No Dia Internacional dos Povos Indígenas, análise do ISA demonstra que nos últimos 35 anos essas populações protegeram mais de 20% da vegetação nativa no Brasil
“As florestas precisam das pessoas, assim como as pessoas precisam das florestas”. Essa é a síntese de novo estudo do Instituto Socioambiental (ISA), que comprova com dados o papel fundamental de Povos Indígenas e Tradicionais como guardiões das florestas do Brasil.
Segundo a análise, além da alta tecnologia social no manejo tradicional da florestas, a presença de Povos Indígenas amplia a governança sobre os territórios e promove contribuições socioambientais importantes para recuperar áreas degradadas.
Os resultados mostram que os Povos Indígenas e Tradicionais são responsáveis, juntos, pela proteção de um terço das florestas no Brasil. Nos últimos 35 anos, somente as Terras Indígenas protegeram 20% do total de florestas nacionais.
O estudo do ISA revelou ainda que as Terras Indígenas e as Reservas Extrativistas apresentaram melhor performance na proteção das florestas quando comparadas com Unidades de Conservação de proteção integral ou Áreas de Proteção Ambiental (APAs). Os territórios de ocupação tradicional também funcionam como barreiras contra o desmatamento.
Atualmente, 40,5% das florestas brasileiras estão protegidas no sistema nacional de áreas protegidas, que engloba Terras Indígenas, Territórios Quilombolas e Unidades de Conservação. No entanto, as áreas protegidas com presença de Povos Indígenas e populações tradicionais – Terras Indígenas, Territórios Quilombolas, Reservas Extrativistas e Reservas de Desenvolvimento Sustentável – protegem um terço, cerca de 30,5% das florestas no Brasil.
Nos quatro tipos de territórios, os índices de preservação e regeneração florestal são maiores em comparação com outras categorias de áreas protegidas. Já os ciclos de alternância entre desmatamento e regeneração em uma mesma área são menores, o que revela uma intensidade de manejo da paisagem que não degrada as florestas.
Os altos índices de preservação revelados pelo estudo se dão pelo conjunto de conhecimentos e práticas dos Povos Indígenas e Tradicionais no manejo das florestas. Segundo Antonio Oviedo, coordenador do Programa de Monitoramento do ISA, esse resultado só é possível porque esses povos têm formas de convívio com a natureza que refletem a essência de qualquer estratégia de conservação ambiental.
“Povos Indígenas e populações tradicionais possuem outras concepções de natureza e, consequentemente, outras formas de interagir com o meio ambiente. Os saberes desses povos e suas práticas de manejo estão mesclados às paisagens. Além disso, os modos de ocupação tradicional promovem barreiras contra o desmatamento e favorecem a regeneração florestal”, explica.
Povos Indígenas = floresta em pé
Em todo o território nacional, não somente na Amazônia, é possível observar o papel das Terras Indígenas na proteção das florestas.
Nos últimos 35 anos, as Terras Indígenas atuaram como grandes barreiras contra a degradação das florestas.
Veja o gráfico abaixo e entenda o papel das populações indígenas como vetores de preservação, por região:
Bolsonarismo
A demarcação de Terras Indígenas têm sido uma das estratégias mais eficazes para proteger a floresta. Contudo, nos últimos anos, sobretudo no governo de Jair Bolsonaro, nenhuma Terra Indígena foi demarcada – nem mesmo protegida com o apoio do Estado.
O cenário de abandono se reflete nos altos índices de desmatamento no interior das Terras Indígenas. Nos últimos três anos, houve um aumento de 138% do desmatamento, se comparado com os três anos anteriores (2016 a 2018) do atual governo, segundo dados do Prodes analisados pelo ISA.
Por sua vez, o desmonte dos órgãos ambientais ampliou ainda mais os retrocessos. A Fundação Nacional do Índio (Funai) perdeu 21,5% de seus recursos, como apontou estudo do ISA e da UFRJ. Entre 2018 e 2022, houve redução de quase um quarto dos recursos destinados ao órgão, de R$ 715,7 milhões para R$ 561,6 milhões.
“É urgente a retomada do processo de demarcação das Terras Indígenas. Além disso, é necessária a criação de políticas públicas para fortalecer a proteção e gestão das áreas protegidas, bem como para a restauração ambiental das zonas de amortecimento”, afirma Oviedo.
Povos Indígenas no Brasil
As Terras Indígenas no Brasil ocupam 13,7% do território nacional, com 610 terras indígenas. Destas, 487 estão homologadas ou reservadas, enquanto o restante aguarda a finalização do processo de reconhecimento.
A maior concentração se dá na Amazônia, com 329 Terras Indígenas demarcadas, seguida pela Mata Atlântica, com 144; o Cerrado, com 99; a Caatinga, com 39; o Pampa, com nove; o Pantanal, com seis e a Zona Costeira e Marítima, com apenas duas Terras Indígenas demarcadas.
Atualmente, há no território brasileiro 256 Povos Indígenas, falantes de mais de 150 línguas diferentes. São povos com um sem fim de complexidades e distinções entre si. Para saber quem são os Povos Indígenas no Brasil, acesse.
Como foi feito o estudo?
O estudo foi realizado usando mapas de uso do solo preparados com o conjunto de dados da coleção do MapBiomas para o período de 1985 a 2020.
Para determinar o grau de efetividade na manutenção da vegetação nativa nas áreas protegidas, foram calculados índices que expressam a área preservada ou que não sofreu alteração ao longo da série histórica, a área em regeneração ou a área antropizada que regenerou e retornou sua classificação para vegetação nativa, a área em rotação ou a alternância entre vegetação nativa e desmatamento, e a intensidade de manejo ou a razão entre a duração da antropização de uma área pelo número de anos desde primeira antropização.
O projeto MapBiomas é uma iniciativa multi-institucional para gerar mapas anuais de cobertura e uso do solo a partir de processos de classificação automática aplicada a imagens de satélite. A descrição completa do projeto está no link. A coleção utilizada no presente trabalho foi a 6.
O que o estudo nos ajuda a entender?
Compreender a trajetória da vegetação nativa nas áreas protegidas permite planejar formas de interação para promover processos de proteção e regeneração natural.
Assim, a manutenção das florestas não exige necessariamente uma política de intervenção total, mas ela pode surgir do envolvimento de atividades humanas compatíveis com os processos ecológicos.