Indígenas se encontraram com representantes de instituições para definir gestão de recursos extraordinários do Governo Federal
Lideranças da Terra Indígena Yanomami estiveram reunidas, entre 16 e 18 de maio, com representantes de instituições que atuam em projetos de Educação, Direitos Humanos, Saúde da Mulher e Soberania Alimentar. O diálogo foi centrado em recursos extraordinários — verba extra após a crise emergencial — que o Governo Federal destinou para o maior território indígena do Brasil.


Os indígenas foram informados sobre como os recursos foram destinados e puderam tirar dúvidas sobre a execução diretamente com representantes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal de Roraima (UFRR), Colégio Aplicação (CAP/UFRR), Universidade Estadual de Roraima (UERR), Instituto Federal de Roraima (IFRR) e Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
“Nos questionamos: será que o governo sabe trabalhar com o povo Yanomami? Conhece nossas aldeias, onde a gente mora? Então, tomamos a iniciativa de fiscalizar esse crédito extraordinário do governo federal, tirar nossas dúvidas para acompanhar as ações com as instituições. Afinal, esse dinheiro não está com as associações, mas com as organizações do governo”, pontuou Dário Kopenawa, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami (HAY), durante a reunião.

Além da HAY, a mais representativa associação da Terra Indígena Yanomami, participaram do diálogo Associação Yanomami do Rio Cauaburis e Afluentes (AYRCA), Associação de Mulheres Yanomami Kumirayoma (AMYK), Uhiri Associação Yanomami (URIHI), Associação Wanasseduume Ye’kwana (SEDUUME), Associação Sanöma Ypassali, Associação Parawami Yanomami, Texoli Associação Ninam e Associação Kurikama Yanomami.
O Instituto Socioambiental (ISA) organizou o encontro e mediou a conversa entre associações e instituições executoras dos projetos. (Entenda os projetos abaixo)
“Apesar de existir, dentro da política oficial, espaços como o Fórum de Lideranças, este espaço não é suficiente para gerar o entendimento entre as duas partes. A atividade que fizemos tem o objetivo de aproximar as instituições que receberam os recursos para executar as ações das associações que têm o papel de fiscalizar o uso dos recursos e a qualidade das ações desenvolvidas nas comunidades. Outro objetivo é assessorar no entendimento das propostas, já que muitos projetos foram elaborados no contexto de emergência”, explicou Lídia Montanha, coordenadora adjunta do ISA em Roraima.

A emergência à qual Montanha se refere foi instaurada pelo Governo Federal em janeiro de 2023, 20 dias após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tomar posse. Lula viajou em caráter de urgência a Roraima e em Boa Vista visitou a Casa de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kwana (Casai-YY). Em seguida, o governo iniciou uma megaoperação com envio de cestas básicas, reestruturação da saúde no território e retirada de garimpeiros ilegais.
“Pedimos esta reunião para termos explicações do que são os créditos extraordinários, quem recebeu e como está sendo gasto. Já havíamos sido apresentados aos projetos, agora estão nos apresentando os recursos destinados à Terra Indígena Yanomami. Com estas informações podemos dialogar melhor com o governo e depois vamos explicar para quem está nas comunidades o que está acontecendo”, disse Julio Ye’kwana, presidente da Seduume, ao ISA.
Projetos da UFMG
O programa de Direitos Humanos, Educação e Saúde na Terra Indígena Yanomami surgiu após uma fala do xamã Davi Kopenawa em 2022. Ele esteve na UFMG para abrir as comemorações dos 95 anos da universidade.
“Davi solicitou que houvesse um empenho da UFMG junto aos Yanomami para retomar os projetos relacionados à Educação. Em 2023, tivemos uma grande reunião entre os professores Yanomami de Roraima e do Amazonas e tivemos uma grande proposta de retomada da Educação”, disse Ana Maria Gomes, professora titular da Faculdade de Educação da UFMG e coordenadora do programa de Direitos Humanos, Educação e Saúde na Terra Indígena Yanomami.

A UFMG entendeu que o projeto de Direitos Humanos deveria ser voltado às associações Yanomami e desenvolveu uma formação em Direitos Humanos para dois grupos: os novos diretores e lideranças mulheres indicados pelas associações da Terra Indígena Yanomami. Além deste projeto, a UFMG também é responsável pelo desenvolvimento de outros três.
"Saberes Indígenas na Escola” tem como foco a formação de professores indígenas e profissionais do magistério. Também realizado em parceria com o campus Boa Vista do IFRR, esse projeto concentra-se especificamente na valorização e no fortalecimento da prática pedagógica indígena.
Outra iniciativa envolve a construção de espaços comunitários multifuncionais, pensados para atender às demandas das comunidades Yanomami, podendo ser utilizados como escolas. Desenvolvido em diálogo direto com as comunidades e em parceria com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) — responsável pela autorização para construções em Terras Indígenas —, o projeto prevê a edificação de 10 unidades escolares e um centro de formação, distribuídos por diferentes regiões da Terra Yanomami. As duas primeiras estruturas serão destinadas às comunidades Kolulu (na região de Auaris) e Maloca Papiu, atendendo os povos Sanöma e Yanomami.
Por fim, o quarto projeto da UFMG é a criação de uma Rede de Cuidados em Saúde da Mulher, concebida a partir das demandas apresentadas pelas mulheres Yanomami ao longo de 15 anos de mobilização. Essas demandas emergiram tanto no XI Encontro de Mulheres Yanomami quanto nas oficinas de Direitos Humanos voltadas às lideranças femininas. A rede busca fortalecer políticas de atenção integral à saúde das mulheres, respeitando seus saberes e especificidades culturais.
Projetos da UFRR
A Universidade Federal de Roraima (UFRR) desenvolve ações na Terra Indígena Yanomami por meio de quatro Termos de Execução Descentralizada (TEDs). Os projetos são direcionados especialmente à região de Awaris, onde vivem os povos Ye’kwana e Sanöma.
Um dos projetos tem como foco principal a promoção da soberania alimentar, em resposta à grave crise humanitária e alimentar enfrentada pelos povos da Terra Indígena Yanomami. Na área da educação, está em fase de elaboração o Projeto Político Pedagógico (PPP) do ensino médio voltado para os Ye’kwana, com uma escola regular que atende crianças e adolescentes da região.
Já os Sanöma participam de um programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA), voltado ao ensino fundamental, do 1º ao 9º ano. A iniciativa é ofertada pelo Colégio de Aplicação da UFRR e conta com nove módulos, cada um com 150 horas de aulas presenciais e outras 150 horas de atividades desenvolvidas nas comunidades. Até o momento, cinco módulos já foram concluídos.
“Para se encaixar é preciso ter no mínimo 16 anos. Nós atendemos 70 estudantes e para escolher quem passaria pela EJA, escutamos as comunidades, tivemos uma reunião com as lideranças”, explicou Adriana Gomes Santos, professora do CAP/UFRR.
Projeto do IFRR - Campus Boa Vista
O IFRR atua no Ação Saberes Indígenas na Escola, que é um projeto nacional para professores indígenas, desde 2014 com os povos Wai Wai, Macuxi, Ingaricó, Wapichana e Taurepang. Com o apoio extraordinário, serão ampliadas as ações para atender os Ninam, subgrupo dos Yanomami.
“Foi uma necessidade das associações, que procuraram o IFRR. Fizemos a proposta e organizamos para atender aos professores Ninam”, explicou Marilene Alves Fernandes, professora do IFRR e coordenadora do programa Ação Saberes Indígenas na Escola.

O curso tem a duração de 180 horas para os professores que atuam diretamente nas escolas e 200 horas para os orientadores de estudos - os profissionais que atuam na formação dos professores. Todos que passam pela formação são escolhidos pelas comunidades para receberem treinamentos.
Projetos do IFRR - Campus Amajari
O campus Amajari também atua com projetos voltados à soberania alimentar e apoia atividades de ensino, pesquisa e extensão na Terra Indígena Yanomami sobre piscicultura e pesca artesanal nas regiões de Auaris (Ye’kwana e Sanöma), Alto e Baixo Mucajaí nas comunidades Sikamabiú e Lasasi e na região Ajarani.
Marcelo Pontes, responsável pelo projeto, explicou que serão implementados dois modelos de piscicultura: construção de tanques para a produção de peixes e adaptação in loco. Para o primeiro modelo, o IFRR possui capacidade técnica para a execução. Já no segundo, é necessário contratar serviços de terceiros, uma vez que a instituição não conta com equipe especializada para o desenvolvimento..
O projeto conta com diagnóstico de avaliação e plano de manejo, assessoria técnica de pesca artesanal via workshops e oficinas, bem como cursos de formação com certificação.
Além disso, o campus Amajari também possui um projeto voltado à realização de atividades de ensino, pesquisa e extensão na Terra Indígena Yanomami na área de recursos naturais e produção alimentícia nas regiões de Ajarani, Alto e Baixo Mucajaí e Missão Catrimani.
Leidiane Lima, responsável pelo projeto, explicou que as ações contam com a parceria da Embrapa Bahia no âmbito do fortalecimento dos produtos agrícolas para segurança alimentar. A iniciativa envolve o apoio técnico e de infraestrutura para a produção e distribuição de matrizes de banana, abacaxi e mandioca aos Yanomami de Roraima e Amazonas.
As ações visam abrir novos roçados, fortalecer os já existentes, fomentar a produção de mandioca e frutas, oferecer assistência técnica, promover a recuperação e o manejo sustentável das áreas produtivas, além de incentivar a conservação e o processamento de alimentos. Também está prevista a formação em recursos naturais, com destaque para a certificação no Curso de Agricultor Agroflorestal, com carga horária de 200 horas.
Projetos da Embrapa
A Embrapa em Roraima desenvolve dois projetos principais voltados à Terra Indígena Yanomami: a instalação de Bancos de Sementes Tradicionais (BST) e a implantação de culturas em sistemas agroflorestais, ambos com o objetivo de fortalecer a soberania e a segurança alimentar dos povos indígenas. Além disso, atua no desenvolvimento, adaptação e transferência de tecnologias para a aquicultura e a pesca, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida e a autonomia alimentar das comunidades
Sandro Loris, responsável pelo projeto de pesquisa em aquicultura, indicou que o projeto deverá ser desenvolvido nas regiões de Auaris (comunidade Olomae), Alto e Baixo Mucajaí, Apiaú e Ajarani. O projeto já está em andamento e possui flexibilidade para ser implementado em outras regiões, conforme o desejo dos Yanomami e Ye’kwana.