Nova edição da revista também reafirma a importância do conhecimento indígena para compreender e enfrentar a crise climática
Há vinte anos, no Rio Tiquié, um grupo de pesquisadores indígenas deu início a um trabalho pioneiro de observação e registro do meio ambiente em seus ciclos a partir das narrativas dos conhecedores mais velhos sobre a origem e a ordem do mundo. Hoje, a rede de Agentes Indígenas de Manejo Ambiental (AIMAs) se estende também ao Rio Içana, ao Uaupés e ao Médio Rio Negro, ampliando o alcance de um trabalho que combina ciência, cultura e observação cotidiana.
Em celebração aos 20 anos dessa trajetória de pesquisa e resistência, a edição nº 6 da Aru – Revista de Pesquisa Intercultural da Bacia do Rio Negro, editada pelo Instituto Socioambiental (ISA) em parceria com a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), apresenta uma linha do tempo com os principais momentos dessa caminhada, desde a formação do primeiro grupo de AIMAs até hoje, destacando eventos climáticos marcantes e trechos de seus diários.
Uma série de eventos durante a COP 30 em Belém na próxima semana marca o lançamento da publicação.
(Veja a agenda de eventos abaixo)
A pesquisa dos ciclos anuais é o núcleo deste trabalho. Homens e mulheres, jovens e adultos, inspirados pelos conhecimentos dos mais velhos, observam diariamente os fenômenos ambientais e registram as transformações que percebem no ambiente: a intensidade das chuvas, a variação dos rios, a floração e frutificação das plantas, as migrações e períodos de reprodução dos animais – e como esses ritmos se alteram com o passar dos anos.
Escritos em português e em línguas indígenas como tukano, tuyuka e baniwa, esses cadernos formam um acervo de mais de 420 diários produzidos por 89 pesquisadores desde 2005. São registros que mostram, ao mesmo tempo, a força da vida comunitária e os sinais de um clima em desequilíbrio, sendo uma narrativa viva das mudanças climáticas na Amazônia.
Os relatos revelam como os ciclos naturais vêm se descompassando. Os peixes que sobem fora de época, árvores que florescem antes do tempo, pássaros que atrasam a migração. Como dizem os conhecedores do Rio Negro, “os animais conhecem melhor o tempo que o homem”, porque respondem integralmente às condições do ambiente.
Nos últimos dez anos, por exemplo, as anotações têm captado com clareza os efeitos das mudanças climáticas. Entre 2015 e 2024, a Amazônia enfrentou uma sucessão de extremos: grandes secas (2005, 2010, 2015-2016, 2018 e 2023-2024) e enchentes históricas (2021 e 2022) atingiram as bacias do Rio Negro e do Solimões, alterando profundamente a vida das comunidades. Rios secaram a ponto de isolar aldeias, peixes morreram por falta de oxigênio, plantações foram perdidas e o calor extremo se tornou cada vez mais presente.
Ao celebrar os 20 anos de atuação dos AIMAs, esta edição da Aru também reafirma a importância do conhecimento indígena para compreender e enfrentar a crise climática. São 14 textos, elaborados por pesquisadores indígenas e não indígenas, que abordam como os eventos extremos aparecem nas anotações dos agentes e afetam a vida das comunidades, além dos desafios de traduzir o conhecimento indígena em dados científicos sem perder o sentido cultural e o olhar próprio de quem vive na floresta.
Há também relatos detalhados dos ciclos anuais observados no Tiquié e no Içana, revelando a precisão com que os AIMAs registram os sinais da natureza e interpretam as alterações nos ritmos do tempo. Fotografias e desenhos feitos por eles complementam os calendários e mostram a beleza e o detalhamento dessas observações.
Outros textos abordam temas como os incêndios em Barcelos e a recuperação das paisagens destruídas, a seca severa em São Gabriel da Cachoeira e seus impactos sobre a vida nas cidades e comunidades, além de reflexões sobre soberania alimentar e mudanças climáticas na região transfronteiriça do Rio Vaupés.
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Juntas, essas narrativas traçam um panorama poderoso sobre o que significa viver e resistir em um território profundamente afetado pelas mudanças do clima. O que o mundo inteiro discute em conferências globais, os AIMAs sentem e registram no dia a dia: o atraso das chuvas, o desaparecimento dos peixes, o calor mais intenso, a transformação das paisagens e das relações com a floresta.
Exposição e lançamento na COP30
A exposição “O que sonham os invisíveis - cosmopercepções da floresta” apresenta uma produção coletiva de arte contemporânea criada nas residências do projeto Cosmopercepções da Floresta, iniciativa do Goethe-Institute, realizada ao longo de dois anos em cinco territórios: Amazônia colombiana, Ilha do Marajó, Mata Atlântica, Floresta Boreal (Finlândia) e o eixo Rio Negro–Munique.
A mostra, que inclui obras dos artistas indígenas rionegrinos Feliciano Lana, Ismael dos Santos e dos AIMAs, será inaugurada no dia 10 de novembro, às 19h, na Galeria Benedito Nunes (Fundação Cultural do Pará – Centur), onde permanece aberta ao público até 28 de novembro, com entrada gratuita.
O lançamento oficial da Aru 6 acontece no dia 13 de novembro, na Galeria Benedito Nunes, com uma roda de conversa sobre a relevância do trabalho dos AIMAs para a governança ambiental dos territórios indígenas e, consequentemente, para a agenda climática, dada a importância da conservação da Amazônia para o equilíbrio do clima e a mitigação do aquecimento global.
Participaram da conversa os pesquisadores indígenas Oscarina Caldas, Roberval Pedrosa e Genilton Apolinário, a coordenadora do Departamento de Patrimônio Cultural e Pesquisa Intercultural da Foirn, Hildete Marinho, e o pesquisador do ISA, Aloisio Cabalzar.
Também no dia 13 de novembro, das 16 às 17h30, os AIMAs participaram do evento temático “Pesquisa intercultural para o monitoramento das mudanças climáticas por povos indígenas”, realizado no Rainforest Pavillion, na Blue Zone da COP30.
Agenda de lançamento
13 de novembro | 10h
Galeria Benedito Nunes – Fundação Cultural do Pará (Centur), Belém (PA)
Roda de conversa “A importância dos AIMAs para a governança ambiental e a agenda climática”
Com: Oscarina Caldas, Roberval Pedrosa, Genilton Apolinário, Hildete Marinho (Foirn) e Aloisio Cabalzar (ISA)
13 de novembro | 16h
Rainforest Pavilion – Blue Zone
Roda de Conversa” Pesquisa intercultural para o monitoramento das mudanças climáticas por povos indígenas”
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