Comunicadores indígenas do Rio Negro estiveram em atividades na USP, Unicamp e em intercâmbio de 3 dias com professores e alunos Guarani
Integrantes da Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas do Rio Negro viajaram de São Gabriel da Cachoeira (AM), uma das cidades mais indígenas do Brasil, para uma das maiores aglomerações urbanas do mundo, São Paulo. Com uma intensa agenda em outubro, eles viveram experiências marcantes e puderam trocar conhecimentos e estreitar laços com parentes de longe.
A Rede Wayuri é um coletivo de mídia popular formado por mais de 40 comunicadores de, pelo menos, 15 povos diferentes. Vinculada à Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e com a parceria do Instituto Socioambiental (ISA), a Rede tem como um dos principais objetivos levar informações para as 750 comunidades indígenas e, assim, defender os direitos territoriais e culturais dos 23 povos da região.
Com articulação do ISA e a convite do Laboratório de Inovação, Desenvolvimento e Pesquisa em Educomunicação da ECA-USP (LABIDECOM), a Rede Wayuri participou do encontro Educação e (R)existência: Vozes das Amazônias e das Periferias que aconteceu no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc/SP, dia 20 de outubro.
De acordo com Thaís Brianezi, organizadora do evento e professora da Escola de Comunicações e Artes (ECA/USP), “Educomunicação é o direito à comunicação", “a educomunicação traz a perspectiva que a liberdade de expressão é para todo cidadão e cidadã, todos os povos, todas as comunidades que têm voz e tem que ter escuta, tem que ter meio de produção.”
Durante a tarde deste primeiro dia de atividades, a Rede colaborou com a oficina de troca de experiências sobre produção de podcasts e boletins sonoros, na qual participaram também os coletivos e organizações: Viração, ÉNóis, Imprensa Kunumingue, Vozes das Juventudes na Amazônia (Universidade Estadual do Amapá – UEAP), Escola Família Agroextrativista do Carvão, Metareciclagem e A.R.E.I.A (Ação Replicadora Educomunicativa Insurgente de Articulação).
À noite, aconteceu o lançamento oficial em São Paulo do documentário Wayuri, dirigido por Diana Gandra, seguido de uma roda de conversa com a participação das comunicadoras Cláudia Ferraz, do povo Wanano, e Elizângela da Silva, do povo Baré.
O documentário, que foi produzido com apoio do Instituto de Democracia e Mídia da Alemanha (IDEM), conta a história dos 5 anos de existência da Rede e já foi exibido em mais de 15 festivais pelo mundo.
Também foram exibidos outros trabalhos audiovisuais dos coletivos de comunicação presentes, de forma a ampliar a reflexão e a troca de conhecimentos. Além da programação ser aberta ao público, ela foi exibida ao vivo através dos canais do LABIDECOM.
“E é isso que as experiências que estavam aqui reunidas hoje fazem. Fazem as suas vozes ecoarem, conversarem, fortalecendo movimentos e furando bolhas, ecoando as suas falas. É isso que ensina a Rede Wayuri”, acrescenta a professora Thaís Brianezi.
“Então, com todas essas experiências, a academia só tem a aprender. Aprender como fazer comunicação de uma maneira que não seja mecânica, que não seja mera transmissão, que não seja linear. E assim, nesse desconstruir de uma visão linear da comunicação, também estamos ajudando a desconstruir essa visão progressista de desenvolvimento”, conclui.
Intercâmbio interaldeias
Entre os dias 21 e 23 de outubro, em parceria com o Comitê Interaldeias e o Intervozes (Projetos Amazônia Livre de Fake e LabTaco), a Rede Wayuri realizou um intercâmbio na TI Tenondé Porã com professores e alunos Guarani.
O primeiro momento foi marcado pela exibição do filme Wayuri e alguns registros do “I Encontro de Comunicadores Guarani no Tekoha Oco´y (PR)”, promovido pela Comissão Guarani Yvyrupa (CGY) em 2021.
O momento foi seguido de uma roda de conversa, na casa de reza. Ao longo dos dois dias subsequentes, a comunicadora Cláudia Ferraz, do povo Wanano, mediou uma oficina de podcast com cerca de 15 participantes, que resultou na produção de dois episódios em língua Guarani.
Paulo Sérgio, professor e uma das lideranças da Terra Indígena Tenondé Porã, refletiu sobre a importância das oficinas. “ “É muito importante a gente fazer essas trocas de conhecimentos. Na escola, estamos trabalhando bastante com as oficinas. E o que seriam essas oficinas? Não só da cultura, mas também com esse material não indígena que a gente pode usar para contribuir com a nossa comunidade. Nosso território tem 15 mil hectares, são 14 aldeias. Então, seria importante que os nossos jovens, que sabem manusear a tecnologia, usem para que a gente possa passar informações para outros parentes de outras aldeias”.
“Eu agradeço aos povos indígenas do Rio Negro, lá do Amazonas, pela importância do trabalho de vocês e que vai espelhar bastante o nosso trabalho. Para que a gente possa iniciar, também com os povos Guarani, o que já está sendo realizado pela Rede Wayuri. A mesma luta que vocês têm na Amazônia nós temos aqui em São Paulo, na região Sudeste do Brasil. Aguyjevete, obrigado!”
A comunicadora Cláudia Wanano acrescentou: “Eu fiquei muito alegre com a acolhida de vocês e de ver que vocês mantêm suas tradições e falam sua própria língua. Eu vou voltar lá para o meu território muito feliz e vou compartilhar essa experiência incrível que eu tive aqui.”
Assista ao vídeo realizado em colaboração com o Intervozes:
De parente para parente
Após três dias intensos de atividades na TI Tenondé Porã, a Rede Wayuri seguiu para Campinas, no evento “Encontro de Parente com Parente” promovido em articulação com o Coletivo Acadêmicos Indígenas da Unicamp e Comissão Assessora para a Inclusão Acadêmica e Participação dos Povos Indígenas (CAIAPI).
A atividade aconteceu durante a disciplina de “Encontros interculturais: povos indígenas e a Universidade II”, ministrada pelas professoras Malu Arruda, Alik Wunder e Chantal Medaets e que está inserida em um Curso Básico – política adotada pela universidade para a permanência dos estudantes indígenas.
Os comunicadores se sentaram em uma sala de aula lotada de estudantes indígenas de todo o Brasil, sendo cerca de 70% da região do Rio Negro. O número expressivo de estudantes do Amazonas fez das exibições do filme Wayuri e do documentário Entre Utopias e Realidades, dirigido por Jeovane Tariano, também de São Gabriel da Cachoeira e recém-formado do curso de Midialogia, um momento muito especial e emocionante.
Verinha Tukano, estudante de História, comentou o quanto foi importante ver na tela as vivências, as memórias, seus costumes, ouvir a sua língua, rever as lideranças e, assim, fortalecer a sua identidade em um contexto tão distante da sua realidade.
A professora Alik Wunder complementou: "Precisamos de mais momentos como esse, e precisamos incluir mais Institutos, professores e alunos nas rodas de conversa. A Universidade ainda está muito distante da realidade. É preciso que eles ouçam, vejam e conheçam. Só assim vamos trabalhar por uma universidade verdadeiramente antirracista, livre de preconceitos, discriminações e estereótipos.”
Finalizando a agenda em São Paulo, o filme Wayuri fez parte da programação do Cineclube TAVA, no Museu das Culturas Indígenas, no dia 26 de outubro. Também foi exibido o documentário As Bicicletas de Nhanderú, que mostra uma jornada espiritual na vida dos Mbya Guarani da aldeia Koenju, no Rio Grande do Sul. Após a exibição do filme, foi realizada uma roda de conversa com Cláudia e grande presença do público indígena.
"Essa agenda da Rede Wayuri em São Paulo, nas principais universidades do Brasil, demonstra a força do jornalismo local indígena na Amazônia e a importância deste trabalho para o mundo, que enfrenta o maior desafio que temos como espécie: lutar contra a emergência climática. Dar voz aos povos indígenas que moram na floresta amazônica integra essa luta para mudar os padrões de consumo, descarbonizar a economia e fortalecer valores coletivos, menos individualistas e narcisistas. Somente um pensamento coletivo e intercultural pode nos salvar como espécie", conclui Juliana Radler, articuladora de políticas socioambientais do ISA e uma das co-fundadoras da Rede Wayuri.
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