Impactos da emergência climática no Amazonas foram debatidos em oficina com jovens lideranças na sede do ISA em São Gabriel da Cachoeira
Calor extremo prejudicando a agricultura, chuvas intensas que alagam e devastam cultivos, além de incêndios florestais que resultam em estiagens e isolamento de comunidades, são apenas alguns exemplos dos impactos da emergência climática sentidos e narrados por indígenas que moram em comunidades no Noroeste Amazônico — na região de fronteira com a Venezuela e Colômbia conhecida como Cabeça do Cachorro, na Bacia Hidrográfica do Rio Negro.
Integrantes da juventude indígena de São Gabriel da Cachoeira, coordenada pelo Departamento de Adolescentes e Jovens (Dajirn) da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e a Rede Wayuri de Comunicação Indígena, participaram em 8 de setembro de oficina sobre Justiça Climática realizada pelo Instituto Socioambiental (ISA) no telecentro comunitário.
Estavam presentes 15 jovens indígenas que são líderes, articuladores e/ou comunicadores para seus povos e comunidades de oito etnias do Rio Negro: Arapaso, Baniwa, Baré, Desana, Piratapuia, Tukano, Wanano e Yanomami.
A oficina foi organizada e ministrada pela articuladora de políticas socioambientais do Programa Rio Negro do ISA, Juliana Radler, e contou com a mobilização da Rede Wayuri de Comunicação Indígena e do coordenador do Dajirn, Elson Kene, do povo Baniwa.
Edneia Teles, do povo Arapaso, representante da Secretaria Municipal de Juventude, Esporte e Lazer de São Gabriel da Cachoeira (Semjel), também enfatizou a importância de a pauta Justiça Climática ser incluída na 3ª Conferência Municipal de Juventude, que terá o tema “Reconstruir e Transformar: Protagonismo em defesa da vida, Território e Justiça”.
O evento municipal acontece na quarta-feira (27/09), no Centro Missionário Salesiano, no centro de São Gabriel da Cachoeira. A oficina teve ainda o apoio da Fundação Rainforest, da Noruega.
Vez e voz da juventude indígena
“A juventude indígena do Rio Negro, junto com o movimento socioambiental, vem organizando encontros e levando o tema da emergência climática para as assembleias indígenas de base, em especial para os encontros de jovens nos territórios”, afirmou Juliana Radler, especialista em Jornalismo Ambiental que já cobriu como repórter 10 Conferências do Clima (COP).
“Agora, é o momento da juventude indígena da Amazônia se preparar para ter voz ativa na Conferência do Clima da ONU em Belém, em 2025, tendo consciência do que significam conceitos como emergência climática, justiça climática e racismo ambiental”, completou.
A oficina teve uma exposição sobre o último relatório dos cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) – o IR6, sexto relatório de avaliação, divulgado em março deste ano. O estudo traz as últimas conclusões de 780 cientistas do mundo sobre a situação extremamente grave do clima no planeta devido ao aumento das emissões dos gases do efeito estufa (GEE).
Na sequência, também foi feita uma exposição sobre os conceitos de justiça climática e racismo ambiental, com exemplos e roda de conversa com o grupo.
Carta de Direitos Climáticos da Juventude Indígena do Rio Negro
Os jovens receberam materiais de apoio para trabalharem sobre o tema em suas comunidades. O objetivo é mobilizar a juventude indígena do Rio Negro sobre o tema da emergência climática para construir, até a sua Assembleia Geral, em 2024, uma Carta de Direitos Climáticos da Juventude Indígena rionegrina.
Para isso. um calendário de atividades está sendo fechado, e contará com reuniões virtuais e presenciais com os articuladores do Dajirn nas cinco regiões de atuação da Foirn, nos municípios de Barcelos, Santa Isabel do Rio Negro e São Gabriel da Cachoeira, em parceria com o ISA.
A expansão dos pontos de internet pela Foirn também vem facilitando a mobilização dos jovens indígenas em pautas relevantes e estratégicas para as suas comunidades.
Leia os depoimentos abaixo:
Juntos pelo clima na Terra Indígena Alto Rio Negro
Hélio Géssem, do povo Tukano
Articulador do Depatamento de Adolescentes e Jovens Indígenas (Dajirn/Foirn) da Coordenadoria DIA WI'Í)
“Na minha opinião, precisamos urgentemente conhecer e estudar sobre Emergência Climática e quais são os fatores que afetam e contribuem para as mudanças climáticas. Eu e também os demais indígenas precisamos de formação técnica para poder trabalhar com essa temática para dentro das comunidades e entender o lado técnico da ciência. Queremos, com isso, trazer a comparação e o diálogo com o saber indígena e assim, de fato, buscar alternativas para esse imenso problema. Juntos, o conhecimento indígena e não indígena, podem colaborar muito com as soluções. O saber indígena ainda está vivo e precisamos criar uma plataforma digital para alimentar os dados coletados e os que ainda vão ser coletados e assim, futuramente, criar um calendário ambiental atualizado. Agora, precisamos realizar e mobilizar campanhas urgentemente no território indígena para tratar dessa temática da emergência climática, pois é um assunto vital para a sobrevivência humana. Vejo também como uma oportunidade grande de mostrar o saber indígena nessas discussões futuras”.
Incidência política precisa ser de dentro do território indígena para fora
Elson Kene, do povo Baniwa
Coordenador do Departamento de Adolescentes e Jovens Indígenas (Dajirn/Foirn)
“Já estamos vendo as consequências das mudanças climáticas conforme as pesquisas realizadas pelos nossos Agentes Indígenas de Manejo Ambiental (Aimas), que relatam os últimos acontecimentos na região do Rio Negro. Essa observação é muito impactante e a gente vê a atual realidade ambiental no Rio Negro com preocupação. Desde já, precisamos estar nesta discussão, para que a gente possa ter participação em uma temática de extrema importância para nós e que vai trazer muito impacto no futuro. Precisamos apresentar nossas propostas como jovens e como moradores indígenas do Rio Negro. Temos nosso próprio manejo do meio ambiente, desde o sistema agrícola para a nossa alimentação, como outros manejos do mundo ao nosso redor. Temos que apresentar propostas que estejam sempre ligadas à nossa cultura, assim como também precisam dialogar com nosso Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA). A gente vê também que não conseguimos nos adaptar a essas mudanças do clima de forma rápida como os brancos, grandes empresários, que conseguem fazer essas adaptações muito rapidamente porque têm dinheiro e muitos recursos para investir. A gente aqui precisa de implementação de políticas públicas que possam beneficiar nossos povos e comunidades que são afetadas pelas consequências das mudanças climáticas. Mesmo tendo nossa forma tradicional de viver bem, notamos a necessidade de ter uma ajuda das políticas públicas do governo para essa questão da mudança climática. Nosso território é nosso centro do mundo. Por isso, precisamos preservar e ter também a parceria com outras pessoas de fora que nos ajudam a preservar a nossa região”.
Cuidar o meio ambiente como bandeira de luta
Adelina de Assis Veloso
Ex-coordenadora do Departamento de Adolescentes e Jovens Indígenas (Dajirn/Foirn)
“Quando é colocada essa palavra forte “justiça” nos faz refletir. O que é justiça, o que é justiça climática? Foi muito bom conhecer esse conceito e acompanhar o debate com os participantes e com a Rede Wayuri, com os próprios comunicadores que têm esse papel de divulgar e falar sobre o nosso meio ambiente. Tiveram pontos trazidos pelos jovens das aldeias e dos distritos maiores, como Taracuá e Iauaretê, que vão levar o tema sobre justiça climática para suas comunidades. Ficou muito clara a importância do cuidado com o meio ambiente para combater a emergência climática. A minha observação é que esse tema precisa ser multiplicado nas comunidades. Nós, que moramos nas aldeias dentro da floresta, vivendo no rio, comendo as caças da floresta, os peixes do rio, frutas nativas e as frutas plantadas pelos nossos avós e pais, a gente se sente bem. Porém, a gente esquece de dar valor e cuidado com o que é essencial para a nossa vida. E o nosso dever é ter esse cuidado com o nosso território. Os impactos ambientais causados em outros estados e em outros países também vêm nos afetando. Porque aqui ainda temos gerações que têm contato direto com o rio, com a mata e com o modo de alimentação tradicional. Cuidar do nosso meio ambiente também é cuidar da nossa própria saúde. Por isso precisamos fazer do cuidado do meio ambiente nossa bandeira de luta como juventude indígena e a gente deve multiplicar esse cuidado. A vida do planeta depende da floresta. A veia de tudo, da chuva, do ar, das nuvens, de tudo, é a floresta. Assim encerro minha palavra.”