira vez neste trecho do rio para fortalecer o manejo da bacia e chegar a outras comunidades, uma vez que os diálogos, intercâmbios e trocas realizadas até então foram à montante, em comunidades mais próximas da região de fronteira.
As organizações indígenas ATRIART (Associação das Tribos Indígenas do Alto Rio Tiquié) e COITERTI (Consejo Indígena Del Territorio Del Río Tiquié), com a participação de lideranças, conhecedores das comunidades do Médio Tiquié e do igarapé Castanha e parceiros do Instituto Socioambiental (ISA) e da Fundação Gaia Amazonas fizeram duas programações distintas para os dias de trabalho, com momentos coletivos para pactuar combinados, socializar temas e fazer refeições.
No centro comunitário de Boca da Estrada a oficina focou nos sítios sagrados, discutindo o que são, elaborando traduções nas diferentes línguas, debatendo categorias e pesquisas realizadas, mapeando a região e incluindo conhecimentos dos locais onde o manejo deve ser feito com cuidado. Entre os participantes, estavam os conhecedores Bará, Tukano, Tuyuka, Yeba Masã que, junto a lideranças, professores, Agentes Indígenas de Manejo Ambiental (AIMAs) compartilharam histórias, exemplos do que evitar e propuseram técnicas de manejo. Diferentes categorias de sítios sagrados foram apontadas e relacionadas a narrativas de ocupação da região, assim como foram apresentadas e debatidas as políticas indígenas e seus instrumentos para gestão e governança do território dentro dos Estados brasileiro e colombiano.
Em paralelo, as mulheres se reuniram no centro comunitário da comunidade Nova Esperança, na qual vive majoritariamente o povo de etnia Hupd’äh. Juntas, mulheres brasileiras Hupd’äh, Yuhupdëh, Tuyuka, Tukano, Desano e mulheres colombianas de etnias Bará e Tuyuka realizaram o II Encontro de Mulheres do Rio Tiquié.
Em maio de 2024, foi realizado o I Encontro de Mulheres do Tiquié em Bellavista, durante a Canoita. A partir deste primeiro encontro, compreendemos que a realização de atividades que tenham como foco discussões de interesse e conhecimentos das mulheres, com espaços seguros para elaborarem e compartilharem experiências, são fundamentais para a participação e permanência delas dentro das atividades, associações, coletivos e redes.
Nesse sentido, com o intuito de proporcionar intercâmbios de experiências e conhecimentos entre as mulheres da Bacia do Rio Tiquié, tivemos como objetivo principal do segundo encontro construir entendimentos a partir do reconhecimento da importância do trabalho das mulheres indígenas no manejo da bacia.
Para isso, as mulheres indígenas discutiram e refletiram sobre sua atuação na produção de cuidados e manejo com o território que habitam. Os trabalhos realizados na roça, o conhecimento referente ao preparo de alimentos através da recuperação de receitas tradicionais, bem como a coleta de matéria prima para a produção de artesanatos foram compreendidos como atividades importantes para a proteção territorial.
Em meio às partilhas de receitas e de técnicas de produção de cerâmica e carajuru, as participantes chamaram a atenção para as mudanças climáticas que têm alterado a dinâmica de produção de alimentos e de coleta de matérias primas. Algumas dessas mudanças afetam as épocas em que se encontram as árvores frutíferas, os espinhos da casca da árvore de avina como ralador (utensílios de cozinha), o trabalho na roça — como os períodos de roçar e queimar, e o crescimento das plantações.
Ainda, através das discussões, ficou nítido que a participação das mulheres vai além do manejo do território: elas estão atentas às relações sociais advindas da transmissão de conhecimentos intergeracionais, bem como das trocas de sementes e mudas na Bacia do Tiquié. Ressaltam a importância da produção dos alimentos que sustentam os filhos, o marido, a comunidade e chamam a atenção aos cuidados e respeito com resguardos que devem realizar ao produzir e consumir determinados alimentos e na produção de alguns artesanatos.
O manejo do território pelas mulheres indígenas da Bacia do Rio Tiquié é realizado de forma ampla, se atentando ao manejo ambiental, mas também às relações sociais, à saúde e à proteção das pessoas que o habitam. Tal manejo, aliado à mobilização política, troca de experiências sobre gestão territorial e aos conhecimentos sobre o território fortalecem mais uma vez a pequena canoa.
Este evento e reportagem foram produzidos com apoio da Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD).