Para ambientalistas, resultado da votação é mais um capítulo da série de chantagens do Congresso com o governo, em prejuízo das pautas ambientais
Na tarde desta quinta (27), apesar de toda a mobilização popular em contrário, o Congresso resolveu resgatar a proposta original do maior retrocesso ambiental do país em mais de de 40 anos. Em sessão conjunta da Câmara e Senado, foram derrubados 56 vetos dos 63 aplicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Lei do Licenciamento Ambiental (15.190/2025), em agosto. Agora, eles serão promulgados pelo Legislativo.
Aprovado pela Câmara em julho, o texto da norma foi apelidado de “PL da Devastação” ou a “mãe de todas as boiadas”, em função da gravidade de suas consequências (saiba mais abaixo). Lula vetou retrocessos importantes, mas seu teor continuou com problemas.
Sem sucesso nas tentativas de negociar com ruralistas e Centrão, o governo insistiu na orientação de manter os vetos. Apenas PT, PCdoB, PSOL, Rede, PV e PSOL seguiram a posição. PDT, PSB, AVANTE, Solidariedade e PRD não fizeram orientação. Todos os demais partidos votaram pela derrubada das alterações feitas por Lula na legislação (veja como votaram os parlamentares na primeira votação).
A derrota do Planalto acontece menos de uma semana após o fim da COP30, em Belém (PA), conferência da ONU sobre mudanças climáticas em que o país lutou para se posicionar como uma liderança internacional.
“A derrubada dos vetos contradiz o esforço ambiental e climático do governo que acaba de realizar a COP30. Uma péssima notícia”, afirmou a ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, num post numa rede social.
Para ambientalistas que acompanham o Congresso, o resultado da votação é mais um capítulo da série de chantagens do Legislativo com o governo, em prejuízo das pautas ambientais, e em benefício de interesses políticos e econômicos.
“O Congresso acabou de enterrar o licenciamento ambiental, ao derrubar os vetos do Poder Executivo”, criticou Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima (OC). Em nota, a maior rede de organizações ambientalistas do país confirmou que deverá entrar com uma ação contra a legislação.
“Mantendo essa lei como ficou hoje, teremos uma alta insegurança jurídica e o enfraquecimento da proteção socioambiental. Não haverá outra saída a não ser judicializar essa norma nascida inconstitucional”, alerta a advogada do Instituto Socioambiental (ISA), Alice Dandara de Assis Correia. “O Congresso hoje concretizou a institucionalização do racismo ambiental e a ampliação dos conflitos em territórios de comunidades indígenas e tradicionais”, complementa.
Alcolumbre
As negociações para pautar a matéria e a votação foram lideradas diretamente pelo presidente do Senado e do Congresso, Davi Alcolumbre (União-AP). Ao final de uma das votações, ele fez questão de defender a derrubada dos vetos.
“A votação desse veto não é um gesto político isolado, é uma necessidade institucional", disse, repetindo o discurso de ruralistas e grandes empresários de que a nova legislação vai promover o crescimento econômico. “Votar esse veto é fundamental para destravarmos o tema do licenciamento ambiental como um todo, estabilizando o marco legal, dando previsibilidade jurídica”, complementou.
Por um acordo entre governo e oposição, a votação dos sete vetos restantes, sobre a Licença Ambiental Especial (LAE), foi adiada para que uma Medida Provisória (MP) do governo sobre o mesmo assunto seja votada na semana que vem. A LAE permite simplificar e acelerar a autorização de empreendimentos considerados “estratégicos” pelo governo, abrindo caminho para licenças concedidas sob influência política. Por causa disso, a MP sofreu várias críticas de ambientalistas e especialistas.
Segundo o relator da MP, deputado Zé Vitor (PL-MG), ela pode ser votada numa comissão mista especial, na terça (2/12), e nos plenários da Câmara e do Senado, no dia seguinte. A medida vence no dia 5/12. O deputado comentou que, a princípio, a tendência até agora seria manter o texto original do governo, com algumas complementações pontuais.
O parlamentar adiantou que pretende incluir na redação um dispositivo explicitando que a mineração e algumas atividades e obras relacionadas ao saneamento básico não poderiam ser realizadas por meio de autolicenciamento, um tipo de licença autodeclaratória pela qual o empresário pode tirar a autorização preenchendo um formulário na internet. A medida tenta contrapor o argumento de que a lei não poderia ser fragilizada sob risco de aumentar o risco de novos desastres relacionados à mineração, como os de Maceió (Al), Mariana e Brumadinho (MG).
De acordo com os ambientalistas, só essas mudanças não são suficientes para equilibrar o texto. O futuro da proposta ainda é incerto, no entanto, considerando as pressões de ruralistas para piorá-la presentes nas mais de 830 emendas apresentadas à medida. Zé Vítor foi relator do projeto de lei do licenciamento aprovada pela Câmara, e tão criticado por ambientalistas, movimentos sociais, pesquisadores e Ministério Público.
A LAE é de interesse direto de Alcolumbre. Foi ele que patrocinou a inclusão no projeto original da lei. Na verdade, a MP foi enviada ao Congresso para tentar ajustar alguns pontos da proposta, mas também pode ser considerada uma deferência ao presidente do Congresso. A medida prevê que a nova modalidade de licença passe a valer desde já, diferentemente da redação inicial do "PL da Devastação", por exemplo.
O resultado da votação desta quinta tem um gosto especial de vitória para o presidente do Congresso. A semana foi marcada pelo desgaste entre ele e o governo. Em público pelo menos, o senador fez questão de externar a contrariedade pela indicação de Lula do advogado-geral da União, Jorge Messias, para ocupar vaga de ministro aberta no Supremo Tribunal Federal (STF). Ao longo da semana, Alcolumbre pautou projetos contrários aos interesses do Planalto, e fez chegar a jornalistas a mensagem de que a situação pode piorar.
O que é o “PL da Devastação”?
Sem os vetos, ou seja, com a redação original do Congresso, a nova lei acaba com o sistema de licenciamento como conhecido hoje. Na prática, os procedimentos convencionais, com análise de impactos prévios e controle dos órgãos ambientais, serão uma exceção.
A norma dá aos entes da Federação a possibilidade de estabelecer ritos simplificados e acelerados para liberar obras e atividades econômicas de impacto ambiental significativo. Banaliza a dispensa de licenças e a Licença por Adesão e Compromisso (LAC), o chamado autolicenciamento. Pelo procedimento, o empresário pode tirar uma licença preenchendo um formulário na internet e se comprometendo de “boa-fé” que irá seguir algumas regras (saiba mais no quadro abaixo).
O STF já têm decisões contra algumas dessas medidas implantadas em legislações estaduais, como a LAC para empreendimentos de médio porte e a dispensa de licenciamento para a agropecuária.
Quais os principais vetos derrubados do “PL da Devastação”?
Mata Atlântica. Permite que áreas de mata primária, secundária e em estágio médio de regeneração possam ser suprimidas sem análise prévia dos órgãos ambientais estaduais ou federais. A mudança abre brechas para que qualquer município, mesmo sem estrutura técnica, plano diretor ou conselho de meio ambiente, possa autorizar o desmatamento dessas áreas. O bioma é o mais ameaçado do país.
Autolicenciamento. A Licença por Adesão e Compromisso (LAC), pela qual qualquer pessoa consegue automaticamente a licença ambiental preenchendo um formulário na internet, torna-se a regra, e o licenciamento convencional, com análise prévia do órgão ambiental, a exceção. O problema é que a autorização não vai valer apenas para empreendimentos de pequeno porte e potencial poluidor, mas também para os de médio porte e potencial poluidor.
Dispensa de licenças. A lei concede de antemão isenção de licenciamento para 13 atividades e empreendimentos econômicos, como agricultura, pecuária, “manutenção e ao melhoramento da infraestrutura em instalações preexistentes”, sistemas e estações de tratamento de água e de esgoto sanitário.
Estados e municípios. A lei concede poder quase ilimitado para esses entes da Federação criarem sua própria lista de isenções de licenciamento. Isso pode gerar confusão regulatória, insegurança jurídica e uma “guerra ambiental” entre quem libera mais e flexibiliza mais para atrair investimentos.
Áreas protegidas. Terras Indígenas e territórios quilombolas cuja regularização não foi concluída não seriam considerados para efeitos do licenciamento de empreendimentos e atividades econômicas que os impactem. As Unidades de Conservação só serão consideradas se o impacto for direto. No caso dos quilombos, mais de 80% das áreas com processos de titulação abertos não seriam levadas em consideração. Cerca de 32% dos territórios indígenas com processos de reconhecimento já iniciados também seriam desconsiderados.
Condicionantes. O PL pretende isentar empreendimentos privados de cumprir as chamadas “condicionantes ambientais”, jogando a conta dos seus impactos para a população e os cofres públicos. As condicionantes previstas no licenciamento são as obrigações de prevenção, redução e reparação de impactos socioambientais.
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