Reconhecimento de sentença sobre o Quilombo Bombas valoriza luta histórica pela permanência dos quilombolas em seu território
Decisão da juíza Hallana Duarte Miranda, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), foi premiada no 2º Concurso Nacional de Decisões Judiciais e Acórdãos em Direitos Humanos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na categoria Direitos dos Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais. A cerimônia de premiação aconteceu em 12 de agosto.

A sentença foi proferida em dezembro de 2023 a favor do Quilombo Bombas, que historicamente vive e resiste no Vale do Ribeira, e que, desde 1958, passou a sofrer com conflitos socioambientais derivados da sobreposição de seu território pelo Parque Estadual Turístico do Alto do Ribeira (Petar), Unidade de Conservação de Proteção Integral, que não admitiria a presença humana em seu interior.
Presente à 16ª Feira de Troca de Sementes e Mudas Tradicionais das Comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira, a juíza destacou que a premiação reforça o papel da Justiça na garantia de direitos fundamentais de comunidades tradicionais.
Segundo ela, o CNJ tem trabalhado na proteção e incentivo à aplicação, pelo Poder Judiciário brasileiro, dos tratados e convenções internacionais de direitos humanos que asseguram direitos a diferentes segmentos da sociedade, entre eles, povos e comunidades tradicionais, que abrange os povos indígenas, comunidades quilombolas e outras comunidades tradicionais.
“O Brasil internalizou a Convenção 169 da OIT, que trata dos povos e comunidades tradicionais, uma das normativas que protege as comunidades quilombolas. O reconhecimento dessa decisão, na verdade, é um reconhecimento de que o sistema de justiça entende como importante a proteção territorial dessas comunidades”, afirmou.
A partir da década de 1980, a Unidade de Conservação criada no papel em 1958 começou a ter seu perímetro delimitado fisicamente pelo Governo do Estado de São Paulo. Esse processo exerceu grande pressão pela expulsão de comunidades tradicionais de suas terras, já que o Petar se sobrepõe aos territórios quilombolas e de comunidades Caboclas. Essa pressão pela expulsão das comunidades ocorreu, e ainda ocorre, apesar dos direitos constitucionais e convencionais desses povos e comunidades, da ocupação centenária dessas áreas por esses sujeitos coletivos e da constatação de que o modo de vida tradicional mantém o maior maciço de Mata Atlântica do Brasil em pé.
Suzana Pedroso, liderança do Quilombo Bombas de Cima, relata os desafios provocados pela sobreposição para a comunidade, que perdeu muitas famílias por conta das inúmeras limitações, principalmente para plantar as roças tradicionais.
"O parque quer dizer que nós não preserva. Nossas famílias nunca destruiu lá. Nunca destruiu a mata. Tem cerca de 25 famílias lá e nós preserva, nós planta e os bichos são os primeiros que comem. Nós sabe trabalhar e nós quer trabalhar livre. O parque levou nosso direito. Eu vivo na roça, eu trabalho na roça, criei meus filho na roça, meu pai me criou na roça", disse.
Na decisão inédita no país e histórica, a juíza reconheceu a invalidade da sobreposição do Petar ao território do Quilombo Bombas, situado na região do Vale do Ribeira, a sudoeste do estado, no município de Iporanga. Após mais de duas décadas de diálogos da comunidade com a Fundação Florestal e com organizações ambientalistas, o conflito derivado das sobreposições não foi resolvido no diálogo. Nesse contexto, a decisão judicial supre a inoperância do Poder Executivo do Governo de São Paulo em resolver essas questões, garantindo direitos às comunidades. Há outros conflitos judicializados que aguardam solução, como no caso das comunidades caiçaras da Juréia e no Quilombo da Fazenda, ambos em São Paulo.
Além disso, a decisão determina a apresentação do cronograma de execução e prazo para início da obra da estrada de acesso ao quilombo, que já fora determinada em decisão liminar anterior, proferida em 2015.
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Suzana comemorou a decisão. "Foi muito importante e esse prêmio foi muito merecido. Ela viu o sofrimento do povo. O parque vem oprimindo muito o povo. Ele libera uma parte da roça e depois, mesmo liberado, vem a multa. E nós estamos sofrendo muito com isso. Quem somos nós no mato se a gente não puder viver da nossa roça? Eu me sinto presa, sem poder trabalhar. Era para ter nossa roça de feijão, rama e não tem essa liberação. Antes da instalação do parque, nós era livre. Hoje nós vive com medo, está difícil morar lá", desabafou.
Durante a Feira, Suzana e Hallana se conheceram. Suzana apresentou a família e a agradeceu. Emocionada, a juíza contou que o maior reconhecimento veio da própria comunidade quilombola.

“Mais do que ganhar prêmio, acho que é o que mais me emocionou, e foi hoje, foi conhecer a dona Suzana, que é membro e liderança da comunidade de Bombas, e ela disse que a decisão para ele significa muito. Então, eu acho que, acima de qualquer teoria, prêmio ou academia, você ver a transformação na realidade, as pessoas sendo protegidas, é a coisa mais satisfatória, não só para mim, mas é a coisa mais satisfatória para quem tem um compromisso mesmo, que os direitos humanos se implementem.”
Há, no Brasil, mais de 90 casos de sobreposição de Unidades de Conservação de proteção integral a terras indígenas e de povos e comunidades tradicionais. O prêmio conferido pelo CNJ à sentença do caso de Bombas deveria servir para que os poderes executivos dos estados e da União desenvolvessem meios para solucionar os conflitos de forma dialogada, mas também servirá de incentivo ao ajuizamento de novas ações sempre que os estados não tiverem disposição para o diálogo.
Assista a cerimônia de premiação