Material discute consumo de bebidas tradicionais e industrializadas, informando sobre riscos e apontando alternativas de enfrentamento à questão

A cuia de caxiri, uma bebida fermentada apreciada pelos indígenas do Médio e Alto Rio Negro (AM), juntamente com a pimenta, cipós e chás, constituem elementos tradicionais fundamentais para os povos dessa região. Estes elementos, combinados com outras substâncias, preparos e alimentos, desempenham um papel essencial no fortalecimento das atividades coletivas, na coesão das comunidades, nos laços familiares e nos rituais.
E esses foram os elementos escolhidos pela artista indígena Larissa Ye´padiho Duarte, do povo Tukano, para ilustrar a capa da cartilha Cuidados com o Uso de Bebidas Alcoólicas da Região do Rio Negro.
O material aborda o problema do abuso de álcool nessa região, oferecendo diversas estratégias de redução de danos, cuidados e fortalecimento para lidar eficazmente com essa questão.
Apesar da falta de dados oficiais, a percepção dos indígenas, das organizações e de profissionais da saúde é de que o abuso do álcool vem crescendo nas áreas urbanas e nos territórios indígenas.
Deslocado do contexto cultural e ritualístico, o uso da bebida vem ganhando contornos preocupantes. Alguns problemas pontuados na própria cartilha são: mortes causadas por brigas, violências contra as mulheres e as crianças, acidentes, afogamentos e enforcamentos.
A cartilha aborda o tema de forma intercultural e interinstitucional, abrindo para discussão das formas de enfrentamento ao problema.
Desenvolvido pelo Instituto Socioambiental (ISA) e Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), o material foi elaborado em parceria com o Distrito Sanitário Especial Indígena Alto Rio Negro (Dsei-ARN) e com apoio de instituições do município.
Coordenador do Departamento de Adolescentes e Jovens Indígenas da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (DAJIRN/Foirn), Elson Kene explica que o conteúdo começou a ser preparado antes da pandemia, sendo que a crise sanitária acabou atrasando a sua divulgação. “Com esse material, vamos ampliar a conscientização e buscar parcerias para minimizar o problema”, explicou.
A liderança indígena Adelina Sampaio, povo Desana, é ex-coordenadora do DAJIRN/Foirn e deu início ao trabalho de construção da cartilha, após rodas de conversas realizadas em escolas de São Gabriel da Cachoeira, onde o problema foi trazido pelos estudantes e professores.

“Em 2017, com problemas de homicídios, suicídios e outros problemas sociais, a gente começou a fazer uma conversa dentro das escolas de São Gabriel da Cachoeira. E fizemos esse apanhado para criar essa cartilha. Foi um trabalho muito estruturado com presença do Conselho Tutelar, DSEI, Diocese, Foirn, ISA e outros parceiros. O DAJIRN trabalhou na construção dessa rede. A cartilha não apenas reconhece a existência do problema, algo já discutido durante as rodas de conversa, mas também busca oferecer estratégias para enfrentá-lo. Sabemos que só conseguiremos superar esses desafios com o engajamento de todos”, disse.
A organização é de Dulce Morais, assessora de gênero do Programa Rio Negro do ISA; as ilustrações são de Larissa Ye´padiho Mora Duarte, povo Tukano, e o projeto gráfico e diagramação são de Ray Baniwa, da Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas do Rio Negro.
O material está sendo levado ao território indígena pelos articuladores e articuladoras e foi entregue também ao DSEI-ARN, que vem desenvolvendo atividades com apoio do material. A Rede Wayuri também fez a divulgação na programação da rádio web.
Lançamento em São Gabriel da Cachoeira
O lançamento aconteceu em fevereiro, na Sala Dagoberto Azevedo – Suegu, na sede do ISA em São Gabriel da Cachoeira (AM), reunindo parceiros como a Diocese e órgãos da saúde e da educação.
Na sequência, houve uma semana de atividades de formação para que o conteúdo fosse levado e discutido no território indígena. Essa etapa foi conduzida pelas antropólogas do ISA, Carla Dias e Dulce Morais, pela coordenadora do DMIRN/Foirn, Cleocimara Reis, e por Elson Kene.
Os encontros reuniram articuladores e articuladoras de jovens e mulheres indígenas de todas as regiões do Médio e Alto Rio Negro da área de abrangência da Foirn.
O antropólogo Bruno Marques esteve no lançamento da cartilha e participou das oficinas. “No tempo antigo, o uso da bebida era tido como uma prática de cuidado e saúde, fazendo parte de rituais com outros elementos, como os benzimentos”, reforçou.
Terapeuta ocupacional, Maria Antonieta Dias, referência em Centro de Atenção Psicossocial – álcool e drogas (Caps-ad) – e redução de danos, participou da formação de forma remota.

Jaqueline Gonçalves, referência técnica de saúde mental do DSEI-ARN também contribuiu com a formação. Ela apresentou alguns dados levantados pelo DSEI corroborando a preocupação com o uso abusivo de álcool e o manejo desse problema por meio de políticas públicas de saúde integral e humanizada.
Durante o encontro, houve roda de conversa para que os indígenas pudessem trazer os principais pontos do problema.
Articuladora de jovens Josiane Silva Pereira, do povo Tariano, vive no distrito de Iauaretê, que fica próximo da fronteira com a Colômbia, e participou da oficina representando a sua região. Ela informa que, como articuladora de jovens, fará o trabalho de levar adiante as informações disponíveis na cartilha.
“A gente vê na realidade que é um problema difícil. Tem muito adolescente e jovem com problemas com álcool e até alcoolismo. A gente percebe um aumento enorme. E é complicado reduzir, mas uma forma de avançarmos é pela conscientização”, disse.
Serviço:
Cuidados com o Uso de Bebidas Alcoólicas da Região do Rio Negro
Autor: MORAIS, Dulce Meire Mendes (Org.)
Editora: Instituto Socioambiental (ISA) e Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn)
N° de páginas: 32