Casos como o assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips são estimulados por aparelhamento do órgão. Brasil é o 4º país que mais ameaça e mata ambientalistas no mundo

Bomba da Quinzena
Junho foi marcado pelo assassinato cruel do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, no Vale do Javari, oeste do Amazonas. Infelizmente, não se trata de um caso isolado, já que o Brasil é o 4º país que mais ameaça e mata ambientalistas, de acordo com o Global Witness.
Eliana Brum escreveu em uma coluna no Nexo que o assassinato de ambientalistas faz parte de um método de guerra, utilizado pelo atual Governo Federal para massacar povos tradicionais e ambientalistas na Amazônia. Como Bruno e Dom, vários outros ambientalistas já foram assassinados somente neste ano. Quem se lembra de José Gomes e sua família, assassinados em São Félix do Xingu? O caso ainda permanece impune!
Chico Mendes, Dilma Ferreira Silva, Paulo Paulino Guajajara foram ativistas e defensores dos Direitos Humanos e ambientais e vítimas de uma estrutura violenta. De2009 a 2019, em números absolutos, houve 2.074 homicídios de indígenas, de acordo com o Atlas da Violência.
Com o governo Bolsonaro, esses ataques ficam cada vez mais evidentes. Um dossiê produzido pela associação que congrega servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai), a Indigenistas Associados (INA), e pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), mostra como Bolsonaro transformou a Funai em um órgão anti-indígena. O estudo revela que apenas duas das 39 unidades descentralizadas da Funai, chamadas Coordenações Regionais (CRs), são chefiadas por servidores públicos. Outras 19 são coordenadas por membros das Forças Armadas; três por policiais militares e duas por policiais federais.
Os servidores da Funai entraram em greve no último dia 23 de junho por conta desse descaso sistemático. Em manifesto, os indigenistas pedem a exoneração de Marcelo Xavier da presidência do órgão e demonstram o desmonte da política indigenista no Brasil.
Isso vale um mapa
A Terra Indígena Vale do Javari, região que ganhou a atenção global com o assassinato de Bruno e Dom, tem sido ameaçada pelo tráfico de drogas, roubo de madeira, pesca ilegal e avanço do garimpo.
Demarcada em 2001, a região concentra uma população de cerca de 6,5 mil indígenas e 26 povos que coexistem no território. Além disso, a terra indígena tem a maior concentração de povos isolados do mundo, com acesso restrito por vias fluviais e aéreas.
O Vale do Javari fica na fronteira com o Peru e a Colômbia e está localizado no Amazonas. São 8,5 milhões de hectares, sendo a segunda maior terra indígena do país - a primeira é a Yanomami, com 9,4 milhões de hectares.
Baú Socioambiental
Ao contrário do que afirma Bolsonaro, Bruno e Dom não eram "aventureiros", mas experientes especialistas e defensores das pautas socioambientais.
O indigenista ocupava uma das áreas mais técnicas da Funai devido ao seu profundo conhecimento sobre povos isolados. Em 2019, ele auxiliou na maior expedição dos últimos 20 anos para o contato com os indígenas isolados do Vale do Javari. No mesmo ano, após uma expedição de combate à mineração no Vale do Javari, ele foi exonerado do cargo que ocupava desde 2010. Havia uma enorme pressão de ruralistas. Bruno foi exonerado e sofreu perseguição política dentro da Funai justamente por fiscalizar, detectando a invasão de madeireiros e garimpeiros.
Dom era um veterano na cobertura internacional nas pautas de justiça ambiental e proteção socioambiental, e estava no Brasil há aproximadamente 15 anos. Segundo o jornal do qual era colaborador, o "The Guardian", ele era conhecido por seu amor pela região amazônica e viajou muito pela região a fim de relatar a crise ambiental brasileira e os problemas de suas comunidades indígenas.
Socioambiental se escreve junto
O meio ambiente foi uma pauta presente em todo o mês de junho. Além do meio ambiente, celebrado no dia 5 de junho, apareceu nas falas do presidente Jair Bolsonaro na Cúpula das Américas. . Também apareceu na divulgação de mais algum dado alarmante sobre o desmatamento na Amazônia e na visibilidade da luta dos povos indígenas com o assassinato de Dom e Bruno.
As informações são tantas, vindas de tantos lugares… mas uma coisa é importante levar em consideração: socioambiental se escreve junto uma vez que ambientalistas, cientistas, jornalistas, populações tradicionais, políticos, você, eu, estamos juntos, escrevendo um novo amanhã, socioambientalmente justo e fraterno.
Todas as frentes de atuação são importantes para derrubar todo tipo de violência, extermínio, ódio e manter de pé nossas florestas
Extra
Junho é o mês do Orgulho LGBTQIAP+* e esse marco vale menção para lembrar que existem indígenas, quilombolas, membros de povos e comunidades tradicionais que são também membros da comunidade LGBTQIAP+*. Essas pessoas existem e resistem!
Além de o Brasil ser o quarto país que mais mata ativistas ambientais no mundo, o país é líder de outro violento recorde: ser o país que mais mata pessoas trans e travestis. Apesar de a transfobia ser crime no Brasil desde 2019, o país lidera esse ranking pelo 13° ano consecutivo. Tal quadro se dá sem considerar os casos não reportados, o que implica que o cenário é ainda mais alarmante.
Para saber mais sobre o assunto, consulte dois livros que resgatam a diversidade sexual entre indígenas da doutora em antropologia Barbara Arisi, que trabalha com os Matis na TI Vale do Javari, desde 2006. As obras estão em inglês e uma¹ traz a história não contada da colonização das sexualidades indígenas antes da chegada dos portugueses e espanhóis e a outra² inicia com uma varredura sobre a pouca bibliografia sobre o assunto e finaliza com histórias de personalidades contemporâneas indígenas que não se enquadram na dicotomia de dois sexos ou dois gêneros.