Anteprojeto de lei de REDD+ será analisado por quilombolas, indígenas e extrativistas durante consultas livres, prévias e informadas
O Instituto Socioambiental (ISA) lançou nesta quinta-feira (2/06), em todas as plataformas de áudio, o terceiro episódio da segunda temporada do boletim de áudio “Vozes do Clima”, desta vez abordando o programa jurisdicional de REDD+ (sigla para Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal, Manejo Sustentável de Florestas e Conservação e Aumento dos Estoques de Carbono Florestal), em debate no estado do Pará.
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O episódio traz relatos de lideranças de povos e comunidades tradicionais e busca explicar, de forma didática, quais são os principais pontos e objetivos do anteprojeto de lei apresentado pelo governo estadual, que será debatido durante as consultas livres, prévias e informadas por comunidades quilombolas, indígenas e extrativistas, previstas para acontecer em todas as regiões paraenses.
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Desde 2021, o governo do Pará vem trabalhando, em conjunto com as redes que representam indígenas, quilombolas e populações extrativistas do Pará, e algumas organizações da sociedade civil, na criação do Sistema Jurisdicional de REDD+, que vai organizar o mercado de crédito de carbono, definir as regras e assegurar que os benefícios cheguem na ponta, de forma justa.
Essas articulações envolvem, ainda, um longo caminho de trabalhos e debates para chegar a um modelo que atenda às necessidades dos que preservam a floresta. Governo, movimentos sociais e sociedade civil participam do Comitê Gestor do Sistema Estadual sobre Mudanças Climáticas (Coges), criado no âmbito da Secretaria de Estado de Meio Ambiente - onde são discutidos e deliberados assuntos relacionados ao programa de REDD+ que está em debate.
“A minuta de lei que visa instituir o sistema jurisdicional do Estado do Pará passou a ser discutida no Coges Clima e na Câmara Técnica de REDD+ a partir de agosto do ano passado. De lá para cá o Estado fez algumas alterações também com base na lei do mercado de carbono, que foi aprovada em dezembro de 2024. E agora a minuta se encontra na sua quarta versão, que vai ser objeto de consulta”, explicou Juliana Maia, analista de políticas climáticas do ISA.
O coordenador executivo da Federação dos Povos Indígenas do Estado do Pará (Fepipa), Ronaldo Amanayé, ressaltou que os povos indígenas lutam para que o impacto da iniciativa seja positivo.
“Nós sabemos que nós, enquanto povos indígenas, somos os que mais temos florestas vivas no Estado do Pará. Nós representamos em média 1/4 do território paraense, cerca de 30% da floresta nativa no Estado do Pará, estão dentro dos territórios indígenas. Para nós é de suma importância que nossos povos sejam consultados. E, logicamente, que o impacto que nós esperamos que seja um impacto positivo, um impacto para os nossos territórios, considerando a falta de políticas públicas, tanto na área da saúde, na área da educação, na questão fundiária, na proteção ambiental e territorial, na subsistência”.
O anteprojeto de lei traz pontos importantes, como princípios da lei, que são: as salvaguardas socioambientais, as diretrizes para a repartição de benefícios e gestão de recursos; e as instâncias de governança do sistema. É uma proposta que busca garantir as condições para que a floresta continue em pé e para que as pessoas que nela vivem tenham seus direitos e modos de vida respeitados. Também prevê a divisão justa dos recursos financeiros, a criação de ações específicas para cada realidade e a possibilidade de que as comunidades possam denunciar se algo estiver errado.


Edileno Camilo, presidente da Associação dos Moradores da Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio (Amora), da região de Altamira, comentou sobre o que o povo espera desse projeto.
“O programa de REDD+ precisa, em primeiro lugar, respeitar o modo de vida das populações, ele precisa ser implantado de uma forma que não agrida a natureza, deixando as florestas em pé, com todos os cuidados necessários para que isso não venha impactar no modo de vida beiradeira hoje, da maneira que a gente já utiliza a floresta sem derrubar e mantendo os nossos mesmos costumes, nossas mesmas tradições. Então, o cuidado maior que a gente deve ter é esse, para não impactar diretamente no modo de vida do ribeirinho”.
Direito à consulta precisa ser garantido
Um dos temas abordados com destaque neste novo episódio do boletim “Vozes do Clima” é o direito à consulta livre, prévia e informada, previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que determina que povos e comunidades tradicionais sejam consultados sobre projetos que afetem seus territórios.
“O direito à consulta prévia livre informada é diferente de uma simples consulta pública ou de uma audiência pública, porque ela precisa ser anterior ao processo e tem um caráter deliberativo. É uma simples fase do procedimento de aprovação, seja de uma medida legislativa ou de uma medida administrativa, mas ele é determinante no processo em relação, inclusive, se a política pública ou empreendimento vai ou não seguir”, explicou Juliana Maia, ao “Vozes do Clima”.

Alguns povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais já contam com protocolos de consulta. Esses protocolos são documentos, feitos em conjunto pela comunidade, que explicam como eles querem ser consultados. Por exemplo, quem deve ser envolvido no território, por quanto tempo e quais as diretrizes desse processo a partir das organizações tradicionais e culturais daquela comunidade ou povo. Nesses casos, a consulta livre, prévia e informada pode ser direcionada pelos protocolos comunitários ou planos de consulta, desde que estes sejam combinados com as organizações representativas das comunidades.
Mas as comunidades e povos que ainda não contam com protocolo de consulta escrito também devem ser ouvidas. E a realização da consulta deve ser garantida pelo estado.
“O papel do Estado é garantir, dentro do seu orçamento e recursos financeiros, para deslocar as pessoas para o ambiente da consulta. Que o Estado possa fornecer todos os documentos necessários para que a unidade tenha base de de estudos para poder se posicionar sobre o que tá acontecendo desta política e, no final, o Estado precisa respeitar a decisão da comunidade”, disse Aurélio Borges, jurista quilombola da Comunidade de Macapazinho, em Santa Izabel, e diretor da Coordenação da Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará (Malungu).
O que é o “Vozes do Clima”?
O boletim de áudio “Vozes do Clima” é uma realização do ISA, com produção da produtora de podcasts Bamm Mídia e apoio da Environmental Defense Fund (EDF) e propõe levar informações a povos e comunidades tradicionais sobre os temas relacionados à pauta climática. A identidade visual foi concebida pelas designers e ilustradoras indígenas Kath Matos e Wanessa Ribeiro. Além de ser distribuído via Whatsapp e Telegram, o programa também poderá ser ouvido nas plataformas de áudio Spotify, iHeartRadio, Amazon Music, Podcast Addict, Castbox e Deezer.
Este é o segundo episódio da segunda temporada de “Vozes do Clima”, que contará com um total de 12 edições e abordará os diversos debates sobre clima e a pauta socioambiental.