Especialistas da Funai, ISA e USP apresentaram os casos dos povos indígenas dos rios Xingu (PA) e Juruena (MT)
O Congresso Brasileiro de Avaliação de Impacto (CBAI 2025) foi realizado entre os dias 20 e 24 de outubro, na Universidade de Brasília (UnB). O evento possibilitou que profissionais de todo o Brasil que pesquisam ou trabalham com licenciamento ambiental e avaliação de impacto pudessem debater sobre os principais desafios e perspectivas de avanços na área.
O Instituto Socioambiental (ISA), juntamente com a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), promoveu um painel inédito no CBAI com o tema Avaliação de Impactos Cumulativos em Terras Indígenas: Desafios e Estratégias.
O evento contou com as mediações dos professores da USP Juliana Siqueira Gay e Luís Henrique Sánchez, especialistas em impactos cumulativos, além dos palestrantes da Fundação Nacional do Povos Indígenas (Funai) Raoni da Rosa, Aline Maciel de Carvalho e Maria Janete de Carvalho, e da antropóloga Thaís Mantovanelli, do ISA.
Os palestrantes tiveram a oportunidade de apresentar casos práticos, como o do complexo hidrelétrico do Juruena (MT), que afeta diretamente os indígenas Enawenê-Nawê, e da conjugação de impactos entre a rodovia Transamazônica (BR- 230) e Belo Monte, no Médio Xingu (MT).
Bacia do Rio Juruena
Segundo Carvalho e Rosa, o Rio Juruena tem a função de harmonizar a relação entre homens e espíritos para os Enawenê-Nawê, por meio da realização de cerimônias em que o peixe é consagrado tanto pela sua importância alimentar como em agradecimento aos espíritos. No entanto, a construção do Complexo Hidrelétrico Juruena (composto por duas hidrelétricas e nove pequenas centrais hidrelétricas) afetou a cultura e o modo de vida dos indígenas ao comprometer a reprodução dos peixes na região.
Um estudo lançado recentemente pela organização Operação Amazônia Nativa (Opan) sobre pressões e ameaças às terras indígenas (TIs) na Bacia do Juruena, apontou que, até 31 de julho de 2025, foram identificados 185 usinas na região, sendo 88 centrais geradoras hidrelétricas (CGHs) e 72 pequenas centrais hidrelétricas (PCHs). Os empreendimentos expandiram-se entre 2019 e 2025, beneficiadas pelas mudanças na legislação, em 2020, que flexibilizou o processo para autorização desse tipo de obra junto à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), além de simplificar o licenciamento ambiental sob a justificativa de que os impactos ambientais seriam reduzidos.
De acordo com os dados levantados no Boletim Pressões e Ameaças às Terras Indígenas na Bacia do Rio Juruena da Opan, a ausência de exigência de estudos mais robustos “vem gerando impactos sinérgicos e cumulativos sobre os ecossistemas aquáticos e o equilíbrio hidrológico”, devido à alta concentração de empreendimentos na bacia.
Para os representantes da Funai, os principais problemas e impactos após a construção do complexo foram a destruição de habitats para os peixes; a interrupção do fluxo de nutrientes e organismos aquáticos; a deterioração da qualidade da água do rio e a transformação de um trecho de corredeiras em reservatórios.
Todos esses problemas, segundo Carvalho e Rosa, foram decorrentes de diferentes omissões no âmbito do licenciamento ambiental estadual, desde a ausência de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) para determinados empreendimentos até a ausência de avaliação de impactos cumulativos, além da premissa equivocada de que as PCHs causam menos impactos.
Diante disso, a Funai solicitou uma Avaliação Ambiental Integrada (AAI) sobre a situação ambiental da bacia após as usinas implantadas, considerando os seus efeitos cumulativos sobre os recursos naturais e as populações. Constatou-se que houve assédio direto dos empreendedores às lideranças indígenas e atropelos na mediação do processo de compensação financeira às comunidades.
Entre os encaminhamentos do órgão, os técnicos citaram a importância de se considerar de forma efetiva os conhecimentos indígenas na avaliação; estabelecer a relação de causalidade e proporcionalidade dos múltiplos empreendimentos; estabelecer as responsabilidades para os agentes.
Impactos no Médio Xingu
A diretora de Proteção Territorial da Funai, Maria Janete de Carvalho, levou para o debate a realidade da região do Médio Xingu por ser uma das regiões mais afetadas pelo aumento de empreendimentos nos últimos anos.
“Todas as terras indígenas da região foram afetadas de alguma forma pela Transamazônica (BR-230) e pela usina hidrelétrica de Belo Monte”, afirmou.
De acordo com ela, a construção da BR-230 levou a morte para muitos indígenas, já que na época da sua construção, nos anos 1970, as frentes de contato foram facilitadas, inúmeras doenças.
Belo Monte agravou o contexto da ocupação na região do Médio Xingu, que pode ser avaliada pelo avanço do desmatamento ao longo dos anos. Nos dois empreendimentos, os componentes indígenas para o licenciamento ambiental (ECI) atrasaram, prejudicando a avaliação de impactos nas TIs.
Carvalho fez algumas sugestões para aprimoramento do planejamento regional, como, por exemplo, integrar licenciamento ambiental e avaliação de impactos cumulativos; adotar hidrograma ecológico robusto para preservar o regime hídrico no contexto de Belo Monte; fortalecer a fiscalização na BR-230 para evitar desmatamento e conflitos fundiários e definir cronograma de revisões periódicas para atualizar impactos e medidas adotadas.
Thais Mantovanelli também abordou os desafios gerados por Belo Monte, que desviou a água do Rio Xingu e causou graves impactos ambientais e sociais. Segundo ela, é importante considerar “a cumulatividade na avaliação de impacto ambiental no contexto da Volta Grande do Xingu.”
Para a antropóloga, a instalação, na mesma região, da mineradora canadense Belo Sun comprometeria, definitivamente, a vida na bacia do Rio Xingu. A empresa propõe instalar a maior mina de ouro a céu aberto do país e, para isso, pretende explodir uma tonelada de rochas e usar diversos contaminantes tóxicos, como o cianeto, para a retirada do ouro. Além disso, é grande o risco de rompimento da barragem de rejeitos.
O Monitoramento Ambiental Territorial Independente (Mati), grupo de pesquisadores indígenas, ribeirinhos e acadêmicos, já realiza coletas de dados para a comprovação das mudanças no fluxo do Rio Xingu e seus efeitos sobre a vida aquática e nas florestas da região desde 2013.
“Essa iniciativa de produção colaborativa e intercultural de conhecimento nasceu de uma necessidade pragmática e urgente: evidenciar a amplitude dos impactos associados à construção e ao sistema de operação de Belo Monte e buscar alternativas para uma partilha mais justa de água baseada em seus usos múltiplos”, afirmou Mantovanelli.
“O Mati é um esforço de união, composição e cumulatividade que deveria orientar também as análises de impacto e as tomadas de decisão no âmbito do licenciamento ambiental de qualquer projeto”, completou.
As principais recomendações da antropóloga foram as de adoção imediata do hidrograma das piracemas – proposta em que a vazão do rio usa critérios ecológicos para liberar a água e garantir a reprodução dos peixes - e da criação de um comitê permanente que deveria ser consolidado num painel consultivo contínuo e preventivo com a concessionária Norte Energia e a participação do Mati.
Ela finalizou lembrando a importância de adotar uma partilha mais justa de água para a Volta Grande do Xingu, considerado uma força vital para povos indígenas e tradicionais.
Parceria entre o ISA e a Escola Politécnica da USP
Em maio deste ano, o projeto de pesquisa firmado entre o ISA e a Escola Politécnica da USP (Poli) intitulado “Avaliação de impactos cumulativos para o Xingu: propostas para o planejamento e licenciamento de projetos de infraestrutura” foi aprovado na chamada Fapesp de Propostas (2024) – Fase 1, do Programa de Pesquisa em Políticas Públicas (PPPP).
O projeto visa analisar e subsidiar cientificamente o planejamento de obras de infraestrutura e o respectivo licenciamento ambiental na Bacia do Xingu, com foco na problemática dos impactos cumulativos resultantes das mudanças de uso e cobertura da terra na Bacia do Xingu.
Os parceiros governamentais e não governamentais que acompanharão o desenvolvimento das pesquisas são o Ministério dos Transportes, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), a Funai e a Rede Xingu+.
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