O presidente e sócio-fundador do ISA, Márcio Santilli, analisa e critica a contradição entre a necessidade de combater as mudanças climáticas e o aumento dos gastos militares no mundo
Artigo publicado originalmente na Central da COP, em 11/6/2025
A caminho da COP-30, a conferência internacional sobre mudanças climáticas que acontecerá em Belém (PA), em novembro, as expectativas vão se colocando: que esta seja a COP da floresta, que seja inclusiva para os povos indígenas, os afrodescendentes, os extrativistas e os ribeirinhos que vivem da floresta. Que seja o momento de renovar metas e compromissos, considerando o agravamento das condições climáticas. Que as transições energética, ecológica e do uso da terra não sejam apenas slogans vazios e se traduzam em cuidados efetivos com este planeta doente.
É muito bom ver o pique das pessoas, organizações civis e movimentos sociais reivindicando espaço e influência nas decisões da COP-30. A participação do Brasil nas COPs cresce, milhares estiveram nas últimas e a capital paraense será acessível para dezenas de milhares. Haverá um imenso saldo pedagógico, informativo e formativo, mais do que desejável.
As negociações diplomáticas, em si mesmas, são arrastadas, insalubres e exaustivas. Muito trabalho para pouco resultado. O melhor, mesmo, das COPs é o lado de fora, o que rola no paralelo, nos corredores, nos espaços alternativos e nas ruas. Nesse sentido, Belém não vai decepcionar.

ESTÍMULO AO CONFLITO
Porém, a maré não está para peixe. Os EUA de Donald Trump se retiram das negociações, outra vez, e podem arrastar outros bagrinhos, como o presidente argentino, Javier Milei. Os EUA e a Argentina não se resumem aos seus dirigentes, mas o gesto de Trump atrasa o processo num momento fatal, em que o aumento da temperatura média na superfície da Terra atinge 1,5 graus centígrados, o primeiro limite para um clima global minimamente seguro, de acordo com os cientistas.
Os danos provocados pelo presidente dos EUA vão além da omissão climática, que já é muito grave. Sua postura belicosa, inclusive contra aliados tradicionais, gerou desconfiança e insegurança. A forma como rifou o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, e piscou para o líder da Rússia, Vladimir Putin, deixou claro aos parceiros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) que não é certo o apoio dos norte-americanos no caso de agressão militar.
Alemanha e Japão, por exemplo, que foram derrotados em 1945, na Segunda Guerra Mundial, e sofreram restrições militares ao longo das últimas décadas, estão constatando que precisam de uma forte estrutura de defesa, pois o cobertor protetor da OTAN não é mais suficiente. Orçamentos militares estão em alta no mundo todo. A tensão se espalha, muito além da Ucrânia, Gaza, Caxemira e outras áreas conflagradas.
Trump teve a pachorra de ameaçar Canadá, Groenlândia e Panamá de invasão ou anexação. Andou nos ameaçando de ocupar Fernando de Noronha e a base naval de Natal, alegando direitos históricos. Não interessa ao Brasil, nem aos seus vizinhos, a militarização do Atlântico Sul. Mas o presidente dos EUA vê o continente como seu quintal.
Para complicar, a compulsão tarifária do mandatário desorganiza o comércio mundial e ameaça mergulhar, até seu próprio país, em inflação e recessão. Ele joga bruto, mas joga mal, erodindo, rapidamente, a hegemonia exercida pelos EUA nas últimas décadas. O seu slogan preferido, “America First”, pode virar uma “America Lost”.

DE MAL A PIOR
O ano de 2024 foi o mais quente da história, superando 2023, recordista anterior. Eventos climáticos extremos se intensificam, afetando a vida de milhões de pessoas. Refugiados climáticos engrossam o fluxo de migrantes.
Porto Alegre (RS) foi inundada, ondas de calor afetaram o Sul, o Sudeste e o Centro-Oeste. Estiagem brutal na Amazônia dois anos seguidos, avanço da desertificação no sertão do Nordeste. Mortos e desabrigados, safras perdidas, energia mais cara, falta de água nas cidades. Os impactos da mudança climática sobre o Brasil também foram intensos.
Uma das metas da COP-30 seria aumentar o volume de recursos disponibilizados pelos países desenvolvidos para enfrentar a mudança climática, dos US$ 300 bilhões já oferecidos na COP-29, no ano passado, para US$ 1,3 trilhão. Com a tendência de baixa no comércio mundial e de alta nos gastos militares, de onde sairão os recursos para fins humanitários, inclusive a crise climática?
PAZ COMO META
A COP-30 será um manifesto contra a política anticlimática de Trump, mas deveria também homenagear os demais representantes norte-americanos presentes, reconhecendo a importância dos EUA para se enfrentar a mudança climática. O presidente dos EUA já está sob pressão de políticos e empresários para mudar de rumo ou até renunciar.
O clima de guerra drena para a indústria bélica os recursos disponíveis para investir no desenvolvimento sustentável e no combate à miséria nos países mais pobres. Os danos crescentes provocados no clima e os recursos indispensáveis para mitigá-los, ou para se adaptar a eles, não estão disponíveis. A chance de enfrentá-los minimamente depende da paz.
A guerra e a mudança climática conspiram contra a vida. A conquista da paz é condição para potencializar a chance de reverter o aquecimento global. Com emissões de gases de efeito estufa e conflitos em alta, seguiremos em trânsito para o inferno. A defesa da paz é central para as pessoas e organizações empenhadas em superar a emergência climática.