Empossada no início de fevereiro, Joenia assinou Portarias de Restrição de Uso de terras indígenas que estavam desprotegidas
A advogada e ex-deputada federal Joenia Wapichana tomou posse oficialmente como presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Ela é a primeira mulher indígena a assumir a presidência do órgão.
Durante a cerimônia de posse, que aconteceu no dia 3 de fevereiro, Joenia assinou 11 portarias: oito de criação ou recomposição de grupos de trabalho para demarcação de territórios, uma para a instituição do grupo de trabalho para acompanhar a situação do povo Yanomami e renovou as Portarias de Restrição de Uso de duas terras indígenas com presença de povos isolados, a Terra Indígena Jacareúba/Katawixi (AM) e a Terra Indígena Piripkura (MT).
Suas ações no comando da Funai simbolizam uma grande mudança na política indigenista brasileira, especialmente levando em conta os últimos quatro anos, que foram de retrocessos para os povos indígenas do Brasil e seus territórios. O órgão enfrentou uma onda de sucateamento e desestruturação, com a diminuição de recursos, paralisação de demarcações e coordenações comandadas por militares e gestores sem experiência em políticas públicas para povos indígenas.
A Funai de Marcelo Xavier, ex-presidente do órgão, também deixou de garantir proteção às terras indígenas com presença de povos em isolamento ou de recente contato. As portarias que protegiam estas terras indígenas, ainda não homologadas, eram renovadas por períodos curtos de três a seis meses, gerando instabilidade nestes territórios e incentivando grileiros a invadirem as terras na expectativa de que a proteção não fosse renovada quando vencesse.
Entre os casos graves de omissão, está o da Terra Indígena Jacareúba/Katawixi, no Amazonas, que estava há mais de um ano com a Portaria de Restrição de Uso vencida. A TI virou terreno de exploração ilegal de madeira, com um crescimento de 209% nos índices de desmatamento ilegal dentro do território somente no último ano.
Já a Terra Indígena Piripkura, no Mato Grosso, tem 22% do território sobreposto a imóveis privados, registrados irregularmente no Cadastro Ambiental Rural (CAR). De agosto de 2020 a agosto de 2022, cerca de 1,3 milhões de árvores adultas foram derrubadas no território Piripkura, como aponta o boletim Sirad-Isolados, do Instituto Socioambiental. Agora, as duas terras indígenas tiveram sua proteção renovada até que sejam homologadas.
Extra
A Justiça Federal determinou que a União e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) apresentem um plano de proteção para a Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau (RO) em até 90 dias úteis, em conjunto com o Estado de Rondônia e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), desde 2016 são recebidas denúncias de diversos crimes ambientais e invasões dentro da Terra Indígena, praticados por madeireiros, garimpeiros e grileiros. Ainda segundo o MPF, os povos “estão em risco iminente de expulsão de suas terras demarcadas e de morte”. O juiz federal Hiram Armenio Xavier Pereira disse que “sequer o mínimo vem sendo feito na proteção dos direitos indígenas e ambientais”.
De acordo com o boletim Sirad-Isolados, o território Uru-Eu-Wau-Wau, que conta com a presença de povos em isolamento, teve 155 hectares desmatados durante todo o ano passado, o que corresponde a aproximadamente 87 mil árvores adultas derrubadas.
Essa terra indígena está cercada por fazendas, com áreas de pasto e de plantio de soja. Os invasores não respeitam os limites da demarcação e avançam em direção ao interior do território. Além do desmatamento desenfreado causado pela grilagem, o boletim Sirad-Isolados mostrou que esse território também possui requerimentos minerários protocolados na Agência Nacional de Mineração para exploração de diversos minerais.
Isso vale um mapa
A crise humanitária vivida pelo povo Yanomami, no Amazonas, lançou luz sobre o poder arrassador da expansão do garimpo ilegal dentro de terras indígenas. É importante lembrar, ainda, que a TI Yanomami também tem o registro de povos indígenas isolados.
Segundo a análise produzida pelo Mapbiomas, nos três primeiros anos do governo Bolsonaro, a atividade garimpeira em territórios indígenas bateu recorde, tanto em tamanho, quanto em expansão. Em 10 anos, a área de garimpo em terras indígenas sextuplicou: cresceu de 3,2 mil hectares para 19,6 mil hectares. A análise mostra que a expansão do garimpo coincide com a invasão de territórios indígenas e unidades de conservação.
A Terra Indígena Yanomami foi uma das mais afetadas. Em apenas um ano, a atividade garimpeira quadruplicou, indo de 414 hectares em 2020 para 1.556 em 2021. As maiores áreas de garimpo em terras indígenas estão no Pará, nos territórios Kayapó (11,5 mil hectares) e Munduruku (4,7 mil hectares), e no Amazonas e Roraima, no território Yanomami.
Clique aqui para entender mais sobre a catástrofe vivida na Terra Indígena Yanomami e o que o que o garimpo ilegal tem a ver com isso.
Leia também:
Precisamos falar sobre a beleza dos Yanomami
Socioambiental se escreve junto
A exposição Nhe’ẽ Porã: Memória e Transformação está aberta ao público até 23 de abril de 2023, no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, e convida os visitantes a abrirem a mente e ouvirem as histórias, palavras e vidas indígenas com mais respeito. A exposição tem a artista, comunicadora e ativista Daiara Tukano como curadora.
A mostra se debruça sobre as mais de 175 línguas faladas hoje pelos 305 povos indígenas do Brasil, apresentando obras de mais de 50 profissionais indígenas, entre artistas visuais, fotógrafos, cineastas, comunicadores e pesquisadores. Quem visita a exposição encontra as árvores linguísticas que resistem hoje no Brasil e conhece histórias, cantos e discursos em dezenas de línguas indígenas.
A exposição tem apoio da Unesco, do Instituto Socioambiental (ISA), do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP), do Museu do Índio da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e do Museu Paraense Emílio Goeldi.
Nhe’ẽ Porã: Memória e Transformação
Quando: Até 23 de abril
Onde: Museu da Língua Portuguesa - Estação da Luz, São Paulo
Horário: De terça-feira à domingo, das 9h às 16h30
Ingressos: R$20,00, com entradas gratuitas aos sábados
Assista ao vídeo e Fique Sabendo: