Margem do rio em Eldorado e Iporanga sobe além do nível de extravasamento e deixa moradores desalojados, plantações alagadas, territórios ilhados e estradas intransitáveis. População lida com extremos climáticos cada vez mais constantes
Municípios da região paulista do Vale do Ribeira estão em estado de atenção em razão das intensas e contínuas chuvas que vêm ocorrendo desde o estado do Paraná e têm provocado o rápido aumento da vazão do Rio Ribeira de Iguape, que vem sofrendo extravasamentos.
Além de bairros e estradas, as comunidades quilombolas de Eldorado e Iporanga já sofrem com alagamentos. Em locais mais críticos, casas foram atingidas e a população precisou se retirar para abrigos em busca de proteção.
No município de Ribeira, a Prefeitura decretou estado de emergência no último domingo em razão de alagamentos e de vias interditadas por deslizamento de terra. Iporanga, Eldorado, Itaóca e Apiaí já apresentam trechos intransitáveis e preocupam a população.
Em Iporanga, comunidades quilombolas estão ilhadas, sem acesso a estradas ou a balsas, impedidas de circular em razão das fortes correntezas. No Quilombo Ivaporunduva, famílias retiraram às pressas seus pertences de casa para se alojarem no Centro Comunitário. “Precisamos levar essas pessoas para um lugar com segurança para que não tenham nenhum dano em suas vidas”, relata o chefe da Brigada Quilombola, Gilson de França Furquim, morador da comunidade.
Liderança do Quilombo Ivaporunduva, Benedito Alves da Silva, conhecido como Ditão, relata que quatro famílias do território tiveram que deixar suas casas durante a madrugada e foram socorridas de barco pelos vizinhos. Ele ainda ressalta que o acesso por terra à comunidade está inviabilizado, e que muitos perderam plantações, especialmente de feijão.
Em Eldorado, rio está três metros acima do nível normal
Situado no chamado Baixo Ribeira, o município de Eldorado redobra sua atenção. O curso do rio que banha a cidade soma as vazões das chuvas. Por isso, na manhã desta segunda-feira (30/10) a Prefeitura emitiu um comunicado em que informava que ainda era esperado um aumento do nível do Rio Ribeira de Iguape no município, e que ele poderia atingir até 10,3 metros.
A situação é preocupante porque o ponto de extravasamento - a medida a partir da qual o rio transborda - do Rio Ribeira de Iguape em Eldorado é a partir de seis metros. Até o início da tarde desta segunda-feira, o rio já registrava a marca de nove metros, de acordo com o monitoramento do Sistema de Alerta a Inundações de São Paulo (Saisp). Assim, a população que habita as regiões mais próximas das margens do rio ou outras localidades mais baixas estão atentas à possibilidade de enchentes.
O agricultor Cícero Honório dos Santos, liderança do Quilombo Sapatu, relata que passou a noite entre domingo e segunda em vigília, monitorando a velocidade da subida do rio próximo à sua casa. “Eu tenho um filho de dois anos e sete meses. Então a gente fica preocupado. Estou vigiando há mais de 24 horas. A água chegou até a área, mas não entrou em casa. Mais 30 centímetros ela entrava. De manhã ela abaixou cerca de uns 15 centímetros, mas como deve voltar a subir, desocupei parte da casa como prevenção.”
Cícero ainda conta que as plantações de toda a comunidade foram atingidas, em maioria plantações de mandioca, feijão, pupunha e banana. E que embora eles estejam se protegendo em razão da cheia, as perdas materiais estão ocorrendo. As bananas, por exemplo, podem ficar impróprias para o comércio ou, a depender do tempo que fiquem submersas, os bananais podem morrer, perdendo toda a plantação.
Cícero Honório dos Santos, liderança do Quilombo Sapatu, passou a madrugada monitorando a subida do rio, que ficou próximo de entrar em casa|Cícero dos Santos/Quilombo Sapatu
Lorrayne Silva é estagiária de advocacia no Instituto Socioambiental (ISA) no Vale do Ribeira. Ela relata que na sua comunidade, o Quilombo André Lopes, estão todos muito apreensivos, “considerando que a cheia tende a aumentar sempre pela noite e/ou madrugada”. Segundo ela, se o rio realmente superar os 10 metros, como consta no informe da Prefeitura de Eldorado, na sua comunidade todos serão atingidos. “No André Lopes, a partir de 9,5 metros já desabriga”, alerta.
Assessora técnica do Programa Vale do Ribeira, do ISA, Raquel Pasinato reforça o receio da população da região em relação às cheias do Rio Ribeira de Iguape. “As enchentes de grande proporção, em que o Ribeira sobe a ponto de inundar cidades e territórios margeados, são muito temidas pela população e acontecem de tempos em tempos, segundo contam os moradores locais. Tivemos em 1997 e 2011 as últimas maiores”, recorda.
Pasinato enfatiza como, nos últimos anos, os moradores do Vale do Ribeira têm enfrentado as consequências dos extremos climáticos e como eles impactam mais severamente aqueles em condições mais frágeis para enfrentá-los.
“A época de muita chuva, o risco de chover nas cabeceiras é maior no verão, mas a enchente de 2011, por exemplo, aconteceu em agosto. Então há a probabilidade de a desregulação climática estar mesmo mudando o volume de chuvas e suas épocas. E isso é um ponto de atenção para que os municípios que estão na Bacia do Ribeira de Iguape, e já têm um histórico destas enchentes maiores, comecem a se preparar para acolher a população, mas, principalmente, para melhorar as condições de matas ciliares do Ribeira que têm boa parte de suas margens ocupadas por plantios de monoculturas de banana em grande escala, por exemplo.”
Embora o tempo tenha estiado na manhã desta segunda-feira (30), o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) emitiu alerta amarelo para a região até terça-feira (31) em razão da previsão de tempestades. De acordo com o monitoramento do órgão, o volume total de chuvas pode chegar aos 50 milímetros (mm) em 24 horas, com ventos de até 60 km/h e queda de granizo.